Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Graciliano Ramos, um escritor-prefeito à frente do seu tempo

Relatórios escritos por autor quando foi prefeito são boas leituras para políticos das cidades brasileiras

Quando divulgou seus relatórios como prefeito de Palmeira dos Índios (AL), nas primeiras décadas do século 20, Graciliano Ramos certamente não imaginaria aonde chegaria como o escritor que se tornaria no futuro.

Eleito prefeito em 1927, assumindo o cargo no ano seguinte, Ramos marcou época na administração pública do estado de Alagoas pela lisura política à frente do cargo e pela elaboração dos relatórios de exercícios de sua gestão –especialmente os de 1929 e de 1930, ambos endereçados ao governador Álvaro Correia Paes.

O escritor Graciliano Ramos (de chapéu, ao centro), então prefeito, com moradores de Palmeira dos Índios em 1929
O escritor Graciliano Ramos, de chapéu, ao centro, então prefeito, com moradores de Palmeira dos Índios em 1929 - Acervo pessoal

Nestes escritos, enfeixados em "O Prefeito Escritor – Dois Retratos de uma Administração" —que chegaram a ser divulgados pela imprensa daqueles tempos e foram publicados recentemente pela Record— há uma particularidade que faz de Ramos um político especial frente às adversidades assumidas por um gestor íntegro como ele, tendo que assumir precedentes de ordem econômica e moral confrontados a fatores públicos, eivados dos vícios do coronelismo de ocasião e ao emperramento da máquina administrativa (dada a falta de recursos financeiros e a carência de quadro de pessoal adequado).

No caso particular de Graciliano Ramos, que renunciou ao cargo dois anos depois da posse —véspera do golpe civil-militar engendrado por Getúlio Vargas—, as qualidades de prefeito e a honestidade de ente público se aliaram às do intelectual e escritor, estes encravados em pleno agreste alagoano.

Os "relatórios" de Graciliano, pela "qualidade literária", além de atravessarem a fronteira do estado natal, não chamaram apenas a atenção do governador, também tarimbado jornalista e professor, logo deposto, mas de um distante poeta e editor, Augusto Schmidt, do Rio de Janeiro.

Este imediatamente intuiu que por trás daquelas linhas se escondia alguém que além de simples escritor de frases e jargões administrativos, podia ter na gaveta um belo romance. E acertou em cheio.

Assim, o homem que alegava em seus relatórios e balanços contábeis não haver "lista dos devedores da municipalidade" pela impossibilidade de encontrar "as contas atrasadas", vai publicar, em 1933, seu primeiro livro, intitulado "Caetés", marcando definitivamente sua entrada na literatura brasileira de forma permanente e festiva.

Schmidt, que viria a ser seu primeiro editor, foi o único que leu nas entrelinhas daqueles "resumos de trabalhos". Talvez sua intuição o tenha levado a um Graciliano ainda menino, na casa dos 12 anos, quando publicou, no jornalzinho O Dilúculo, do internato onde estudava, o conto "Pequeno Pedinte".

A glória literária de Graciliano Ramos é inconteste e, tudo leva a crer, imortal. Seus livros são vendidos aos milhares e já ultrapassaram a casa das centenas de edições –o domínio público de suas obras, ocorrido neste ano de 2024, causou grande celeuma e protesto na imprensa por parte de editores e do representante da família, o também escritor Ricardo Ramos Filho.

Propriamente dito, "O Prefeito Escritor" não é uma obra literária que se possa comparar a "Vidas Secas" e "S. Bernardo", por exemplo, sucessos de venda editados e traduzidos para dezenas de países.

Via de regra, é um documento excepcional escrito por alguém que se firmou no cenário nacional pelo esmero de suas criações no campo da literatura, não só dedicadas ao romance, mas à crônica, à crítica literária e ao conto, no qual também foi grande elaborador.

Como documento que denuncia seu tempo de prefeitura e seu impacto enquanto obra de um gestor público, que depois vai se tornar um dos maiores escritores do país, penso que cabia um estudo pormenorizado do período e, como forma ilustrativa e de enriquecimento da atual publicação, um caderno de imagens do autor enquanto prefeito, com fac-símiles do jornal no qual os relatórios foram divulgados, causando tanto rebuliço e atenção.

Em todo caso, "O Prefeito Escritor", apenas pela divulgação dos textos que nele estão inseridos, somados ao elegante prefácio do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já é um bom indicativo de leitura não só para os políticos das nossas cidades brasileiras, que intentam pleitear uma vaga na próxima eleição, mas para todo cidadão leitor e minimamente responsável pelos destinos do país.

Erramos: o texto foi alterado

O nome da cidade de Palmeira dos Índios (AL) foi grafado incorretamente em versão anterior deste texto. 

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