Sistema prisional brasileiro vai do caos ao colapso

Lei que exige exames criminológicos para benefícios penitenciários perpetua sistema que alimenta o ódio e o sentimento de vingança

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Valdeci Ferreira

Advogado e teólogo, é diretor do Ciema (Centro Integrado de Estudos do Método Apac) e vencedor do Prêmio Empreendedor Social 2017

Dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais - Senappen mostram que existem atualmente 852 mil pessoas privadas de liberdade, distribuídas em 488 mil vagas. É todo um exército de homens e mulheres vivendo em condições subumanas, relegados ao abandono, à indiferença e ao preconceito.

Não por acaso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro com a conclusão do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, assumindo que há um estado de coisas inconstitucional.

Em celas superlotadas e insalubres, ora dormindo no chão, ora nos banheiros, em redes ou amarrados nas grades, em meio a ratos e baratas, pessoas lutam para sobreviver. Não há trabalho, não há educação, não existe tratamento médico, psicológico, odontológico, mental.

Pedro Ladeira/Folhapress
Internos do Complexo Prisional de Pedrinhas trabalham na fabricação de blocos de concreto dentro da unidade - Pedro Ladeira/Folhapress

A violência se estende em guerras fratricidas, o ócio e as drogas campeiam. A corrupção grassa pelos presídios, fazendo com que os presos não sejam valorizados por aquilo que são, mas por aquilo que têm. E, se nada possuem, nada valem.

São tidos como seres desprezíveis, inúteis e invisíveis, condenados ao esquecimento. São submetidos a maus-tratos e a reiterados procedimentos humilhantes e vexatórios, que se estendem aos seus familiares.

Sendo assim, não há dúvidas de que o sistema alimenta o ódio, o sentimento de vingança e produz monstros.

Como se não bastasse, organizações criminosas dominam o interior das prisões. Elas ocupam um espaço privilegiado, outrora destinado ao Estado, que infelizmente, por inércia, omissão e falta de planejamento, se tornou refém das mesmas facções.

E a sociedade assiste passivamente à trama. Continua enxergando as prisões como espaços de vingança, e não como lugares para a recuperação de vidas. Insiste em continuar cometendo o grave equívoco de acreditar que tão somente prender resolve o problema, se esquecendo de que, ao final, cumprida a pena, aquele que foi abandonado atrás das grades poderá retornar pior, e de novo, irá feri-la.

Afinal, as prisões como estão engendradas e como são geridas se transformaram em verdadeiras escolas, universidades do crime.

Com se não bastasse, do alto de seu pedestal e completamente distantes e desconectados da realidade, deputados e senadores aprovaram a Lei nº 14.843/2024, exigindo novamente a realização de exames criminológicos para a concessão de benefícios penitenciários, tais como progressão de regimes, livramento condicional, entre outros.

Tal medida seria irônica se não fosse verdadeira. Todos que atuam na área sabem que a aplicação da normativa legal seria salutar e contribuiria para a proteção da sociedade, contudo, é sabido que o Estado não está aparelhado para o cumprimento da legislação, e tampouco dispõe de orçamento para efetivar a contratação de equipes técnicas e multidisciplinares para a realização dos exames criminológicos. Ou seja, estamos diante de uma lei inexequível.

Ora, se de um lado existe a lei e do outro a impossibilidade de sua aplicação, o resultado já sabemos —aumento da população prisional, fortalecimento de organizações criminosas, e, por conseguinte, ódio daqueles e daquelas que passarão a aguardar indefinidamente por tais benefícios.

E assim, como ocorrido em passado recente, essa lei se converterá em letra morta, e contribuirá para conduzir o sistema prisional brasileiro do caos para o colapso. E a sociedade, mais uma vez, irá arcar com os prejuízos.

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