Pode um restaurante chique barrar cliente que estiver de regata, chinelo e bermuda?

Após vídeo de Érick Jacquin, chefs e profissionais do setor debatem 'dress code'

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Ilustração de dois personagens, um homem e uma mulher. Estão cercados por roupas de diferentes estilos para recortar e vestir o boneco de papel.

Dress code para ir a restaurantes Catarina Pignato

São Paulo

Vestido de terno e gravata laranja, Érick Jacquin dá um mergulho no mar e emerge ensopado, com o cabelo na testa. "Você acha que a gente vai à praia desse jeito? Non", diz o chef à câmera, com seu carregado sotaque francês. "Então, a gente não vai no restaurante de regata, chinelo e boné, tá me entendendo?"

O que o cozinheiro-celebridade não conta no vídeo que postou em suas redes é que até ele, autor do manifesto, já foi impedido de entrar num restaurante alheio por não estar vestido de forma adequada. Quem recorda essa história é o restaurateur Gero Fasano, à frente da rede que leva o seu sobrenome.

"Há alguns anos, ele foi barrado porque estava de bermuda. Até fiquei chateado, mas é a regra da casa. O maître não fez distinção", afirma Gero. De qualquer forma, diz, a questão não é nem o teto de vidro do colega. "Até porque achei o vídeo engraçado. Eu compartilho da posição de Jacquin."

Não só ele. A consultora de etiqueta Fátima Scarpa diz que adorou o vídeo. "Do jeito que a coisa anda, daqui a pouco a mulher vai almoçar de camisola e o homem de pijama!"

O dinheiro pode comprar o vinho mais caro da carta, mas não o direito de estar em desacordo com o lugar

Gero Fasano

restaurateur

Bermuda, segundo ela, só em restaurantes muito descontraídos e em dias quentes. Nos mais sofisticados, a peça de roupa "não tem vez", afirma a influencer, que dá dicas de boas maneiras aos seus mais de 600 mil seguidores nas redes sociais. Em suas postagens, costuma contar com a presença do irmão, o eterno playboy Chiquinho Scarpa, para ensinar que é o anfitrião quem escolhe o vinho e qual a maneira correta de passar perfume.

Um dia, lembra, foi ao restaurante Le Vin, em São Paulo, e topou com um casal vindo do parque Ibirapuera —ela com roupa de ginástica, ele com regata, boné e toalha no pescoço. "Fiquei indignada e perguntei ao maître se não tinham restrições para pessoas que viessem vestidas assim."

"Sabe o que ele respondeu? Que era um excelente cliente da casa. Eu diria: ‘so what?’. A reputação de um restaurante desses vai para o espaço."

Para o dono do Grupo Fasano —com nove restaurantes e um bar na capital paulista, além de hotéis de luxo em cidades como Nova York, Salvador e Punta del Este—, "a deselegância está tomando conta. E não só no Brasil".

Gero coleciona anedotas de quando teve de pedir para alguém se retirar. Um deles, que circulava de Havaianas em seu cinco estrelas nos Jardins, quis saber se a atitude seria a mesma se o hóspede fosse Mick Jagger. Acontece que o roqueiro inglês "sempre está super bem vestido, porque isso é regra no país dele", diz.

Bermuda, chinelo e regata não são elegantes num restaurante de alta gastronomia. São mais indicados para a praia, concorda?

Érick Jacquin

chef e apresentador

A outro, bebericando no balcão, pediu que terminasse seu gim-tônica e partisse. "Parecia que o cara estava nu, com cueca cor da pele, justa no corpo. Falou que tinha comprado na Gucci. Eu respondi: ‘então volte lá e compre uma calça’."

Gero continua: "O que não entendem é que os outros clientes que estão bem vestidos também se incomodam com isso. Imagina olhar para o lado e ver alguém coçando o pé?" Em resumo, "perna peluda não deve ficar à mostra, muito menos axila".

A questão não é elitista, frisa Gero, pelo contrário. "Acham que podem só porque estão pagando. O dinheiro pode comprar o vinho mais caro da carta, mas não o direito de estar em desacordo com o lugar. A atitude de alguns é que é arrogante, não a do restaurante."

Retrato de  dona Carmem Virginia,  proprietária  do restaurante  Altar Cozinha Ancestral, no bairro da Vila Madalena
Retrato de dona Carmem Virginia, proprietária do restaurante Altar Cozinha Ancestral, no bairro da Vila Madalena - Karime Xavier/Folhapress

O que seria estar de acordo? Para ele, uma dica é olhar como estão trajados os funcionários. "Se todos os que te atendem estão de gravata, não pode haver uma descontração exagerada. Num almoço de sábado, posso fazer uma concessão, deixar alguém ir de bermuda, mas me passa uma sensação de grosseria."

A chef e iabassê Dona Carmem Virgínia, do restaurante Altar, com unidades no Recife e em São Paulo, pensa diferente. "Comida tem de servir para aproximar, não para afastar", afirma a também apresentadora do programa Uma Senhora Panela, da GNT.

"A comida não pode ser exclusiva de quem tenha dinheiro para pagar e pode comprar um terno, por exemplo", diz. "Se eu fosse escolher cliente pela roupa, estaria me arruinando como cozinheira."

