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Poder

Minha Hist�ria Peter Ho Peng, 64

A ditadura quis me apagar

Naturalizado brasileiro, homem que lutou contra regime militar conta como recuperou sua identidade, cassada h� 40 anos

FELIPE B�CHTOLD DE PORTO ALEGRE

A ditadura tentou apagar minha cidadania brasileira. E conseguiu, por muitos e muitos anos.

Eu tinha 1 ano e 11 meses quando vim para o Brasil. A naturaliza��o foi autom�tica, era filho de pais naturalizados. Minha fam�lia sempre foi de Porto Alegre, uma das primeiras da col�nia chinesa.

Estudei engenharia qu�mica na Federal do Rio Grande do Sul e era ativista, fazia oposi��o [ao regime militar]. Da nossa dire��o do diret�rio acad�mico, quatro foram expulsos da universidade. O clima n�o era de falta de liberdade, mas de medo. Nas salas de aula havia espi�es.

Pais recomendavam que os alunos n�o entrassem no diret�rio. Mas n�s mobiliz�vamos shows, reuni�es dan�antes, sess�es de cinema. Ench�amos o centro acad�mico.

Havia gente que pregava confronto mais direto com a ditadura. Isso n�o prevaleceu. O nosso trabalho sempre foi defender liberdades democr�ticas.

Em 1971, fui sequestrado no Rio de Janeiro. Fui preso, torturado por mais de 60 dias no DOI-Codi e outros 60 dias no Dops do Rio.

Fui transferido para Porto Alegre e permaneci detido sem ter uma acusa��o. Nunca fui julgado ou condenado. Consegui sair. Depois, em 1973, fui novamente sequestrado, junto com outros estudantes de engenharia.

Desapareceram ent�o com meus documentos. Na liberta��o, me deram uma carteira modelo 19 [documento dos estrangeiros � �poca].

Correspond�ncias entre �rg�os da repress�o me caracterizavam como "chin�s" e "ap�trida". Havia a inten��o de me expulsar do pa�s. Estava sob vigil�ncia constante.

Resolvi me antecipar e sair do Brasil. Eu n�o tinha para onde ir. Poderia voltar para Hong Kong, mas minha cultura n�o � a chinesa.

EX�LIO

Fui morar nos Estados Unidos. Meu visto de sa�da do pa�s dizia: "N�o d� direito de retorno ao Brasil".

Foram mais de dez anos longe do Brasil. Quando houve a Lei da Anistia, em 1979, eu fiquei fora, porque era para brasileiros voltarem ao pa�s. E eu n�o conseguia provar que era brasileiro.

Com a abertura [do regime militar], nos anos 80, passei a visitar o Brasil a trabalho tr�s ou quatro vezes por ano.

S� voltei a ter resid�ncia no pa�s em 2004. Era bastante trabalhoso para mim: a cada 90 dias, tinha que sair do Brasil para entrar de novo.

Comecei a reivindicar cidadania por essa �poca, mas n�o descobria o caminho. Procurei meus documentos e eles tinham sido apagados: carteira de trabalho, de motorista, RG, tudo.

Fiz contato com o [ativista] Jair Krischke e iniciamos um processo na Comiss�o da Anistia [do governo federal].

Levou um tempo. Como devolver uma cidadania que tinha sido apagada? Pesquisas em Porto Alegre apontavam que eu tive um RG, mas a pasta [do arquivo] estava vazia.

Em abril do ano passado foi deliberado na comiss�o que eu deveria usufruir de todos os direitos de um brasileiro.

Devido � dificuldade legal, demorou at� agora, quase um ano, para eu poder retirar o RG. Exemplo de como � dif�cil reconstruir a democracia. Foi uma longa trajet�ria, mas � uma vit�ria.

Aos 64 anos, vou fazer um t�tulo eleitoral pela primeira vez. Vou votar com gosto.


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