Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades
Descrição de chapéu
Alcilene Bezerra da Silva e Saulo Ferreira Feitosa

Os 20 anos do Acampamento Terra Livre e a urgência da demarcação das terras indígenas

ATL defende os artigos 231 e 232 da Constituição como única conciliação possível

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Alcilene Bezerra da Silva

Vice-presidenta do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), é mestranda em educação contemporânea na UFPE

Saulo Ferreira Feitosa

Integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), é professor da UFPE

No final de abril, cerca de 9 mil indígenas estiveram em Brasília para o ATL (Acampamento Terra Livre). Trata-se de um evento que neste ano chegou à sua 20ª edição: duas décadas de uma das maiores reuniões de povos indígenas da América Latina.

Milhares de indígenas de várias etnias marcham pela esplanada dos ministérios até o Congresso Nacional, durante ato do Acampamento Terra Livre
Milhares de indígenas de várias etnias marcham pela esplanada dos ministérios até o Congresso Nacional, durante ato do Acampamento Terra Livre - Pedro Ladeira - 23.abr.2024/Folhapress

Neste espaço político, o movimento indígena busca visibilidade para suas demandas e reivindica, junto às instâncias do Estado, direitos constitucionais, com destaque para a demarcação das terras que tradicionalmente ocupam.

A Lei 14701/23, denominada Lei do Marco Temporal, além de representar uma afronta à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que declarou inconstitucional a tese do marco temporal, está ampliando o déficit de terras demarcadas.

Um pedido apresentado pelo ATL aos ministros da Corte Suprema é de que a lei seja declarada inconstitucional, alertando para seu efeito de inviabilizar demarcações.

O ministro Gilmar Mendes, relator da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que questiona a Lei do Marco Temporal, decidiu suspender a ação para que a Corte possa debater o tema de forma mais ampla, pelo fato de haver também uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC), igualmente suspensa.

Em recente visita ao Brasil, a relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação de pessoas defensoras de direitos humanos, Mary Lawlor, declarou que a lei tem levado perigo aos indígenas nas aldeias e áreas retomadas. Lawlor destacou a morosidade nas demarcações e pediu que elas sejam aceleradas.

Durante a reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), dias antes do ATL, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) homologou duas terras indígenas, quando eram esperadas as assinaturas de ao menos seis. Lula parece ceder a pressões de grupos fomentadores da Lei do Marco Temporal em detrimento de suas obrigações constitucionais.

Por outro lado, o MPI (Ministério dos Povos Indígenas), que tem feito avançar políticas públicas indigenistas, enfrenta limitações orçamentárias e políticas. A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) enfrenta as mesmas dificuldades.

Lula precisa fortalecer institucionalmente o indigenismo oficial e demarcar as terras indígenas, conforme determina a Constituição, mas se mostra afeito a "mesas de diálogo" e iniciativas de conciliação. Nos territórios, essa perspectiva se mostra falaciosa, constituindo-se em mais uma estratégia protelatória do Estado brasileiro e uma armadilha política.

Durante o governo Dilma Rousseff, o então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo propôs mesas de diálogos que consistiam em diminuir as terras indígenas. Um fracasso. A maioria dos povos não concordou, o governo interrompeu a continuidade dos procedimentos administrativos, cedendo às pressões dos invasores, mas a violência contra os indígenas não foi interrompida.

Enquanto erros se repetem, "novos atores" anti-indígenas, de forma orquestrada, intensificam suas atividades pelas várias regiões do país, como se pode constatar na ofensiva deflagrada pelo Movimento Invasão Zero contra os povos e seus territórios tradicionais.

O estudo "Quem são os poucos donos das terras agrícolas no Brasil – O Mapa da Desigualdade", publicado pelo Imaflora, revela que 10% dos maiores imóveis rurais ocupam 73% da área agrícola do Brasil, enquanto os 90% restantes, menores, ocupam somente 27%.

Há muita terra nas mãos de poucos. O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) informa que 867 terras indígenas estão com alguma pendência administrativa impedindo a sua conclusão. Nelas encontram-se centenas de crianças, jovens, adultos e anciãos sobrevivendo em condições precárias, geralmente desumanas, que de forma aguerrida continuam reivindicando seus direitos originários.

O ATL deste ano marcou ainda os 50 anos do início das Assembleias dos Chefes Indígenas, ocorridas em plena ditadura militar (1964-1985), e embrião do atual movimento indígena. O desafio de continuar existindo e ocupando seus territórios com autodeterminação, une os distintos momentos históricos.

Os 20 anos do ATL demonstram que apesar das dificuldades, os povos indígenas só aceitam a conciliação determinada pelos artigos 231 e 232 da Constituição Federal.

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