Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente Todas Enem

Vícios coletivos exigem ações coletivas

Falar sobre o vício dos pequenos esbarra no fato de que, ainda que consigamos limitar o acesso às telas, estamos longe de limitar nosso uso

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Redes sociais são a forma perfeita de exploração do trabalhador. Estamos à sua disposição nas 24 horas dos 7 dias da semana, e com prazer.

O prazer decorre de sua estrutura viciante que vem sendo comparada por pesquisadores como Marc Potenza da Universidade de Yale à dependência em substâncias químicas. Os vícios comportamentais, como têm sido chamadas as adições à internet, passam batido pelo radar dos pais, costumeiramente tão zelosos com o uso de drogas em geral.

Faz mais de uma década que esse assunto vem sendo levantado e que os estudos se acumulam, provando que a forma como usamos a internet é nociva e, no caso das crianças, temerária. Não sabemos que tipo de subjetividade advirá desse uso, mas já temos a comprovação da primeira perda de quociente de inteligência (QI) dessa geração em relação à anterior.

 Criança mexe em celular
Karime Xavier/Folhapress

Se hoje o livro de Jonathan Haidt, "A Geração Ansiosa", se tornou a coqueluche da estação, isso se dá menos pela originalidade do autor do que pelo fato de que talvez já não possamos deixar de encarar o estrago anunciado.

Falar sobre o vício dos pequenos esbarra no delicado fato de que, ainda que consigamos limitar o acesso às telas, estamos longe de limitar nosso próprio uso. Assim, tiramos o cigarro da boca delas, mas as mantemos como fumantes passivas dentro de casa, onde adultos continuam a trabalhar para as big techs em turnos infindáveis.

A desculpa dos pais e responsáveis é que eles estão fazendo algo necessário ao trabalho deles ou que, tendo trabalhado o dia todo, agora sim merecem se divertir com os entretenimentos das redes. Sem a mudança de comportamento dos pais, existe pouca esperança na limitação do uso das crianças. A máxima "faça o que eu digo não faça o que faço" nunca funcionou na educação.

Um amigo me alerta que os filmes já estão sendo produzidos levando-se em conta que olhamos para a televisão e para o celular alternadamente e que, portanto, as explicações sobre o que está se passando na trama precisam ser retomadas de tempos em tempos.

O fenômeno conhecido como "segunda tela" faz uso de vários truques, entre eles uma espécie de "resumo dos capítulos anteriores" dentro do próprio episódio. Não é difícil imaginar como essa tática pode afetar a experiência do cinema, lugar onde ainda se supõe que os celulares devam estar desligados.

O vício nas redes costuma estar associado à perda de qualidade na vida social, desenvolvimento de sintomas psicossomáticos, distorções de autoimagem, automutilações, ansiedade, depressão, enfim, uma gama de sintomas que exige intervenção profissional.

Se só usarmos os casos graves como paradigma de danos, corremos o risco de nos eximir da conta dos "viciados". Dessa forma ignoramos, convenientemente, que todos nós sofremos a perda de qualidade de vida decorrente da interação abusiva com as redes.

Estive de férias nas últimas duas semanas e aproveitei para me desligar. Fiquei surpresa com a quantidade de livros que li neste período. Isso não se deve só ao óbvio ganho de tempo, foram duas semanas agitadíssimas, mas também ao considerável aumento de concentração. Tomei algumas providências aqui para lidar com a volta, entre elas limitar o "horário do expediente".

No entanto, para lidarmos com um vício coletivo, de proporções mundiais e com efeitos já conhecidos sobre as novas gerações, não podemos nos apoiar em soluções individuais. Embora elas possam servir de inspiração, estado, empresas e sociedade civil precisam desenterrar a cabeça da areia, ops, das telas, se quiserem evitar mais essa catástrofe geracional.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.