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China usa poder econômico para estender repressão ao resto do mundo, diz relatório

Segundo Human Rights Watch, país é a maior ameaça ao sistema global de direitos humanos até hoje

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São Paulo

Enquanto mantém internamente um estado de vigilância que controla seus cidadãos e reprime qualquer crítica, a China cada vez mais está agindo para estender essa repressão ao restante do mundo. É o que afirma o novo relatório global da organização internacional Human Rights Watch (HRW), divulgado nesta terça-feira (14).

Segundo a organização, que também abordou questões sobre o Brasil no texto, o país asiático usa seu poder econômico para silenciar críticos e intimidar outros governos, empresas e instituições acadêmicas internacionais a não condenarem suas violações de direitos humanos.

Manifestantes em Hong Kong protestam contra repressão aos muçulmanos uigures pelo governo chinês - Lucy Nicholson-22.dez.19/Reuters

O relatório classifica as ações da China como “o maior ataque já vivido pelo sistema internacional de proteção aos direitos humanos desde que ele começou a emergir, em meados do século 20”. Keneth Roth, diretor executivo da HRW, pede que os governos se unam para reagir juntos a essa ameaça.

Roth foi barrado pela China nesta segunda-feira (13) em Hong Kong, onde estava prevista inicialmente a apresentação do relatório. 

“Décadas de progressos que permitiram que as pessoas ao redor do mundo tenham liberdade de expressão, vivam sem medo de serem presas e torturadas arbitrariamente e sejam protegidas por outros direitos estão em risco”, afirma o relatório. “Se não for desafiada, a China pode criar um futuro distópico no qual ninguém estará fora do alcance dos censores chineses”, continua.

Segundo o texto, a China encontra um terreno fértil em um cenário em que alguns países que antes defendiam os direitos humanos internacionalmente agora “abandonaram a causa”. Como exemplos, cita Donald Trump nos EUA, Jair Bolsonaro no Brasil e Narendra Modi na Índia, classificados como governos “populistas autocráticos” que atacam o sistema de freios e contrapesos da democracia de seus países, tendo como alvo jornalistas independentes, juízes e ativistas.

O relatório afirma que Pequim constrói, metodicamente, uma rede de governos apoiadores que dependem de sua ajuda e de seus negócios. Aqueles que cruzam a linha enfrentam retaliações, como as ameaças feitas à Suécia após um grupo independente do país dar um prêmio para um editor sueco baseado em Hong Kong preso pelo governo chinês.

A HRW diz ainda que a pressão exercida pelo Partido Comunista chinês sobre governos e companhias internacionais se potencializa porque envolve todas as empresas do país: ou seja, o boicote que eles sofrerão virá de todos os empresários chineses, que não têm escolha a não ser acatar a ordem central, pois não conseguem fazer frente ao poder desse sistema.

Como exemplo, é citado o episódio ocorrido no último mês de outubro em que um dirigente do time de basquete americano Houston Rockets apoiou publicamente os manifestantes pró-democracia de Hong Kong. Como punição, a Associação Nacional de Basquete americana perdeu parcerias com todas as 11 empresas chinesas que a patrocinavam, de um site de viagens a uma cadeia de fast-food.

Outro episódio mencionado foi um reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU ocorrida em julho, quando 25 governos se encontraram para expressar, pela primeira vez, preocupação com a repressão chinesa à minoria muçulmana uigur na região de Xinjiang. “Notavelmente, temendo a reação do governo chinês, nenhum deles quis ler a declaração em voz alta no Conselho, como é de costume. Em vez disso, buscando segurança nos números, o grupo simplesmente submeteu a declaração conjunta por escrito.”

Ainda sobre a atuação da China na ONU, o relatório diz que o país usa sua influência e seu direito a veto no Conselho de Segurança para bloquear medidas de proteção a pessoas perseguidas ao redor do mundo —como nos casos dos ataques aéreos russos contra civis sírios, da ofensiva de Mianmar contra os muçulmanos Rohingya e da deterioração das condições de vida dos venezuelanos no governo de Nicolás Maduro.

