Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Estudo explica sumiço de rinoceronte peludo da Era do Gelo

Divisão da espécie em subpopulações e leve pressão da caça humana produziram extinção há 9.000 anos

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Os fãs de mamutes que me desculpem, mas, no zoológico das grandes feras da Era do Gelo, nada superava o charme e a imponência do rinoceronte-lanoso (Coelodonta antiquitatis). (Eu sei que designações científicas em latim são só convenção, mas como não amar um bicho que tem a palavra "antiguidade" no próprio nome?) Um novo estudo montou a análise mais detalhada até agora sobre o fim do gigante, traçando um retrato um bocado instrutivo de como espécies tão imponentes podem acabar sendo apagadas do mapa-múndi.

"Mapa-múndi" aqui não é só força de expressão. De suas origens em algum lugar do planalto tibetano há cerca de 2,5 milhões de anos, o felpudo C. antiquitatis se espalhou por uma vasta faixa da Eurásia, embora não tenha atravessado a Beríngia (faixa de terra que, de tempos em tempos, existiu no atual estreito de Bering) rumo ao nosso continente. Há belas pinturas rupestres do bicho em cavernas da França, a oeste, e redutos do paquiderme na pontinha da Sibéria, a leste.

rinoceronte
Rinoceronte-lanoso viveu no norte e na região central da Eurásia - Mauricio Anton

Como é que um mamífero gigante com essa distribuição geográfica invejável acaba se extinguindo? Trata-se de um daqueles casos clássicos em que o diabo mora nos detalhes, dizem os autores do novo estudo, que acaba de sair na revista científica PNAS.

Liderados por Damien Fordham, pesquisador da Universidade de Adelaide, na Austrália, eles cotejaram dados sobre fósseis, DNA antigo, clima e arqueologia. Essa massa de informações foi usada para simular o que teria acontecido com a população dos rinocerontes-lanosos entre 50 mil anos e cerca de 9.000 anos atrás, quando seus últimos exemplares morreram no nordeste siberiano.

Aliás, população não –populações, no plural, o que corresponde a uma das chaves para compreender o enigma do desaparecimento. Embora tenha viajado bastante pela Ásia e pela Europa quando havia condições ideais para isso, o bicho, na verdade, tinha uma capacidade média de migração bastante baixa ao longo de seu tempo de vida. Alimentava-se da vegetação rasteira que crescia em ambientes mais secos e abertos (basicamente, estepes) e, no inverno, é provável que usasse o chifre da frente para cavar camadas finas de neve para achar comida.

Tudo isso significa, segundo os pesquisadores, que as condições ambientais altamente variáveis do fim da Era do Gelo não eram as ideais para o bichão. As idas e vindas do clima nessa época acabaram fragmentando as grandes áreas de estepe e substituindo parte delas por florestas. Isso dividiu a espécie em subpopulações que foram se tornando cada vez mais isoladas umas das outras.

Sem muita capacidade de viajar, foi ficando cada vez mais difícil encontrar bons parceiros, o que erodiu as chances de produzir filhotes saudáveis. Um último fator irônico: com a Era do Gelo esquentando, aumentou a umidade do ar, o que significava, no inverno, mais neve. Os animais não conseguiam escavar camadas mais grossas de neve para achar capim, perdendo, assim, o acesso à comida.

A cereja desse bolo da desgraça? Nós. O Homo sapiens se espalhou pelas regiões mais frias da Eurásia justamente nessa época. A pressão exercida pelos caçadores humanos, calculam os pesquisadores, era modesta, mas suficiente para dar uma última cotovelada rumo ao abismo numa espécie já bastante fragilizada.

É inevitável, claro, pensar em como histórias desse tipo estão se repetindo hoje. Mas, se isso parece desanimador, outra mensagem importante do estudo é que muitas coisas precisam dar errado ao mesmo tempo para que um grande mamífero suma. Sabemos o que fazer para impedir que a engrenagem continue girando.

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