Depois de 20 anos e lá vai pedrada escrevendo sobre evolução humana, ainda acho que a coisa mais complicada desse ofício é retratar nossos ancestrais e parentes do passado remoto como pessoas de verdade, com suas próprias visões de mundo e idiossincrasias, sem acabar fazendo apenas ficção científica barata. Se existe alguém que teve sucesso nessa empreitada, o nome da fera é Rebecca Wragg Sykes, arqueóloga britânica que escreveu o mais completo e atualizado livro sobre os neandertais até hoje.
Sykes é a autora de "Kindred: Neanderthal Life, Love, Death and Art" ("Membros da família: vida, amor,morte e arte dos neandertais"; editora Bloomsbury Sigma, 409 págs., R$ 59,90 em formato eletrônico). O livro, que o leitor me perdoe a informalidade, é um desbunde de tão bom, reunindo uma quantidade gigantesca de informações sobre todos os aspectos da vida desses que eram os parentes mais próximos da humanidade, praticamente nossos primos (com os quais, aliás, nós nos miscigenamos na fase final da Era do Gelo).
A riqueza de detalhes do livro é tão grande que às vezes há o risco de se perder no que sabemos sobre a fabricação de instrumentos ou sobre a dieta das criaturas. Mas Sykes alivia esse peso parcial da narrativa com uma capacidade quase clarividente de criar cenários da vida cotidiana e até da vida interior do Homo neanderthalensis com base no registro arqueológico.
Nessas tentativas, um dos golaços é imaginar como o ato de lidar com a fabricação de pedras ou com os corpos de animais capturados, cortando, retalhando e remontando objetos, poderia ser a chave para compreender como a mente dos neandertais funcionava. Trata-se de uma visão muito difícil de comprovar empiricamente, mas as peças parecem se encaixar.
Fica aqui a torcida para que o livro chegue também às mãos do público brasileiro.
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