Movida pelo nobre desejo de ser transparente com seus consumidores, cerca de 30 anos atrás, a Folha adotou a prática de anunciar ao leitor o resultado das partidas de futebol no instante do fechamento da edição.
Por razões industriais incontornáveis à época, os jornais produzidos para áreas do país mais distantes de São Paulo, como o Norte, o Centro-Oeste e o Nordeste, tinham que ser produzidos antes do final das partidas noturnas.
O efeito da decisão eram notícias como: “Aos 10 minutos do primeiro tempo, Santos e Ituano empatavam em 0 a 0”.
Claro que nos minutos seguintes os resultados podiam mudar. Para frustração dos editores, entre os quais eu me incluía, a “caixinha de surpresas” alterava os placares com frequência torturante.
Lembro dessa época sempre que leio as notícias sobre pesquisas eleitorais anteriores ao período de campanha. Elas indicam a potencialidade dos candidatos em um momento que tem pouca relação com a hora do voto. É como falar do resultado do jogo quando os times ainda estão fazendo o aquecimento em campo, antes do apito inicial do juiz.
Nessa altura, os níveis de indecisão são elevados. Há muitos votos mutáveis. À medida em que começa a campanha, as pessoas recebem informações que alteram seus sentimentos iniciais sobre candidatos, lembram histórias do passado, conversam com amigos, olham o noticiário. Mesmo eleitores decididos mudam de opinião.
Há vários exemplos disso, que deveriam ensinar aos leitores. Nem cito casos mais distantes e discrepantes, mas números obtidos em levantamentos de julho/agosto, época que estamos vivendo:
* Em julho de 1994, Lula (PT) ainda liderava as pesquisas eleitorais, mas perdeu no primeiro turno para Fernando Henrique (PSDB) na eleição de outubro.
* Na mesma época de 1998, Paulo Maluf (PPB) era o primeiro colocado na eleição para governador de São Paulo, seguido de perto Francisco Rossi (PDT); o vencedor do pleito, o então governador Mário Covas (PSDB), a essa altura era apenas um distante terceiro colocado.
* Oito anos atrás, antes da campanha na TV, José Serra (PSDB) era o líder com uma posição muito superior à que Lula tem hoje; em julho, ainda tinha 37% das intenções de voto, em empate técnico com Dilma Rousseff (PT), que depois venceria.
* Candidata à reeleição, quatro anos depois, Dilma (PT) chegou em julho com 36% das intenções de voto, 15 pontos à frente da segunda colocada, Marina Silva (PSB), que nem chegou ao segundo turno.
* O exemplo mais recente de incongruência entre as pesquisas antecipadas e o resultado da eleição é o da campanha municipal de São Paulo em 2016: no final de agosto (este mês que começa), Celso Russomanno (PRB) liderava a corrida com 31% das intenções de voto, seguido de longe pela segunda colocada, Marta Suplicy (PMDB), com 16%.
A terceira colocada era Luiza Erundina (PSOL), com 10%. Em uma posição nanica, o prefeito Fernando Haddad, candidato a reeleição, amargava o quarto lugar (8%). Cerca de 40 dias depois, o quinto colocado de agosto, João Dória (PSDB), ganhou no primeiro turno.
Pesquisas são “um retrato do momento”, como diz o clichê. Mas levantamentos feitos antes da hora H são retratos de um momento errado.
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