Fernanda Mena

Jornalista, foi editora da Ilustrada. É mestre em sociologia e direitos humanos pela London School of Economics e doutora em Relações Internacionais.

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Ao falar de domésticas, Paulo Guedes reabilita a luta de classes no Brasil

Ministro dá de mão beijada para a inerte esquerda brasileira o que um dia foi seu motor e centro de suas propostas

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Ao ilustrar as vantagens da alta do dólar e criticar o fato de, na baixa, ele permitir a viagem de trabalhadoras domésticas para a Disneylândia, nos EUA –o que chamou de “uma festa danada”–, o ministro da Economia reabilitou um debate que andava empoeirado no Brasil: o da luta de classes.

A fala de Paulo Guedes não é um deslize. Ela evidencia não só que ele é um sujeito preconceituoso e profundo desconhecedor da vida dos brasileiros mais pobres (Quem vai para a Disney quando mal consegue fechar as contas do mês?) mas também, o que é mais grave, que sua preocupação ao elaborar a política econômica do governo Bolsonaro passa longe dos brasileiros desprivilegiados. 

Com isso, o ministro deu de mão beijada para a inerte esquerda brasileira o que um dia foi seu motor e ponto de atração, além de elemento central de suas propostas. Não é pouca coisa.

A ideia de luta de classes tem origem na Revolução Francesa (1789-1799), que derrubou do poder a monarquia, a aristocracia e a elite religiosa, que constituíam a classe política, para instituir uma república baseada nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade e no poder das classes produtivas.

Esse conceito foi aprofundado e articulado por Karl Marx (1818-1883), cujo pensamento tomou a competição entre os interesses da classe dominante burguesa e da classe dominada proletária como grande propulsor da história. 

No Brasil contemporâneo, há quem aponte 2002 como marco do amortecimento da luta de classes. Naquele ano eleitoral, o candidato e líder petista, Luiz Inácio Lula da Silva, divulgou a Carta aos Brasileiros, que selaria o compromisso de um representante das classes mais pobres com estruturas estabelecidas de poder, numa aliança policlassista.

Outros avaliam que a luta de classes se embaralhou mesmo durante as jornadas de junho de 2013, quando manifestações sobre uma pauta de interesse popular (contra o aumento do preço do transporte público) serviram de caldo para forjar grupos que levantaram a bandeira do “Fora, Dilma!”.

Há, ainda, quem credite a desorientação geral sobre os interesses de classe alta e baixa tenha ocorrido no rescaldo das eleições presidenciais de 2014, quando Dilma Rousseff (PT), reeleita, abandonou suas promessas de campanha em prol de um programa que emulava o de seu oponente, com uma agenda de austeridade conduzida pelo neoliberal Joaquim Levy.

Num tempo confuso, em que parte das camadas mais pobres apoia candidatos de perfil conservador enquanto elites progressistas se horrorizam com ataques a direitos consagrados, ficou também atrapalhada a conversa sobre a diferença de interesses entre aqueles que ocupam a base da pirâmide socioeconômica brasileira e os que enxergam o mundo de seu topo.

Neste contexto, a fala de Guedes toma como natural ou mesmo desejável a frase cunhada pelo general Emílio Garrastazu Médici (1904-1985) durante a ditadura militar: “A economia vai bem, mas o povo vai mal”.

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