Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Solange Srour
Descrição de chapéu Banco Central copom juros

Política monetária em momentos de desconfiança fiscal

Apesar da incerteza sobre as contas públicas, temos um Banco Central capaz de perseguir a meta de inflação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A decisão unânime do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa de juros em 10,5% foi acertada e ajudou a conter ruídos sobre a independência dos novos diretores do Banco Central (BC).

Seu impacto nos preços dos ativos domésticos, no entanto, foi limitado. O fato é que continuamos com preços muito descontados em relação aos nossos pares e a raiz dessa deterioração está na nossa grave situação fiscal.

Estamos diante de uma dinâmica da dívida pública desfavorável, de metas para os resultados primários dos próximos anos bastante desafiadoras e de um arcabouço fiscal já em xeque no seu primeiro ano de vigência, perante às dúvidas em relação à manutenção do teto de gastos.

Sede do Banco Central, em Brasília - Pedro Ladeira - 21.jun.2024/Folhapress

Os mecanismos para o ajuste necessário de curto e médio prazo, como cortes substanciais em despesas discricionárias e reduções no gasto obrigatório dependentes de reformas constitucionais, parecem ter baixo apoio político, especialmente em um ano de eleições municipais e passada quase a metade do atual mandato presidencial.

A alternativa, que poderia trazer maiores resultados para o primário, mas que não ajudaria na manutenção do arcabouço, seria uma nova rodada de medidas tributárias, que parece agora ser demasiadamente custosa, tanto para a economia real, quanto para o sistema político.

Em momentos como este, de alta incerteza sobre solvência fiscal, emerge a discussão sobre a possibilidade de estarmos caminhando na direção da chamada dominância fiscal. De modo geral, esta é uma situação em que a política fiscal restringe a atuação da política monetária.

Independentemente da disposição do Banco Central de perseguir a meta de inflação e de sua autonomia formal, a evolução dos preços passa a ser determinada pela necessidade de solvência do governo.

Na situação de dominância fiscal, o BC se vê sem instrumentos para trazer a inflação para a meta, pois ao subir a taxa de juros, em contexto de dívida pública elevada e insustentável, piora ainda mais seu custo e o desequilíbrio fiscal.

A inflação passa, então, a ser determinada pela política fiscal, com o BC forçado a acomodar o desequilíbrio fiscal.

Nesses casos, o Tesouro Nacional só consegue continuar a vender títulos públicos se a dívida pública tiver seu valor depreciado até que seu investidor esteja satisfeito com o retorno esperado.

No geral, esse processo de corrosão do valor da dívida se dá através de uma significativa depreciação cambial e do aumento da inflação. Com a surpresa da inflação, a dívida perde seu valor e o governo se torna solvente novamente.

A consequência direta desse processo é o aumento das expectativas de inflação, já que o BC é visto como um mero "carona", sem poder de direção, e o aumento da inflação é a "solução" para a crise fiscal.

Não estamos hoje em dominância fiscal. Temos um BC cujas ações e a comunicação certamente influenciam as expectativas dos agentes econômicos e trazem reações do sistema político.

Nas últimas semanas temos visto o governo começando finalmente a discutir cortes de gastos. Entre as medidas que circulam, algumas não resolvem diretamente o problema de excesso de despesas e outras enfrentam lobbies organizados e vão precisar de esforço político e da liderança do Executivo por serem impopulares.

Atualmente, o maior problema é o crescimento das despesas obrigatórias, puxadas pelo regime geral da Previdência, por outros gastos vinculados ao salário-mínimo (dada a nova regra que passou a vigorar em 2023) e os aumentos das despesas com saúde e educação, depois da volta da vinculação dos limites mínimos constitucionais às métricas de receita.

No curto prazo, precisamos de um contingenciamento para que a meta deste ano seja cumprida e para que o teto de gastos não seja rompido no seu primeiro ano de vigência.

Passadas as eleições municipais, teremos que discutir as vinculações acima descritas, programas como o abono salarial e, em algum momento mais breve do que imaginado, uma nova rodada da reforma da Previdência.

Apesar de haver motivos concretos para temermos que a eficácia da política monetária possa ser afetada por uma crise fiscal, temos até agora um BC capaz de adotar uma política monetária ativa. Mas o começo do ano que vem será desafiador, pois um novo BC sempre precisa construir sua própria credibilidade.

Seu trabalho será beneficiado se contar com o ajuste fiscal necessário. Caso contrário, a eficácia da política monetária será comprometida e o resultado será mais inflação, mais juros, menos crescimento e uma discussão séria sobre dominância fiscal.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.