Descrição de chapéu Obituário Osvaldo Rodrigues Cavignato (1945 - 2024)

Mortes: Viveu com outro nome na União Soviética e marcou o movimento sindical do ABC

Osvaldo Rodrigues Cavignato usava a matemática e a economia como ferramentas a favor dos trabalhadores

São Paulo

O ano era 1970 e Osvaldo Rodrigues Cavignato, aos 24 anos, estava na França para a viagem que o marcaria até o fim da vida. Para seguir até o destino final, o protocolo exigia cuidados com sigilo e segurança: estar na hora e lugar marcados para encontrar um desconhecido, dizer uma senha previamente combinada, ouvir de volta uma contrassenha e, só então, receber um novo passaporte e as orientações para chegar à Rússia, na então URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).

Por dois anos ele teve aulas de russo, de economia, de marxismo e leninismo, e mais. Aprenderia também a atirar com um fuzil Kalashnikov e as mais diversas habilidades, como abrir e fechar uma carta lacrada sem deixar vestígios. Durante esse período ele foi Osmar Ribeiro —trocou de nome para apagar o rastro de sua entrada em território comunista e evitar a perseguição da ditadura brasileira.

Quem conta essa história é sua filha Deise. "Foi lá [na URSS] que ele aprendeu que queria ser economista e ensinar como a economia poderia ser trabalhada em prol das pessoas", ela diz.

Um homem mais velho com bigode e óculos, vestindo um blazer marrom e uma camisa branca, olha para cima com uma expressão pensativa, em frente a uma cortina vermelha, enquanto outras pessoas parecem desfocadas ao fundo.
Osvaldo Rodrigues Cavignato (1945 - 2024) - Adonis Guerra/Sindicato dos Metalúrgicos do ABC

Cavignato nasceu na pequena Duartina, no interior paulista. Foi o filho mais velho de uma professora e de um metalúrgico —depois ele ganharia um irmão, uma irmã e um irmão adotivo—, que viveram em várias cidades até se estabeleceram na região do ABC.

Ele começou no trabalho como aprendiz de ajustador mecânico formado pelo Senai, em Piracicaba, e já estava nas fábricas do ABC por volta dos 13 anos, em 1958.

A viagem à Rússia surgiu quase por acaso. O convite foi feito inicialmente a um amigo de Cavignato filiado ao PCB, Lúcio Bellentani, que por já estar casado e com filhos preferiu recusar a viagem e indicar o amigo em seu lugar. Anos mais tarde, Bellentani denunciaria como foi torturado dentro da própria fábrica da Volkswagen, num dos casos mais emblemáticos da colaboração da empresa com o regime militar na caça a comunistas.

Após voltar ao Brasil, Cavignato também se tornaria alvo da repressão. Em 1975, segundo contou aos filhos, um policial o procurou no trabalho e pediu que lhe acompanhasse para reconhecer o suspeito de um roubo que teria ocorrido na véspera, na casa do metalúrgico.

Fora da fábrica, encontrou seu próprio pai na viatura de polícia. "Eles disseram: 'agora você entra, se não a gente leva o seu pai'", conta a filha. Foi levado à sede do DOI-Codi, o principal centro de repressão do Brasil na ditadura, e passou cerca de três meses sob custódia, sob tortura frequente. Perdeu um ano de faculdade e acabou se desfiliando do Sindicato dos Metalúrgicos.

Ele só se formaria em economia dois anos depois, na Fundação Santo André. Família e amigos contam que foi Cavignato que insistiu para o então presidente do sindicato, Luiz Inácio Lula da Silva, ir a uma palestra de Eduardo Suplicy na fundação onde os dois acabaram se conhecendo. Lula foi seu padrinho de casamento.

Cavignato se especializou em usar a matemática e a economia como ferramentas a favor dos trabalhadores nas negociações com patrões. Ele entrava nas reuniões e demonstrava, com lápis e papel na mão, que havia espaço de sobra nos custos das fábricas para bancar aumentos salariais aos operários.

Foi pioneiro na instalação da primeira subsede do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos) dentro de um sindicato, para auxiliar nas negociações. Trabalhou no órgão por décadas e, pouco antes de se aposentar, também trabalhou na Prefeitura de São Bernardo do Campo, na década de 2000.

Ele morreu dia 10 de abril, aos 79 anos, devido a complicações da doença de Alzheimer, deixando quatro filhos e netos.


coluna.obituario@grupofolha.com.br

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