Dias antes de suic�dio, reitor da UFSC disse � PF que n�o protegeu ningu�m
O ex-reitor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Luiz Carlos Cancellier, 59, que se matou em outubro dias ap�s ter sido preso e afastado do cargo pela Opera��o Ouvidos Moucos, confirmou em depoimento que "decidiu por avocar" para si uma sindic�ncia interna que apurava supostos desvios. O objetivo, segundo ele, era "empregar maior celeridade � apura��o visando ao esclarecimento dos fatos".
Cancellier foi preso em 14 de setembro sob suspeita de ter tentado interferir nas investiga��es internas da UFSC. "Afirma [Cancellier] que n�o tentou proteger ningu�m ao exarar o despacho de avoca��o da sindic�ncia investigativa em foco", diz o termo do depoimento, de oito p�ginas. Duas semanas depois, ele se suicidou ao se jogar no v�o de um shopping em Florian�polis. No seu bolso foi encontrado um bilhete no qual protestava contra o afastamento da universidade, determinado pela Justi�a Federal a pedido da Ouvidos Moucos.
A opera��o investiga supostos desvios de recursos e irregularidades no programa de EaD (Educa��o a Dist�ncia) da UFSC, financiado com recursos da Capes (Coordena��o de Aperfei�oamento de Pessoal de N�vel Superior), funda��o vinculada ao MEC.
Fiscaliza��es da CGU (Controladoria Geral da Uni�o) haviam constatado diversos problemas no sistema, como bolsas de tutoria "concedidas a pessoas sem qualquer v�nculo com as atividades de magist�rio superior, inclusive parentes de docentes". Nos �ltimos dez anos, o programa recebeu R$ 80 milh�es, mas n�o h� c�lculo sobre o total desviado.
Antes da deflagra��o da opera��o, o corregedor da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, apurava informa��es prestadas por outros professores que denunciavam problemas no EaD. Uma das professoras, Ta�sa Dias, relatou que pessoalmente pediu provid�ncias ao reitor, mas n�o teve sucesso.
O reitor come�ou a demandar o corregedor para obter mais informa��es sobre a investiga��o e, por fim, assinou um ato pelo qual avocou, ou seja, atraiu para a Reitoria, a investiga��o que corria em sigilo. O ato foi considerado pela PF e pelo Minist�rio P�blico Federal uma tentativa de obstru��o da investiga��o, o que levou ao pedido de pris�o de Cancellier, autorizado pela 1� Vara da Justi�a Federal.
No mesmo dia em que foi preso, Cancellier, reitor desde 2016, prestou depoimento � PF. Come�ou explicando que os cursos de EaD existem desde 2007 e s�o oferecidos na UFSC vinculados � Coordena��o da UAB (Universidade Aberta do Brasil), que integra a Secretaria de Ensino a Dist�ncia, subordinada diretamente � Reitoria. O secret�rio � nomeado pelo reitor.
A PF quis saber por que o reitor nunca aderiu � recomenda��o da CGU de 2012 e de um decreto de 2010 que preveem a divulga��o, na p�gina da UFSC na internet, das informa��es sobre as funda��es de apoio, "em especial remunera��es e benefici�rios". Cancellier deu uma resposta contradit�ria. Primeiro disse que desde 2012 a UFSC vinha "trabalhando nesse sentido", mas depois ponderou que "h� uma diverg�ncia de interpreta��o sobre o decreto, se as funda��es ou a UFSC � que devem fazer a divulga��o". Segundo ele, o pagamento da bolsa aos docentes, tutores e monitores � feito pelas funda��es de apoio contratadas pela universidade.
Indagado sobre a sua decis�o de ter recriado a Secretaria de Ensino � Dist�ncia, Cancellier disse que isso "possibilitou a centraliza��o da cadeia hier�rquica", pois a secretaria era "subordinada � Reitoria".
TROCA
No come�o de 2017, Cancellier substituiu o ent�o secret�rio de Ensino � Dist�ncia, Marcos Baptista Lopez Dalmau, no cargo h� um ano, quando as suspeitas da professora Ta�sa j� circulavam entre os professores. A explica��o de Cancellier para esse ato entrou em contradi��o com a do pr�prio Dalmau. O reitor disse � PF que decidiu a troca "por raz�es discricion�rias de melhoria de gest�o". Dalmau, contudo, quando ouvido pela PF, afirmou que "deixou o cargo a pedido, por problemas m�dicos na fam�lia, tendo informado isso ao reitor".
