Descrição de chapéu Planeta em Transe pantanal

95% do fogo no pantanal têm origem em propriedades privadas

Dados do Inpe e da UFRJ apontam ação humana como principal vetor dos incêndios; governo investiga crimes

Brasília

A maior parte do fogo que queima o pantanal teve origem em propriedades privadas, e quase nenhum incêndio tem indícios de ter começado por causas naturais, como raios.

É o que apontam monitoramentos via satélites do bioma, de diferentes instituições. Para pesquisadores, a ação humana é o principal vetor das queimadas, que podem se transformar em uma das maiores crises já vistas no pantanal.

Quase 95% dos 3.372 focos de incêndio no primeiro semestre de 2024 —número que é recorde para o período— ficam em áreas privadas, segundo o programa BDQueimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial), considerando dados até esta terça-feira (25).

Área queimada vista de cima
Incêndio próximo à APA (área de proteção ambiental) Baía Negra, em Corumbá (MS), no pantanal - Bruno Santos - 17.jun.2024/Folhapress

O foco aponta o local de ignição de uma queimada, onde ela começa. Apenas 189 deles foram registrados em terras indígenas (TIs) e unidades de conservação (UCs), estaduais ou federais.

O mês de junho deste ano já é o com mais focos de incêndio de toda a série histórica do Inpe, que faz esse monitoramento desde 1998.

O pantanal é o segundo bioma com maior prevalência de propriedades privadas no país. Apenas 4,66% de sua área é protegida com UCs.

Isso deixa o pantanal mais sujeito aos efeitos de ações humanas, muitas vezes às margens do controle dos órgãos ambientais, conforme apontam especialistas —fato que, neste ano, impulsiona a queima da floresta.

Outro dado corrobora essa tese. Segundo o monitoramento do Lasa, o laboratório de satélites ambientais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), menos de 1% de todos os focos de calor detectados pelos satélites da federal tiveram raios como origem.

Apenas os meses de janeiro, fevereiro e abril tiveram algum incêndio que, de acordo com o monitoramento, começou em razão de causas naturais —o que indica que 99% foram por ação humana.

"Incêndios demandam acúmulo de material combustível seco, condições de tempo apropriadas para propagação e um fator de ignição. Na situação atual no pantanal, a baixa proporção de fatores naturais de ignição, como raios, aponta para a origem humana dos incêndios", afirma Mercedes Bustamante, especialista em queimadas da UnB (Universidade de Brasília).

Na segunda-feira (24) a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que, neste momento, "é fundamental parar de usar o fogo para qualquer coisa". "Não tem incêndio por raio, o que está acontecendo é ação humana. Está nas mãos das pessoas evitar que isso continue se alastrando", completou.

Marina disse também que a situação do pantanal "é uma das piores situações já vistas" e não há controle sobre o "tamanho dos desdobramentos".

Atualmente, os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul proibiram o uso do fogo, mesmo dentro de propriedades privadas e utilizando a chamada queima controlada, técnica que serve para eliminar a camada orgânica seca que fica sobre o solo e, assim, reduzir a quantidade de material inflamável.

Dentro de áreas protegidas, como as UCs e as TIs, ela só pode ser aplicada por órgãos ambientais ou comunidades tradicionais. A prática, se utilizada de forma correta, não produz grandes queimadas —pelo contrário, as evita posteriormente.

No primeiro semestre, por exemplo, o governo federal autorizou a queima controlada de mais de 16 mil hectares dentro das áreas de preservação. Porém, desde o agravamento da crise, essas ações estão proibidas.

Atualmente, o Ministério da Justiça apura quantos dos incêndios registrados no pantanal neste ano são ilegais e criminosos.

"Há uma junção de três fenômenos: a questão da mudança do clima; o El Niño e a La Niña, sem um interstício que antes a gente tinha; e os processos criminosos de atear fogo. Alguns deles nós já sabemos existirem e estão sendo comprovados", disse Marina Silva.

"Os governos estaduais já decretaram a proibição definitiva do fogo. [...] Portanto, todos aqueles que fizerem uso do fogo, para renovação de pastagem ou para atividade qualquer que seja, estarão cometendo um delito."

Nesta quarta-feira (26), a ministra esteve em um evento na Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo (SP) para o lançamento de um fórum climático de cidades na instituição e de uma brigada para monitorar e agir rapidamente, através de jovens voluntários, em situações como enchentes e ondas de calor.

Na ocasião, a chefe da pasta ambiental ressaltou que investigações estão em curso para apurar a origem dos focos de incêndio no pantanal.

"Você tem uma operação de combate a fogo, mas também com o trabalho de inteligência, porque as pessoas não podem imaginar que elas vão fazer isso impunemente", afirmou. "A gente sabe que tem uma combinação do culposo e do doloso —entre aquele que tem a intenção de fazer, e aquele que faz por negligência".

Segundo a ministra, a maioria das queimadas surge perto de estradas e em municípios com maior índice de desmatamento —a cidade de Corumbá (MS) lidera esse ranking.

"Corumbá teve um aumento de mais de 50% do desmatamento, não por acaso, metade dos incêndios que estão acontecendo agora são em Corumbá".

O Lasa também aponta que a maior parte da área de pantanal consumida pelo fogo fica dentro de propriedades privadas: 532,9 mil hectares, ou 85% de tudo que foi destruído até o último dia 23.

As áreas protegidas tiveram 34 mil hectares consumidos pelos incêndios. Metade disso em UCs (tanto federais quanto estaduais) e a outra metade, em TIs.

A destruição do pantanal até aqui já supera, inclusive, o registrado para os primeiros seis meses de 2020, ano no qual o bioma sofreu o maior incêndio de sua história, mas com agravamento da crise no segundo semestre.

Nesta segunda-feira, o governo federal realizou a segunda reunião da sala de situação sobre as queimadas —que são críticas no pantanal, mas preocupam também no cerrado e na amazônia.

Como mostrou a Folha, o combate aos incêndios no pantanal até aqui enfrenta a falta de aeronaves.

Nos últimos dias, as Forças Armadas disponibilizaram seis helicópteros e dois aviões para auxiliar no combate aos incêndios na região do pantanal, e mais equipamentos são avaliados. Duas bases de apoio foram criadas e 500 combatentes, destacados para as ações.

Colaborou Jéssica Maes.

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