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Fernando Barrientos Del Monte

Pós-populismo na América Latina tem desafio de restaurar Estado de Direito

Marcas de líderes populistas são difíceis de apagar, mas recuo cria melhores expectativas para democracias

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Fernando Barrientos Del Monte

Cientista político e professor da Universidade de Guanajuato, México. Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Florença, Itália.

Se em 2 de junho a maioria do eleitorado mexicano votar em Claudia Sheinbaum —candidata de Morena, o partido governista— ou em Xóchitl Gálvez, da coalizão opositora, o México terá, pela primeira vez, uma presidenta, mas nesse dia o governo populista de Andrés Manuel López Obrador também entrará em sua fase final.

Quais são os efeitos do recuo de lideranças populistas? Diversos países da América Latina começam a sofrer as consequências das heranças do populismo de Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, dos Kirchner na Argentina e Jair Bolsonaro no Brasil, só para mencionar alguns. Embora pareça que a saída de líderes populistas crie melhores expectativas para o funcionamento das democracias, esse não é necessariamente o caso, pois a marca desses governos não é fácil de apagar.

O que é pós-populismo?

Se o populismo é um regime político em que prevalece a relação vertical de um líder carismático com o povo, prescindindo as instituições de mediação e em torno de um projeto político personalista, o pós-populismo é determinado pela tensão entre manter o projeto político e o distanciamento lento e iminente do líder, operado por algumas lideranças satélites gestadas durante a etapa madura do populismo que competem para ocupar o lugar do líder.

Balão que representa o presidente do México Andrés Manuel López Obrador como um bebê. - Carl de Souza / AFP

Isso depende de se o partido ou movimento populista se mantém ou não no governo. Se continua no governo e o líder populista só está formalmente fora do poder, então as lideranças satélites tentarão criar um projeto próprio a partir do vértice que agora controlam, o que requer um esforço maior de operação política para se sobrepor ao seu antecessor, mas sem romper, ao menos na mídia, com sua liderança.

Esse é o desafio que Claudia Sheinbaum terá se ganhar a presidência no México; Luis Arce e o MAS na Bolívia tiveram um relativo êxito ao tratar de reduzir a liderança de Evo Morales e distanciá-lo das grandes decisões do governo, enquanto o caso negativo foi o governo de Alberto Fernández na Argentina, que sempre teve como lastro a liderança de Cristina Fernández, quem governou de fato.

Por outro lado, se o projeto populista é derrotado nas urnas, então o movimento dependerá de sua capacidade relativa de se institucionalizar sob as lideranças que gestou durante sua permanência no poder, mesmo que sejam rivais do líder populista, ou tenderá a desaparecer e se tornar um mito, como parece possível acontecer com o kirchnerismo na Argentina.

Os casos em que o líder populista é desqualificado ou morre ocupam um lugar especial, pois há três resultados possíveis.

Um, o movimento populista acaba buscando um certo grau de institucionalização, tornando-se um verdadeiro partido para manter o projeto vivo, como aconteceu com o peronismo na Argentina ou o fujimorismo no Peru. Dois, que ele se dilua com o tempo até perder a vitalidade em consequência da ausência de uma liderança capaz de mobilizar as massas, mas que se torne uma espécie de mito aglutinador, como aconteceu com Getúlio Vargas no Brasil. Ou três, que as lideranças substitutas acabam criando um regime autoritário sob a ideia de manter vivo o projeto populista a todo custo, inclusive contrariando seus princípios originais, como aconteceu na Venezuela com a morte de Hugo Chávez e a ascensão de Nicolás Maduro.

Qual é o legado do populismo?

Os populismos tentam mudar o status quo prévio à sua ascensão ao poder. Alguns têm maior ou menor êxito nisso, mas as consequências geralmente tendem a se distanciar das projeções iniciais.

No âmbito econômico, tendem a fomentar a concentração de riqueza nos setores favoráveis ao seu projeto político e, consequentemente, em uma classe empresarial abjeta e oportunista, mas sem eficiência econômica em termos de mercado. Enquanto o populismo está no poder, esses setores recebem benefícios fiscais para operar sob a fachada da eficiência econômica, mas, quando o projeto entra em declínio, esses setores se tornam um fardo fiscal e são politicamente difíceis de se desvincular, como é o caso de todas as empresas geralmente ineficientes que o populismo cria ou abriga sob o Estado.

Mas a principal herança são as "políticas sociais" implementadas sob o populismo, em geral concebidas com racionalidade questionável, improvisadas ou criadas "no vapor", produto das ideias do líder populista. Essas políticas são altamente dependentes de recursos do Estado, de modo que se tornam o principal dreno dos gastos públicos, devido à sua ineficiência, e acabam aumentando o déficit público, que os governos compensam com o aumento da dívida do Estado. Isso explica por que a maioria dos Estados pós-populistas está altamente endividada.

Apenas para dar um exemplo, em 2022, a dívida pública em Argentina, Bolívia e Brasil atingiu 80% do PIB; na Venezuela, apesar do regime de Maduro ter ocultado as informações, estima-se que em 2024 a dívida esteja em uma situação impagável, mais de 200% do PIB, enquanto no México, nesse mesmo ano, atingiu quase 50% do PIB e as projeções indicam que, se seguir essa tendência, em 2030 será de 64%.

O populismo, por sua natureza antielitista, rompe os laços com as esferas intelectuais e científicas de seu país, alia-se a grupos ressentidos com as elites porque ali encontra vozes que, assim como em alguns setores empresariais, estão dispostas a defender seu projeto, inclusive se vai contra seus próprios interesses. Os governos pós-populistas são forçados a reorganizar essas relações, porque o oportunismo que serviu ao líder populista tem limites e não pode ser sustentado em sua ausência.

Quais são os desafios para a democracia?

Os governos pós-populistas são obrigados a reestruturar as administrações públicas, já que o populismo as concebe como um espólio de cargos para repartir entre seus militantes, acima de suas capacidades profissionais. Essa tarefa é complicada se for necessário desmilitarizar setores da gestão pública que alguns líderes populistas entregam às forças armadas para removê-los do controle civil e mantê-los na sombra.

Por fim, um dos desafios mais importantes é restaurar a primazia do Estado de Direito como componente essencial de qualquer sistema democrático. Os populistas tendem a perverter seu espírito ou violar sistematicamente a lei e, se possível, modificá-la a sua conveniência. Qualquer governo pós-populista, seja ou não parte desse projeto, é direta e indiretamente obrigado a transcender o que o precedeu, e recuperar ou não a democracia depende de seu êxito.

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