Nas últimas semanas, veículos de imprensa do mundo todo andaram dando destaque à descoberta de um crânio do Anadoluvius turkae, primata extinto de cerca de 9 milhões de anos que viveu na Anatólia central (atual Turquia). A maneira como a descoberta tem sido descrita leva as pessoas a entender que o fóssil seria um ancestral direto da linhagem dos seres humanos atuais e indicaria que nossos ancestrais não são africanos, mas pertencem a um grupo de origem europeia (depois presente em território turco).
Só que a coisa é muito, muito mais complicada do que isso. Na verdade, como diz o próprio artigo científico descrevendo o crânio, nosso amigo A. turkae é um hominíneo, nome que se dá a todos os membros da subfamília que engloba os grandes símios africanos do passado e de hoje (ou seja, chimpanzés, bonobos e diversos tipos de gorilas), os ancestrais diretos da linhagem humana e os seres humanos modernos.
A hipótese defendida pelos autores do artigo propõe que o grupo dos hominíneos (Homininae, em latim) teria passado boa parte de sua história evolutiva do lado norte do Mediterrâneo, na Europa e no Oriente Próximo, antes de voltar para a África quando as florestas europeias enfim deixaram de ser favoráveis à sobrevivência de primatas. A trajetória separada da linhagem humana, assim, continua sendo majoritariamente africana durante pelo menos os últimos 7 milhões de anos.
O problema é que falar numa "origem humana na Europa" é suficiente para reforçar antigos preconceitos contra a África e deixar racistas empolgados, infelizmente. É por isso que aproveito, aqui no blog, para recomendar o vídeo de meu amigo e coautor, o paleontólogo brasileiro Pirula, uma das principais vozes científicos do YouTube brasileiro. Ele explica em detalhes toda as questões evolutivas que circundam o fóssil e aproveita para mostrar como a falta de cuidado com a terminologia e o sensacionalismo podem dar margem para interpretações da pior espécie. Confira abaixo.
Tive uma pequena participação no vídeo, refletindo sobre as mazelas do jornalismo científico num contexto de crise.
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