Em seu depoimento, Cancellier afirmou que tomou conhecimento de irregularidades no EaD "no segundo trimestre de 2017", pelo corregedor, que havia recebido uma "not�cia an�nima" e aberto um procedimento. Tamb�m soube que o corregedor "havia comunicado � Capes que a not�cia an�nima mencionava o poss�vel pagamento de bolsas de professor/tutor EaD a quem n�o tinha direito".
A data citada por Cancellier entra em contradi��o com os depoimentos de pelo menos dois professores. Al�m de Ta�sa, o professor Luiz Felipe Ferreira, 50, chefe do departamento de Ci�ncias Cont�beis de 2012 a 2017, disse que por volta de outubro de 2016 –portanto, mais de cinco meses antes da data citada por Cancellier–, ele acompanhou a colega em uma reuni�o com o reitor. Na ocasi�o, segundo Ferreira, Ta�sa "mostrou os ind�cios que tinha identificado relacionados a poss�veis irregularidades nos pagamentos das bolsas e manipula��o dos sistemas, senhas e demais procedimentos".
O reitor, segundo Ferreira, sugeriu que Ta�sa procurasse outros professores da administra��o e "n�o quis receber a documenta��o que Ta�sa trazia consigo, pois alegou que a mesma deveria fazer um dossi� e entregar em outra oportunidade, em envelope confidencial". Perguntado pela PF sobre quais provid�ncias tomou quando viu os documentos em poder de Ta�sa, o reitor retrucou que "jamais recebeu de Ta�sa qualquer documento a respeito".
Cancellier disse que, ao saber da exist�ncia da sindic�ncia investigativa sobre o EaD, "imediatamente solicitou formalmente � Corregedoria c�pia da sindic�ncia investigativa, no que foi atendido pelo corregedor". Cancellier telefonou para a Capes para detalhar "o que havia sido apurado at� o momento". A Capes informou que "n�o liberaria novos recursos enquanto n�o se esclarecessem os fatos objeto da apura��o da sindic�ncia". O �rg�o enviou � UFSC uma equipe de auditores entre maio e junho –o resultado da inspe��o em uma parte do programa confirmou "gastos indevidos" de R$ 372 mil.
AVOCA��O
O reitor confirmou que o relat�rio da Capes constatou "irregularidades" e determinou "� UFSC que adotasse uma s�rie de provid�ncias de cunho operacional". Cancellier disse que respondeu por of�cio, em junho, informando que a UFSC "acatava as orienta��es da Capes e que adotaria as provid�ncias indicadas no relat�rio".
Nesse meio tempo, a Corregedoria continuava seu trabalho. Ent�o, Cancellier, citando sua "condi��o de reitor", "decidiu por avocar os autos da sindic�ncia investigativa a fim de empregar maior celeridade � apura��o visando ao esclarecimento dos fatos". Ele disse que recebeu "acompanhamento e supervis�o direta de membros da Advocacia-Geral da Uni�o, na pessoa do procurador federal que atua junto � UFSC".
O corregedor, no entanto, "questionou a avoca��o e n�o atendeu a determina��o do reitor". Ele informou � CGU em Santa Catarina, que repassou a informa��o � CGU em Bras�lia. Ao saber disso pelo pr�prio corregedor, o reitor procurou a CGU catarinense, onde deixou uma c�pia do ato da avoca��o.
"Sob sua �tica", disse o reitor, todas essas movimenta��es "demonstram que [ele] n�o tentou em momento algum interferir ou inviabilizar a apura��o dos fatos". A PF levantou a contradi��o: por que o reitor havia avocado um processo que sabia ser sigiloso? O reitor respondeu que "h� um entendimento de que n�o haveria uma hierarquia entre a Corregedoria e a Reitoria em mat�ria de apura��o disciplinar" e que "agiu por orienta��o e sob a supervis�o da AGU".
A PF quis saber se caberia a avoca��o de um procedimento sigiloso que trata do pr�prio reitor como suspeito. Cancellier concordou que n�o caberia a avoca��o nessa hip�tese, mas disse que n�o sabia que ele tamb�m era investigado.
Outro professor, Luiz Felipe Ferreira, 50, chefe do departamento de Ci�ncias Cont�beis de 2012 a 2017, disse que acompanhou Ta�sa em dois encontros com o reitor, o primeiro por volta de outubro do ano passado, nos quais ela informou sobre os problemas no EaD. Segundo Ferreira, Cancellier sugeriu que a professora procurasse outros professores da administra��o e "n�o quis receber a documenta��o que Ta�sa trazia consigo, pois alegou que a mesma deveria fazer um dossi� e entregar em outra oportunidade, em envelope confidencial".
