Não tente pedir um filé à parmigiana em Parma, ou um prato de capelete à romanesca em Roma. Tais receitas nasceram aqui mesmo, na capital paulista, e recentemente mudaram de status aos olhos da rigorosa Accademia Italiana della Cucina, entidade internacional que tem como missão salvaguardar as tradições gastronômicas do país.
"No ano passado, em reunião dos representantes das 30 delegações das Américas, propus o reconhecimento da cozinha ítalo-paulistana como uma identidade própria, o que finalmente foi aceito", comemora o italiano Gerardo Landulfo, delegado da entidade em São Paulo.
Trata-se de um gesto simbólico, por enquanto, mas que confere a devida importância a uma cozinha que se confunde com a própria história da cidade.
Cantinas, por exemplo, são restaurantes somente por aqui —na Itália, esse é o nome que se dá aos espaços onde se produz ou comercializa vinho.
Segundo a pesquisadora Silvana Azevedo, da Universidade de São Paulo (USP), especializada em cozinha italiana, a confusão começou muito tempo atrás.
"Os imigrantes em São Paulo mantinham cantinas nos porões das suas casas, onde vendiam vinho a granel. Os homens levavam seus garrafões para encher, no fim do expediente, e sentavam para conversar. A mulher, que estava na cozinha, servia um pão ou uma minestra. Daí para que colocassem mesas e passassem a cobrar pela comida, foi um pulo."
Assim nasceu a cantina Capuano, um armazém de secos e molhados que virou restaurante e funcionou de 1907 a 2018, dando origem a toda uma geração de restaurantes que combinavam ambiente familiar e cozinha quase italiana —culpa da falta de ingredientes autênticos.
Inaugurado em 1938, o Gigetto deu início a outro traço singular da restauração italiana. Contratado como ajudante geral em 1950, aos 13 anos, Giovanni Bruno chegou a garçom e, para agradar um cliente, inventou a receita do capelete à romanesca.
Em 1967, Bruno abriu o próprio restaurante, a Cantina do Júlio, onde servia os mesmos pratos famosos do Gigetto, em salão decorado com camisas de futebol. Teve mais quatro estabelecimentos e, de suas equipes, saíram Pier Luigi Grandi, fundador da Cantina do Piero, João Lellis, criador da Lellis Trattoria, e Severino Barbosa da Silva, que abriu a Taberna do Sargento. Com eles, o estilo cantineiro foi tomando conta da cidade.
De acordo com Azevedo, os primeiros restaurantes italianos que tentaram atrair a alta sociedade apelaram para o francês como forma de se diferenciar das cantinas. "Não era chique ser italiano. O Fasano, aberto em 1902, se chamava Brasserie Paulista e só assumiu o nome da família em 1948. Giancarlo Bolla, outro italiano, abriu em 1971 o La Tambouille, também com nome francês."
Hoje, são poucos os restaurantes paulistanos considerados genuinamente italianos pela Accademia Italiana della Cucina: Fasano, Gero, Picchi, Terraço Itália, Ristorantino, Tre Bicchieri, Santo Colomba, Vinarium, Lido Amici di Amici, Piselli, Sughetto e Supra.
"Só entram na lista os que têm ao menos 70% do cardápio composto por receitas autênticas, com primeiro e segundo pratos servidos separadamente. Na Itália, não existe esse estilo dois em um, com massa e carne juntos no prato", explica o delegado da entidade.
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