Cresci numa família atípica.
Quando eu tinha dois anos e meio, nasceu minha única irmã. Ela tinha (e tem) síndrome de Down. Cresci acompanhando a escolha dos meus pais por escolas regulares ainda no fim dos anos 1980, brigas com professores que não viam potencial na minha irmã, angústias sobre se ela ia aprender a tabuada (aprendeu) e sobre o desempenho acadêmico dela (ela se formou pedagoga), e batalhas com profissionais de saúde (essas ainda em andamento).
Muitos anos depois, quando um dos meus filhos teve o diagnóstico de autismo, aprendi lendo nas redes sociais que eu era uma "mãe atípica" já que tinha uma criança neurodivergente.
Mas, por contraditório que possa parecer, demorei meses para entender que minha família era atípica desde sempre: minha irmã tinha tido um desenvolvimento atípico, eu tinha sido uma irmã atípica minha vida inteira, minha mãe era uma mãe atípica e meu pai também era um pai atípico.
Em paralelo a essa revelação pessoal, descobri que muitos amigos viviam experiências semelhantes e passei a acompanhar a vida de dezenas de pessoas atípicas e mães atípicas nas redes sociais. Me descobri parte ativa em uma nova comunidade, composta por conhecidos e desconhecidos no Brasil, na Inglaterra, na França, na Espanha, nos Estados Unidos, na Malásia.
Em comum, eram pessoas em busca de conhecimento e compartilhando conhecimento: autistas explicando por que eventualmente se desregulam e como compreendem as relações entre pessoas, discussões sobre quais eram as terapias com melhores evidências científicas, quem eram as melhores profissionais de cada cidade, se ABA clássico é melhor que Denver (explico mais em um próximo post), quais eram as escolas mais inclusivas e quais eram os melhores recursos educacionais para ensinar coisas como a tabuada que minha irmã aprendeu quando era pequena.
Por mais que pesquisasse, minhas dúvidas não chegavam ao fim. Me via constantemente buscando informações sobre o desenvolvimento de pessoas no espectro autista, sobre o desenvolvimento da linguagem, sobre regulação emocional, sobre habilidades sociais, sobre as potencialidades da minha criança. Lendo, ouvindo, assistindo, perguntando, compartilhando o que eu sabia.
Esse blog vem dessa busca pessoal e coletiva. Como jornalista com anos de experiência (dez deles nesta Folha), incluindo na cobertura de saúde, pretendo trazer algumas respostas, ou pelo menos algumas respostas possíveis, para as inesgotáveis dúvidas compartilhadas por essa grande comunidade atípica, que integro desde a primeira infância.
Espero contar com a contribuição das minhas leitoras e dos meus leitores. Sejam muito bem-vindas e bem-vindos!
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