Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu Governo Lula

Lula terá a coragem de ser responsável?

Qualquer alta da receita é neutralizada por aumento de gastos obrigatório

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nenhuma regra, por si só, garante seu próprio cumprimento: se governo e Congresso quiserem, ela será violada. Vimos isso com as sucessivas violações do teto de gastos e agora com o novo arcabouço. Quando o tema é gasto público (ou isenção tributária, o que dá no mesmo), Lula e a maioria dos deputados e senadores estão juntos: querem sempre mais. Sem vontade política, as regras são só palavras mortas num papel.

No momento, quem pressiona por algum tipo de responsabilidade fiscal são o ministro da Fazenda, a ministra do Planejamento e os sinais preocupantes que vêm do mercado. Lembrando que responsabilidade fiscal não significa nenhum tipo de austericídio caricato, mas simplesmente que o aumento de despesas se dê de forma controlada, sem que a relação dívida/PIB cresça de maneira explosiva.

0
O presidente Lula durante reunião ministerial, em março, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 18.mar.24/Folhapress

A situação do Brasil é complexa. Precisamos, ao mesmo tempo, de proteção social, ajuste fiscal e crescimento econômico. No longo prazo, esses fins se reforçam. O objetivo é o bem-estar da população, especialmente dos mais vulneráveis. Para atingi-lo, o Brasil ainda precisa crescer o PIB para se tornar um país desenvolvido. E, para isso, o Estado brasileiro não pode deixar os gastos saírem do controle. Sem ajuste fiscal, inflação e dólar disparam, juros têm que subir, o crescimento desanda, o desemprego cresce, os indicadores sociais pioram.

No presente, contudo, esses três objetivos impõem limites um ao outro. A necessidade de crescer —levando em conta nossa carga tributária já alta— significa que o ajuste não poderá vir apenas da receita; o Estado precisará cortar gastos. Ao mesmo tempo, dado o compromisso social do Estado, o corte de gastos não pode ser feito às custas da base da pirâmide. É preciso identificar privilegiados e passar a conta para eles.

Existem alguns grupos privilegiados óbvios, como juízes e militares. Cortar seus privilégios nem deveria levantar polêmica. Nosso Judiciário custa 1,6% do PIB anualmente. A média de países emergentes é 0,5% ao ano, ou seja, um terço do nosso. Com os militares, o caso é igualmente gritante: o déficit anual da previdência dos militares foi de R$ 49,7 bi em 2023. Em termos per capita, o déficit anual do militar aposentado é de R$ 158,8 mil. O dos demais funcionários públicos, R$ 68,8 mil.

Do lado da arrecadação, vivemos uma situação disfuncional, na qual qualquer aumento de receita é neutralizado por aumento de gastos obrigatório. O governo arrecada mais, mas ao fazer isso é obrigado a gastar mais também. Na mesma linha, uma série de benefícios são atrelados ao salário mínimo, o que significa que qualquer aumento nele gera custos proibitivos ao governo. No cálculo do economista Marcos Mendes, se os gastos públicos fossem vinculados apenas à inflação, e não ao aumento do salário mínimo ou aumento de receitas, o Estado brasileiro teria uma redução de R$ 131,6 bi em despesas em 2024.

O Estado brasileiro precisa ter a capacidade de escolher onde e quanto gastar. Sem isso, os aumentos obrigatórios de gasto se transformam em mais renda para o funcionalismo e para aposentados, sem benefício à população. Mudar isso não será possível sem comprar brigas difíceis. Na falta delas, sobrará o contigenciamento de gastos, que acaba prejudicando sempre o elo mais fraco, que depende do serviço público. Ou, então, a volta da inflação e da recessão. O caminho a seguir é claro, mas exige uma coragem que o governo até agora não mostrou.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.