Cinema produzido e protagonizado por negros foi o principal destaque em 2018

O ano de 2018 viu o Harlem, o mitol�gico bairro negro de Nova York, ser tomado por turbantes, correntes, camisas de basquete e batas com estampas afro. As mesmas cal�adas por onde pisaram Malcolm X, Angela Davis e James Baldwin agora eram ocupadas por uma multid�o que n�o estava ali para protestar, mas para uma reuni�o que tamb�m tinha seu significado pol�tico: a chegada de "Pantera Negra" aos cinemas.

Maior bilheteria americana do ano, o filme foi o cume de uma luta por representatividade �tnica nas telas que, nos �ltimos anos, passou pelo Oscar de "Moonlight" e pelo burburinho de "Corra!". A saga do super-her�i africano, que ecoa as turbul�ncias raciais americanas, foi o acontecimento que mais marcou o mundo cinematogr�fico no per�odo.

A hist�ria acompanha a ascens�o do pr�ncipe T'Challa (Chadwick Boseman) ao trono de Wakanda, pa�s fict�cio que n�o sofreu os males da coloniza��o e se tornou uma pot�ncia tecnol�gica. Dono de superpoderes, o protagonista tem no encal�o um advers�rio local, Killmonger (Michael B. Jordan), que cobi�a seu posto.

A primeira sacada da Marvel foi deixar o roteiro nas m�os de dois autores negros, um deles o diretor Ryan Coogler. A sa�da evitou que o longa ganhasse o tom condescendente de "Estrelas Al�m do Tempo" ou "Hist�rias Cruzadas" –escritas e dirigidas por brancos, e que botam nas m�os de personagens brancos o hero�smo que salva os negros.

Coogler, que despontou contando a hist�ria de viol�ncia policial em "Fruitvale Station", fez reverberar em "Pantera" um tanto da crueza das ruas de Oakland, na Calif�rnia, de onde ele veio. Killmonger � um "gangsta" � sua maneira, um sujeito que tem na viol�ncia a grande resposta contra o racismo. E n�o faltou quem visse em T'Challa, o l�der pacificador, um tanto de Barack Obama. Essa dualidade, longe de cair num manique�smo fajuto, ajudou a dar ao filme a sua resson�ncia cultural.

Spike Lee, expoente do cinema negro, deu a letra. Antes de "Pantera Negra", disse, nenhum grande est�dio bancaria um diretor afro-americano se ele n�o viesse atrelado a astros como Will Smith, Denzel Washington e Samuel L. Jackson. "Foi o filme que mudou o jogo."

O pr�prio Spike veio nessa esteira e lan�ou "Infiltrado na Klan", sua obra mais relevante e mais carregada de voltagem racial em anos. Hist�ria real sobre um policial negro que nos anos 1970 desbaratou os planos de seguidores da Ku Klux Klan, chegou aos cinemas com o dedo em riste apontado para Donald Trump.

O filme de Coogler n�o deixa de ser uma obra Disney, que pasteurizou a emancipa��o racial sob a fantasia de um super-her�i.

Ainda assim, � um feito. Membros da Academia de Hollywood, que concede o Oscar, chegaram a cogitar a cria��o de uma categoria de produ��o pop para contemplar o sucesso. Voltaram atr�s. Pop ou n�o, "Pantera Negra" tem m�ritos para concorrer a melhor filme.

Guilherme Genestreti � rep�rter e blogueiro da Folha.

Publicidade
Publicidade