 
 

Segundo o relatório, o governo chinês enfrenta poucas consequências de seus atos. “A União Europeia, ocupada com o brexit, obstruída por estados membros nacionalistas e dividida em relação à questão migratória encontra dificuldade em adotar uma voz comum sobre o tema”, diz o texto, acrescentando que Trump se aproximou de Xi Jinping, apesar de o governo americano ter imposto sanções para violações de direitos humanos em alguns casos.

A HRW também cita medidas anti-direitos humanos da China em âmbito doméstico. Entre elas, o fechamento de organizações da sociedade civil, o silenciamento de jornalistas independentes e a censura à internet.

A tecnologia, destaca a organização, tem sido central para essa repressão, construindo um “estado de vigilância high-tech Orwelliano” com o uso de ferramentas como amostras de DNA coletadas de forma forçada, inteligência artificial e análise de big data. 

Segundo a denúncia, esse sistema de vigilância foi levado às últimas consequências na região de Xinjiang, onde é feito o controle direto de milhões de uigures e outros grupos muçulmanos. Cerca de 1 milhão deles estão detidos arbitrariamente em campos de doutrinação forçada, continua o texto.

Para Keneth Roth, empresas e universidades deveriam ter um código de conduta para lidar com a China, e governos deveriam se unir contra essa estratégia de Pequim —por exemplo, com a Organização pela Cooperação Islâmica (OIC) pressionando o país por sua politica adotada contra os uigures.


Conclusões do relatório sobre outros países

Bolívia
O relatório aborda a crise política que se instalou após a renúncia do presidente Evo Morales, apontando a controvérsia de sua vitória nas eleições, mas também questionando a legitimidade da posse de sua opositora, Jeanine Añez. Também são citadas as mais de 20 mortes em protestos após a saída de Evo e algumas medidas do governo interino, como um decreto que isenta militares de responsabilidade por abusos em algumas operações. 

Estados Unidos
Segundo a HRW, os EUA continuaram recuando na área de direitos humanos em 2019. O relatório afirma que a gestão de Donald Trump criou “políticas migratórias desumanas” e promoveu falsas narrativas que perpetuam o racismo e reduziu o acesso ao sistema de saúde. Na política externa, o relatório admite que o país colocou sanções em indivíduos e governos que violaram direitos humanos, mas lembra que Trump minou instituições multilaterais e fez parcerias com governos abusivos. 

Irã
Em 2019, o judiciário iraniano aumentou dramaticamente o custo da dissidência pacífica, sentenciando dezenas de ativistas de direitos humanos a décadas de prisão, diz a organização. O relatório diz ainda que agências de segurança doméstica, como a Guarda Revolucionária, continuam oprimindo a sociedade civil com torturas e abusos. Também é citado o impacto das sanções americanas sobre a economia do país e a repressão a protestos de trabalhadores por parte do governo iraniano.

Síria
A HRW afirma que, em 2019, as atrocidades contra civis durante o conflito no país continuaram sendo regra, não exceção. Foi citada a ofensiva síria-russa contra a região de Idlib, com ataques indiscriminados e uso de armas proibidas. Segundo o texto, o governo sírio criou um sistema para confiscar a ajuda humanitária destinada aos esforços de reconstrução e usá-la para seu próprio interesse. Também há denúncias contra o abuso perpetrado por grupos opositores armados.

União Europeia
Para a HRW, o bloco defendeu os direitos humanos em resposta a alguns governos de países membros que tiveram atitudes antidemocráticas no âmbito doméstico. Os pesquisadores consideram que grupos populistas radicais moldaram o debate sobre migração, com muitos países negando acesso ao asilo, e critica a polícia da França por ter ferido milhares de manifestantes que protestaram pacificamente e o governo da Hungria por desmantelar as instituições democráticas do país. 

Venezuela
Segundo o relatório, não restou nenhuma instituição governamental independente que fiscalize o governo de Nicolás Maduro. O texto destaca ainda a falta de independência dos juízes, a repressão contra dissidentes políticos e contra manifestantes em protestos e a escassez de comida, remédios e outros itens essenciais. Também é abordado o êxodo massivo de venezuelanos, na maior crise migratória da história recente da América Latina. 

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