Veja a �ntegra do depoimento do reitor
CRONOLOGIA
30.Janeiro.2014
> Canal eletr�nico do Minist�rio P�blico Federal recebe den�ncia sobre irregularidades na aplica��o de recursos federais recebidos pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) sobre o curso de ensino � dist�ncia de F�sica
> MPF aciona a CGU (Controladoria Geral da Uni�o)
17.Fevereiro.2016
> CGU envia ao Minist�rio P�blico Federal de SC relat�rio sobre apura��es nos anos de 2014 e 2015
> Relat�rio aponta, entre outros itens, descontrole e aus�ncia de sistema de gest�o e fiscaliza��o do contrato, o que teria permitido "que desvio de recursos viessem ocorrendo ao longo dos anos"
10.Maio.2016
> O professor Luis Carlos Cancellier de Olivo toma posse como reitor da UFSC
Maio.2016
> Prevista desde 2014 e sob press�o da CGU, a Corregedoria da UFSC � criada. Toma posse o professor Rodolfo Hickel do Prado
> Corregedor afirma que passou a ter suas atividades "dificultadas pela atual gest�o da reitoria"
Julho.2016
> O corregedor foi avisado por telefone por uma pr�-reitora que por ordem do reitor seria exonerado da fun��o comissionada CD3 e seria nomeado em fun��o FG1, "que correspondia a quase 10% do valor da fun��o original". Caiu de CD3 para CD4, uma perda de cerca de 30% do valor original.
09.Agosto.2016
> Pol�cia Federal abre inqu�rito, acionada por of�cio do MPF
Novembro.2016
> Professora Ta�sa Dias se re�ne com o reitor Cancellier e comunica uma s�rie de problemas nas bolsas
Janeiro.2017
> Corregedoria recebe den�ncia an�nima sobre "poss�veis desvios na �rea de ensino � dist�ncia no curso de Administra��o". Prado abre um procedimento
20.Janeiro.2017
> Corregedor da UFSC, Rodolfo Rickel do Prado, chama a professora Ta�sa Dias para obter esclarecimentos sobre a situa��o das bolsas
> Corregedor diz que o reitor pediu pessoalmente "que n�o levasse adiante a apura��o em quest�o"
24.Mar�o.2017
> Ta�sa Dias manda e-mail para o reitor Cancellier e outros, incluindo o corregedor, "para que, ciente desde novembro dos fatos que envolvem o curso, tenha refor�ada a gravidade em que a quest�o do mesmo se encontra apesar de todos os esfor�os dessa coordena��o para que isso n�o atinja mais aos alunos, servidores e professores envolvidos."
04.Maio.2017
> O corregedor se re�ne com representantes da Capes, em Bras�lia, e solicita uma s�rie de esclarecimentos.
> Na volta do reitor, o corregedor � informado que ele queria ter vista dos autos.
24.Maio.2017
> Em memorando, Gabinete do Reitor pede acesso � investiga��o preliminar de car�ter sigiloso que tramitava na Corregedoria. O corregedor se nega a dar acesso � �ntegra
25.Maio.2017
> O reitor viaja para reuni�o na Capes com o presidente, Ab�lio Baeta Neves
> A Capes anuncia a libera��o de mais dinheiro para o programa de estudo � dist�ncia
> O corregedor novamente � cobrado por diversos membros da dire��o da UFSC sobre acesso aos documentos
> O corregedor decide procurar "os �rg�os de persecu��o penal e formalizar a not�cia das apura��es"
14.Julho.2017
> Por of�cio, Cancellier decide avocar o procedimento na Corregedoria. Ele alega que "o seu chefe de gabinete, �ureo Mafra de Moraes, teria 'compet�ncia concorrente' com a Corregedoria-geral para instaura��o de sindic�ncias, realiza��o de investiga��es preliminares e realiza��o de processos administrativos disciplinares"
19.Julho.2017
> Em carta � PF, o corregedor da UFSC informa sobre as press�es que vem sofrendo e diz que o reitor tamb�m � "alvo das investiga��es, uma vez que citado o seu nome como suposto benefici�rio no pagamento de bolsas e outras irregularidades"
14.Setembro.2017
>A PF deflagra a Opera��o Ouvidos Moucos e pede a pris�o tempor�ria por cinco dias de sete professores, incluindo Cancellier, e o afastamento cautelar do exerc�cio do cargo/fun��o p�blica de seis professores
02.Outubro.2017
> O reitor morre ap�s cair em v�o de shopping em Florian�polis. Familiares e amigos apontam suic�dio. Seu advogado disse que foi um achado um bilhete: "A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade"
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