Lorena Hakak

Doutora em economia e professora da FGV. Atua como presidente da GeFam (Sociedade de Economia da Família e do Gênero)

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O teto de vidro e a sub-representatividade feminina em cargos de liderança

Existe um debate sobre por que persistem as diferenças de gênero no topo, tanto na participação quanto em rendimentos

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Conheci Natsumi quando ela tinha 40 anos, com o livro "A Biblioteca dos Sonhos Secretos", de Michiko Aoyama. A história, embora se passe no Japão, poderia ocorrer em diversos países, incluindo o Brasil. Natsumi trabalhava há alguns anos no editorial de uma revista e, aos 37 anos, quando engravidou, comunicou a gravidez ao seu chefe apenas no quinto mês. Não queria preocupar os colegas. Trabalhou até o final da gestação e retornou ao trabalho depois de 4 meses, apesar de ter direito a um período maior de licença-maternidade.

Para sua surpresa, ao retornar ao trabalho, o editor-chefe a transferiu para o departamento de documentação e pesquisa, alegando ser um trabalho "mais leve", no qual ela poderia sair "no horário". Sem levar em consideração a opinião da funcionária, ele não mudou de ideia e disse que era complicado trabalhar no editorial com uma criança pequena.

Nos primeiros anos com sua filha, Natsumi assumiu todos os cuidados com a menina e a casa. O marido pouco participava das tarefas. A falta de tempo e frustração a consumiam, assim como a culpa. Embora amasse a filha, Natsumi desejava ter de volta a sua carreira como havia imaginado. Sentia vergonha de invejar suas colegas. É o que na história é chamado de carrossel. Solteiros têm inveja dos casados, que por sua vez têm inveja dos que têm filhos, os quais invejam os solteiros. Além disso, sentia-se sozinha pela falta de parceria do marido e por sua ausência devido a sua longa jornada de trabalho. Algumas vezes reclamou, mas o marido falava que suas viagens e participação em jantares eram essenciais para sua carreira.

A imagem é uma ilustração de uma pessoa sentada em frente a um computador, participando de uma videoconferência. A pessoa está usando um moletom vermelho e digitando no teclado. Na tela do computador, há outra pessoa com cabelo branco, segurando um envelope rosa. Há uma xícara de café e uma pilha de livros ao lado do teclado.
Uma das razões pelas quais as mulheres buscam trabalhos mais flexíveis é a necessidade de conciliar o trabalho remunerado com o trabalho de cuidados - Catarina Pignato/Folhapress

Poderíamos trocar o nome da personagem para Maria ou Joana e a história seria parecida. Muitas mulheres acabam se dedicando mais aos filhos e cuidados da casa do que seus maridos, o que pode prejudicar suas carreiras. No caso de Natsumi, a própria empresa, seguindo as normas sociais vigentes, rebaixou-a de seu cargo anterior, supondo que ela não daria conta do trabalho por causa da filha pequena. Nesse contexto, será que as mulheres são submetidas a padrões de exigência mais altos que os homens?

A nossa heroína não se dá por vencida e decide procurar um novo emprego. Um lugar que pudesse exercer a função que gostava sem ser discriminada por ter uma filha pequena. Ela encontra uma posição em outra editora.

Apesar de todo o progresso que tivemos no mercado de trabalho e da maior participação feminina, as mulheres estão subrepresentadas em cargos de chefia ou em conselhos de empresas, tanto da iniciativa privada como pública. Sem contar na esfera política. Segundo dados do quarto trimestre de 2023 da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), 40% dos diretores e dirigentes de empresas são mulheres. Elas possuem, em média, 15 anos de escolaridade —um a mais que seus pares homens—, porém têm um salário médio 28% menor.

Na literatura esse fenômeno é denominado de "teto de vidro". Existe um debate sobre por que persistem as diferenças de gênero no topo, tanto na participação quanto em rendimentos. Segundo a economista Marianne Bertrand, em seu artigo "Coase lecture–the glass ceiling" (2018), uma parte das diferenças pode ser explicada pela discriminação, mas existem outras explicações. A escolha dos cursos superiores pode explicar parte das disparidades. Algumas carreiras pagam, em média, mais que outras. Estudos indicam que existem diferenças de atitude entre homens e mulheres em relação à competição e negociação. Além disso, há evidências de que as mulheres preferem trabalhos mais flexíveis, embora os cargos que pagam mais e exigem maior responsabilidade demandam longas jornadas de trabalho, o que representa um inconveniente maior para elas.

Uma das razões pelas quais as mulheres buscam trabalhos mais flexíveis é a necessidade de conciliar o trabalho remunerado com o trabalho de cuidados. Nesse contexto, quais políticas podem ser adotadas para reduzirmos o teto de vidro? As empresas podem adotar políticas mais amigáveis às mulheres, ofertando vagas com horários mais flexíveis, parte remoto, opção de trabalho em tempo parcial, maior licença parental, entre outras. A adoção de políticas afirmativas que fomentem a diversidade em cargos de liderança e conselhos de empresas é essencial. Além disso, gestores poderiam ampliar o acesso a creches em tempo integral, e o Congresso deveria considerar a extensão da licença paternidade. São metas que nós como sociedade devemos buscar.

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