Liberdade sustentada
Convivi durante anos com o silicone até que meu corpo começou a estranhar
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Queimei meu sutiã: me livrei do silicone. Não sei exatamente o que me moveu, há dez anos, a preencher com um gel o espaço flácido deixado pelo leite sugado dos meus seios. Algo —que tem muito pouco a ver com padrão de beleza, e mais com o meu apego à maternidade— me fez recorrer a esse artifício para reestabelecer a forma natural do meu corpo. Puro antagonismo, na miragem de um deserto seco.
Convivi pacificamente durante anos com a coisa embutida, lidando bem com esse pop-up frontal, até que meu corpo começou a estranhar o corpo estranho. Ele me deu sinais de que era hora de restituir o espaço vazio que eu tinha roubado de mim. Obedeci, pois ouvidos servem, mais do que tudo, para escutar o que diz o nosso corpo.
Não faço aqui um protesto feminista, muito menos um manifesto contra o silicone. Falo sobre a nossa maior liberdade, que traz junto uma obrigação: o direito de mudar, se metamorfosear, se transformar, de sermos vários. A permissão para sermos contraditórios e ter o desprendimento para dizer "não mais" ao que achávamos que éramos, ou ao que de fato um dia fomos. O direito de nos definir, com convicção, hoje, sem medo de mudar de ideia amanhã. A tranquilidade para reconhecer os caminhos incertos que escolhemos ou fomos condicionados a escolher. A coragem para explantar pensamentos que não servem mais, se livrar dos espartilhos e silicones que nos asfixiam, e garantir um espaço no peito para que possam entrar novas versões de nós.
Exercitar a liberdade, entretanto, não significa fazer escolhas arbitrárias e desordenadas, mas sim encontrar uma causa que as sustentem —independentemente dos sutiãs. É a capacidade de não desejar mais do que o mundo nos oferece. Do contrário, seria se render ao preenchimento sintético, oco. A liberdade fundamental é, em última análise, nos deixar morrer um pouco, para que possamos nascer todos os dias.
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters