Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)
A indiferença e a picada do mosquito
Delegar ao povo responsabilidade pelo combate à dengue é covardia
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Não é preciso ser especialista em saúde para saber que condições sanitárias inadequadas aumentam riscos de proliferação de doenças. A lista de enfermidades que se propagam em ambientes onde não há esgoto sanitário e água tratada inclui, claro, a dengue.
Até as crianças e os tolos sabem que larvas dos mosquitos que transmitem a dengue (da espécie Aedes aegypti e, em menor proporção, o Aedes albopictus) eclodem em água parada. Em 2024, a doença já bateu recorde e infectou mais de 1 milhão de brasileiros, causou mais de 250 mortes e levou pelo menos oito unidades da federação a declarar emergência em saúde pública. O cenário é grave.
Porém, por mais assustadora que seja essa explosão de casos de um mal que chegou a ser erradicado do país, a situação não é obra do acaso. Tampouco deveria ser recebida com surpresa por governantes e gestores das áreas de saúde e infraestrutura. Afinal, um quarto dos brasileiros vive sem saneamento básico (Censo do IBGE), o que contribui muito para o acúmulo inadequado de água.
Importante destacar que pretos e pardos são 69% dos que não têm esgoto e 72% dos que vivem sem abastecimento de água adequado. Como a conexão entre moradia digna e saúde é inegável, daria para inferir quem está mais sujeito a contrair a infecção. Mas não é necessário deduzir quando existem dados oficiais do Ministério da Saúde apontando mulheres pretas e pardas como grupo populacional com maior registro de casos prováveis de dengue.
O Brasil se comprometeu a universalizar os serviços de esgoto e água tratada até 2033 por meio do marco legal do saneamento básico. Contudo está distante de atingir a meta. E um mosquito vem fazendo o país pagar com vidas o preço da indiferença.
Não deixar água acumulada no quintal ou no pratinho das plantas é uma prevenção importante que todos devem tomar. Contudo delegar ao povo responsabilidade pelo combate à dengue é, além de incorreto e injusto, covardia.
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