Desconfio que seja impossível realizar um inventário de todas as adaptações da Bíblia feitas até hoje em formato de livro. Por mais que o texto bíblico, original e na íntegra, seja barato e facílimo de encontrar em qualquer livraria, igreja ou gaveta de hotel, nunca é exatamente simples para um leitor moderno se aproximar deles. Além da enorme diversidade de perspectivas e de autores nas dezenas de livros que compõem as Escrituras, a estrutura e a lógica interna dos textos são muito diferentes do que a gente espera hoje. É por isso, por exemplo, que existem tantas versões da Bíblia para o público infanto-juvenil, em geral "ricamente ilustradas" (como se dizia antigamente) ou em quadrinhos.
Mas é bem possível que esse tipo de versão não seja útil apenas para crianças, como mostra o inusitado volume que me chegou às mãos faz algumas semanas. "Bíblia: As Histórias Fundadoras", obra produzida por uma dupla francesa (o escritor Frédéric Boyer e o ilustrador Serge Bloch), tem um frescor inusitado mesmo para quem já conhece as narrativas do livro de cor e salteado.
O belíssimo exemplo acima, com a morte do gigante filisteu Golias pelas mãos (e pela funda e pedra) do jovem David, ajuda a dar uma ideia de como funcionam as ilustrações de Bloch, que casam muito bem com o texto minimalista de Boyer. Os dois decidiram abordar apenas a Bíblia hebraica ou Antigo Testamento cristão -- uma escolha acertada se considerarmos que, em geral, as narrativas com maior força imagética e personagens mais memoráveis realmente estão nessa parte das Escrituras.
Creio que o conjunto funciona bem porque a linguagem telegráfica do livro simplesmente retoma e exacerba uma tendência que já está presente nos textos narrativos mais importantes da Bíblia, como o Gênesis ou os dois livros de Samuel. Como vários especialistas já demonstraram, a característica essencial da literatura narrativa bíblica é a tremenda economia ao tratar de coisas como descrições, motivações psicológicas de personagens etc.
Frequentemente esses textos mostram apenas ações e diálogos da forma mais concentrada e rápida possível, e cabe ao leitor tentar ligar os demais pontos do que está acontecendo por sua própria conta (motivo pelo qual, é claro, eles suscitaram tantas interpretações diferentes ao longo dos milênios).
No final do livro, cada um dos 35 capítulos recebe um brevíssimo comentário sobre os aspectos literários e históricos de cada narrativa. São textinhos claros e cheios de erudição, que devem criar no leitor a vontade de saber mais.
O livro foi lançado recentemente pela Editora 34, com tradução de Bernardo Ajzenberg.
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