Marcos Augusto Gonçalves

Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

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Marcos Augusto Gonçalves
Descrição de chapéu Banco Central Governo Lula

E se o novo presidente do BC votar de camisa vermelha?

Enquanto Campos Neto chafurda na política, agentes financeiros tentam emparedar Haddad e governo Lula

Nunca me comoveu a crença difundida por certo liberalismo escolar de que a formalização da autonomia do Banco Central levaria por si a uma significativa mudança institucional e a um novo regime de blindagem da instituição frente às injunções e querelas políticas.

A proposta de um mandato que avançasse dois anos no ciclo de um presidente eleito me pareceu inapropriada. Era provável que propiciasse um acirramento de ânimos entre o Executivo e o comando da instituição, ainda mais em tempos de polarização. Seria mais aceitável, digamos, que a defasagem entre um e outro mandato fosse a mesma da nomeação do procurador-geral da República —um período de nove meses.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, de perfil
O presidente do BC, Roberto Campos Neto - Adriano Vizoni - 29.fev.2024/Folhapress

Na prática, o BC já desfrutava de uma autonomia relativa e realista. O colunista Vinicius Torres Freire, por exemplo, escreveu à época da aprovação da nova regra uma coluna cujo título resumia a ópera: "Entenda por que a autonomia do BC não muda quase nada".

O que o partido do mercado financeiro na verdade sonha –eis aí uma utopia– é que o BC seja por ele gerido de maneira formal e incondicional. Bem, de certo modo isso já aconteceu e acontece, por meio de capturas e pressões, mas não incondicionalmente, uma vez que a norma democrática ainda prevê a escolha pelo Executivo de um nome a ser chancelado pelo Senado, ambos eleitos pelo povo.

O argumento técnico, embora indispensável, é com frequência torcido e revestido por agentes financeiros de uma neutralidade metafísica que, na realidade, só denuncia sua inclinação ideológica e a busca de seus interesses. Agora a nova meta é dar autonomia financeira à autarquia, veremos.

A questão é política. Realista ou não, está no DNA de Lula a ideia de um ajuste que não recaia sobre os despossuídos e que tenha no crescimento econômico e na justiça tributária seus principais pilares.

Em sentido oposto, o setor financeiro de um modo geral lamenta a existência do Estado e detesta Lula e o PT. A direita esteve seis anos no poder, desde o impeachment de Dilma, atravessando o fiasco popular de Temer e chegando aos amores por Paulo Guedes, com a conhecida passagem de pano para Jair Bolsonaro. Como acontece nas democracias, o vento mudou.

O então presidente Jair Bolsonaro ri e abraça Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
O então presidente Jair Bolsonaro com Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central - Raul Spinassé - 24.fev.2021/Folhapress

Lula, é verdade, tem esticado a corda em suas críticas diretas e agressivas a Campos Neto. Mas o presidente do BC é reincidente em atitudes políticas condenáveis e em tudo incompatíveis com a obrigação de zelar pela credibilidade da instituição, ainda mais sendo ele o primeiro a exercer a função após a autonomia formal.

Campos Neto chafurda na política. Votou de camisa da seleção, em provocação juvenil, e se ofereceu ao governador Tarcísio de Freitas para ocupar a Fazenda num hipotético mandato do novo darling do establishment. O titular do BC deixa margem para ser visto como um alpinista político à moda de Sergio Moro e um agente dos interesses do rentismo, que tenta às claras emparedar Haddad e o governo Lula, em momento de hesitações e reveses, mas também de boa avaliação do presidente, como mostrou o Datafolha.

Imagine, leitor, se o próximo presidente do BC aparecer nas eleições municipais vestindo camisa vermelha ou um boné de feira orgânica do MST. No mínimo, entre desmaios e histeria cinematográfica o mercadismo antipetista lideraria uma campanha cívica com ampla repercussão midiática para derrubar o cidadão.

Entre erros e acertos, a melhor obra de Campos Neto, sem dúvida, foi concluir o Pix. Ainda o veremos em campanha eleitoral usando o slogan "o pai do Pix". Anotem.

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