Levei aquele susto que só as fake news são capazes de proporcionar ao abrir o meu navegador de internet há alguns dias. Estava lá a manchete, em letras garrafais (não nesta Folha, graças a Deus; em outro portal): "Estudo diz que neandertais desapareceram por fazer sexo demais". Hein?
Depois de me recuperar do breve piripaque que a frase me causou, vesti um traje de proteção contra textos radioativos e me arrisquei a clicar no link. Era uma galeria de fotos que não detalhava muito a ideia maluca, mas citava um conceituado paleoantropólogo britânico, Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres. E a galeria citava ainda a revista científica onde a hipótese teria sido ventilada, o periódico PaleoAnthropology.
Bom, pelo menos agora dava pra verificar a fonte, certo? Ocorre que o título extremamente modesto do estudo, realmente assinado por Stringer e por sua colega Lucile Crété, diz apenas: "Mapeando interações entre Homo neanderthalensis e Homo sapiens a partir dos registros fóssil e genético".
Ué, cadê o sexo?
Está no finalzinho do resumo do estudo. Como já sabemos desde 2010, houve relacionamentos sexuais entre neandertais e membros da nossa espécie, o que deixou um legado no DNA de grande parte das pessoas vivas hoje (as de origem não africana, basicamente). Os pesquisadores propõem que esse processo, ao incorporar neandertais e seus filhos miscigenados em grupos do H. sapiens, "poderia ter sido um dos fatores que levaram ao fim" da espécie de humanos arcaicos. Como a densidade demográfica neandertal nunca foi das mais numerosas, isso teria tirado parte do vigor genético já frágil deles, pela falta de parceiros reprodutivos com suficiente variação em seu DNA.
Mas veja bem: poderia ter sido um dos fatores. Daí a "desapareceram por fazer sexo demais" (com a nossa espécie, subentende-se), a distância é enorme.
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