À frente do restaurante Animus, em São Paulo, a chef Giovanna Grossi não tem dúvidas de que o tema é polêmico.

Comida tem de servir para aproximar, não para afastar. Não pode ser exclusiva de quem tem dinheiro e pode comprar um terno

Dona Carmem Virgínia

chef e apresentradora

"Já evoluiu bastante, mas ainda causa incômodo aos mais conservadores", explica a primeira mulher brasileira a participar de uma final do Bocuse D’Or, na França, o mais importante concurso de gastronomia para jovens profissionais. Ela não vê problema em quem quer "se montar e caprichar para um jantar especial".

Ao mesmo tempo, segue, "as pessoas têm que se vestir com conforto e se sentir bem. É claro que há limites, de acordo com a ocasião. Acho superconveniente chinelos, bermudas e regatas em um restaurante de praia descontraído. Com um pouquinho de bom senso, todo mundo sai feliz".

Para Scarpa, a influencer das boas maneiras, não adianta vir com o papo de que o importante é se trajar de maneira confortável. "Se não quer se vestir adequadamente, então põe a regata, o chinelo ou um pijama e pede no iFood."

Jacquin, o autor do vídeo, também discorda de que roupa formal seja sinônimo de desconforto. "Se você não tem roupa confortável é porque compra errado, não escolhe o adequado para o seu corpo", ele responde, por email.

"Não estou falando de roupas caras, mas de elegância. Bermuda, chinelo e regata não são elegantes num restaurante francês ou italiano de alta gastronomia. São mais indicados para a praia, concorda?"

Com 30 anos de Brasil nas costas, o jurado do MasterChef diz que ensina a equipe dos seus sete endereços, entre eles a casa Les Présidents, a orientar os clientes de forma gentil sobre o "dress code". "O grande problema é que as pessoas confundem as coisas e acham que isso é preconceito", afirma o autointitulado criador do petit gâteau.

Num país quente como o Brasil, não vejo como pode ser problemático ir a um restaurante chique de bermuda. Não temos que imitar costumes europeus

Bel Coelho

chef

"Temos que respeitar desde um restaurante com estrela no Michelin até um bistrô", conta a enóloga portuguesa Filipa Pato, da terceira geração de uma família produtora de grandes vinhos da região da Bairrada. Formada em engenharia química pela Universidade de Coimbra, passou por estágios em vinícolas na Argentina, na Austrália e em Bordeaux, na França.

"Não vou de tênis ou sapatilha a um restaurante estrelado da Bélgica ou de Nova York, assim como não iria de biquíni ao D.O.M.", brinca, referindo-se ao premiado restaurante de Alex Atala, em São Paulo. "De biquíni, iria tomar uma água de coco, mas só se fosse no calçadão de Ipanema."

A chef Bel Coelho, 43, do restaurante Cuia
A chef Bel Coelho, 43, do restaurante Cuia - Jardiel Carvalho/Folhapress

Seu conterrâneo, o chef Vítor Sobral, dono do Tasca da Esquina, de Lisboa, com filial em São Paulo, afirma que a forma "como nos vestimos não pode incomodar as outras pessoas, tanto os funcionários como os clientes que compartilham o restaurante conosco".

Aos 57 anos, 38 deles à frente da cozinha portuguesa, ele já escreveu 23 livros de gastronomia, traduzidos em diferentes idiomas. "A principal razão da ida para o restaurante é para comermos", segue o chef. "Ir para o restaurante para sermos vistos ou porque é moda, como cozinheiro, não me parece o lugar certo", defende Sobral, que já cozinhou para o papa Francisco.

Bel Coelho, do Cuia, tem outras prioridades na cabeça. "Num país quente como o Brasil, não vejo como pode ser algo problemático ir a um restaurante chique de bermuda."

E diz mais. "Não temos que seguir ideias colonizadoras, imitar costumes europeus." Ou então, acrescenta Coelho, que o restaurante deixe bem claro qual é o "dress code" antes de sair expulsando.

Chef Vitor Sobral, que já cozinhou para papas e reis, em seu restaurante, o Tasca da Esquina
Chef Vitor Sobral, que já cozinhou para papas e reis, em seu restaurante, o Tasca da Esquina - Bruno Santos/Folhapress

Eis um ponto importante. A legislação brasileira não é bem clara quanto a esse tema, isto é, se a conduta de um restaurante de barrar clientes trajados de forma inadequada pode ser tida como abusiva.

De acordo com Roberto Pfeiffer, ex-diretor do Procon e professor na Faculdade de Direito da USP, "o que não pode é barrar sem que o consumidor seja alertado".

"Se a informação for clara e ostensiva, condizente com o local e o tratamento for cortês, não vejo problema num restaurante estabelecer ‘dress code’", afirma. Mas há que se atentar para que o código de vestimenta não configure uma discriminação, segundo ele —por exemplo, barrar alguém por vestir indumentária religiosa.

Procurado para falar sobre o dia em que foi barrado no restaurante Gero, Érick Jacquin explica que era seu filho quem estava de bermuda, não ele. "É muito difícil me ver de bermuda. Eu estava de jeans e tênis."

Ainda assim, o chef diz que aceitou sem resistência a decisão do maître de barrá-lo. "A regra é a regra, deve valer para todo mundo. O famoso deve ser tratado igual ao seu vizinho."

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