Escrevi ontem nesta Folha sobre a nova versão do conceito de "limites planetários" proposta por pesquisadores como o sueco Johan Rockström. Grosso modo, a ideia é formular, de maneira quantitativa, limites de ação da humanidade no que diz respeito a uso de recursos e preservação das características da biosfera. Se esses limites são ultrapassados, significa que estamos empurrando a Terra rumo a um estado em que a autorregulação de tais características fica perigosamente próxima de sair do controle, ameaçando a todos nós.
A novidade na formulação dos limites é incluir balizas que sejam não apenas "seguras" para a biosfera, mas também "justas". E, nesse ponto, a equipe de Rockström incluiu no pacote o conceito de uma justiça não só em relação a comunidades mais vulneráveis diante da mudança climática, por exemplo, mas também a chamada justiça interespécies. "A justiça interespécies tem como objetivo proteger os seres humanos, outras espécies e os ecossistemas, rejeitando o excepcionalismo humano", diz o artigo. Ou seja, rejeitando a ideia de que apenas os interesses dos seres humanos importam quando pensamos em termos éticos.
A ideia me parece -- perdão pelo pleonasmo -- eminentemente justa, intuitivamente "correta". É basicamente o certo a fazer, em suma. Mas as implicações são um bocado complicadas de definir, como aponta o autor de um artigo comentando os novos limites planetários para a revista científica Nature. Stephen Humphreys, da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, observa: "O excepcionalismo humano é rejeitado, mas não está claro o que deveria ficar no lugar dele".
A discussão não é propriamente nova. Muitos filósofos e juristas dos países desenvolvidos já falam, por exemplo, em conceder direitos básicos análogos aos direitos humanos -- o de não ser aprisionado contra a vontade e o de não ser morto, por exemplo -- a animais com vida mental e social sofisticada, como os grandes símios, elefantes, golfinhos e baleias. Quando pensamos em termos de ecossistemas e biodiversidade, a coisa fica bem mais complicada, porém.
É "justo" desmatar 100 ou 1.000 hectares para abrir um novo condomínio fechado no interior de São Paulo quando poderíamos simplesmente erguer prédios mais altos no centro da cidade, por exemplo? A venda de cães e gatos com pedigree deveria ser terminantemente proibida, já que a criação desses animais comprovadamente produz indivíduos com doenças crônicas de origem hereditária?
Não há respostas fáceis aí, e as forças econômicas por trás do tráfico de animais, do desmatamento e de tantos outros fatores que estimulam a violação dos limites planetários são gigantescas. Mas me parece seguro dizer que as razões para achar que o antropocentrismo é a escolha ética óbvia são cada vez menos convincentes.
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