Bianca Santana

Doutora em ciência da informação, mestra em educação e jornalista. Autora de "Quando me Descobri Negra"

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Sueli Carneiro e o feminismo na diáspora negra

O atual consenso de que mulheres negras estão na base da pirâmide social brasileira foi uma construção política protagonizada por ela

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Se minha intenção por aqui é contar sobre o movimento de mulheres em diferentes cantos do mundo, um dia depois de Sueli Carneiro completar 74 anos, não poderia deixar de escrever sobre ela. Porque, além de ter participado das principais lutas em defesa das mulheres e das mulheres negras no Brasil nos últimos 45 anos, Sueli Carneiro foi das principais articuladoras das mulheres afrodescendentes na América Latina. E, segundo me ensinou a antropóloga colombiana Mara Viveros, o próprio termo afrodescendente foi proposto por Sueli Carneiro.

Sueli Carneiro exibe um sorriso na frente de uma árvore com muitos galhos
Ocupação Sueli Carneiro no Itaú Cultural - André Seito/Divulgação

Em dezembro de 2000, na reunião preparatória para a Conferência de Durban realizada em Santiago, no Chile, ativistas brasileiras propuseram utilizar o termo negro, como no Brasil. Mas não houve consenso entre representantes dos diferentes países. Em uma das entrevistas para a biografia que publiquei em 2021, "Continuo Preta: a vida de Sueli Carneiro", a ativista me contou que o termo afrodescendente foi a possibilidade consensuada naquela conferência. Mas não disse que ela mesma, Sueli, o havia proposto.

Também não me contou do papel fundamental que teve na 2ª Conferência Nacional de Política para as Mulheres, em 2007, quando o debate racial estava restrito a um capítulo do documento final. Mulheres negras se empenharam em defender que o enfrentamento ao racismo, ao sexismo e à lesbofobia fosse incontornável em qualquer política para mulheres, por isso propuseram o chamado eixo 9, transversal a todo o 2º Plano Nacional de Políticas para Mulheres.

Jurema Werneck me contou, em uma entrevista para a biografia, que, sob o risco de não aprovarem a proposta, as ativistas negras foram pedir a ajuda de Sueli para convencer a mulherada branca. Ao chegar na porta da sala, sem ter entendido bem o que estava acontecendo, Sueli parou, colocou a mão na cintura, e sem que pronunciasse nenhuma palavra a conversa voltou a fluir e rapidamente. O eixo 9 foi aprovado.

Mais de 20 anos depois de desagregar os dados de gênero e raça para provar, com números, as visíveis desigualdades entre mulheres brancas e negras no Brasil, Sueli Carneiro influenciava políticas públicas para que considerassem, obrigatoriamente, as especificidades das mulheres negras. O atual consenso de que mulheres negras estão na base da pirâmide social brasileira e por isso demandam ações específicas foi uma construção política protagonizada por Sueli Carneiro. Sim, ela enegresceu o feminismo brasileiro. Influenciou —e segue influenciando— o feminismo na diáspora.

Recebeu o prêmio Kalman Silvert LASA2021, da Associação de Estudos Latino-Americanos, por seus escritos sobre relações raciais e de gênero. Foi a primeira mulher negra a receber o título de doutora honoris causa pela Universidade de Brasília, em 2022. Foi professora visitante na Universidade do Texas em 2023.

No próximo 25 de julho receberá a Medalha Tiradentes, maior condecoração da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Mais de 5.000 documentos que registram sua trajetória e contribuições estão organizados na Casa Sueli Carneiro, instituição que abre as portas ao público hoje. Destes, 2.571 estão digitalizados e podem ser consultados pelo endereço acervo.casasuelicarneiro.org.br.

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Erramos: o texto foi alterado

A reunião preparatória para a Conferência de Durban, no Chile, foi realizada em 2000, não em 2020, como afirmava o texto.
 

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