Entenda as diferenças do fogo em pantanal, cerrado e amazônia

Parte da vegetação de alguns biomas é adaptada a incêndios, mas recorrência das chamas preocupa

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São Paulo

Nas últimas semanas, as cenas de colunas de fumaça subindo da vegetação voltaram a assolar o pantanal, antecipando o início da temporada de incêndios no bioma, que normalmente têm seu período mais crítico de agosto a outubro.

Após um ano de calor recorde e mais uma cheia muito abaixo da média, já são mais de 3.200 focos na região em 2024, segundo dados do Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais). O número representa um aumento de 33% em relação ao mesmo período de 2020, quando foram registradas as maiores queimadas da história do bioma, e alta de 2.134% na comparação com o primeiro semestre do ano passado.

À noite, brigadistas usando roupas amarelas combatem incêndio florestal
Brigadistas do Ibama combatem incêndios em frente à APA (área de proteção ambiental) Baía Negra, às margens do rio Paraguai, em Corumbá (MS) - Bruno Santos - 17.jun.2024/Folhapress

A situação levou o governo de Mato Grosso do Sul a decretar situação de emergência nesta segunda-feira (24).

Com a seca persistente em boa parte do país, as queimadas também estão acima da média no cerrado e na amazônia. Na amazônia, o crescimento foi de 76% nos focos de incêndio entre 1º de janeiro e 23 de junho deste ano, em relação ao mesmo período de 2023, enquanto no cerrado a alta foi de 31%.

No Brasil, como um todo, o índice aumentou 60% neste ano e chegou a 33.368 focos —o número mais alto em mais de duas décadas.

No Brasil, as queimadas são provocadas, principalmente, pelo uso do fogo para renovar pastagens e limpar a vegetação derrubada pelo desmatamento. Ou seja, a maior parte do fogo é consequência de ações humanas.

O fogo, no entanto, não ocorre da mesma f orma nos diferentes biomas brasileiros. Enquanto alguns ecossistemas são mais adaptados às chamas, outros são totalmente vulneráveis a elas —e mesmo os mais resistentes vêm sofrendo com a repetição acima da média dos grandes incêndios.

Entenda a ocorrência dos incêndios florestais no Brasil

Quais as características do fogo no pantanal?

A maior parte do pantanal é formado por campos, cobertos originalmente por capins nativos, que são em grande parte alagados durante a época da cheia. Essa vegetação é suscetível às chamas e algumas espécies de gramíneas dependem do calor para sobreviver.

"O fogo é íntimo do pantanal, ele faz parte da evolução do bioma", afirma Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas Fogo e diretora de ciências do Ipam (Instituto de Pesquisa da Amazônia). "Mas o fogo no pantanal tem ocorrido cada vez mais fora da época natural."

Liana Anderson, pesquisadora do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), destaca que a recorrência e a temperatura com que o fogo vem queimando "já estão alterando as características dessa vegetação que, em teoria, seria adaptada a lidar com esse fenômeno natural".

É possível comparar a presença do fogo no pantanal e no cerrado?

Tanto o cerrado quanto o pantanal têm vegetações mais adaptadas e, em certo nível, até mesmo dependentes do fogo —algumas espécies só florescem ou só brotam depois da passagem das chamas, por exemplo.

Dentro da dinâmica natural de ambos os biomas, incêndios florestais são provocados principalmente por raios. Porém, quando tempestades com descargas elétricas atingem essas regiões, no final da estação chuvosa ou logo no início da seca, as chamas não se espalham. Já quando a ignição é humana, durante a seca, o potencial destrutivo do fogo se torna muito maior.

A pesquisadora do Ipam diz que a vegetação do cerrado é mais diversa do que a do pantanal, onde as chamas se alastram com maior facilidade. Além disso, no solo das áreas alagadas, chamado de turfa, é mais difícil conter os incêndios, que se propagam por baixo da superfície, tornando o combate ao fogo ainda mais desafiador no pantanal.

E na amazônia, de que forma as queimadas se dão?

A amazônia é formada majoritariamente por vegetação florestal úmida, onde o fogo natural é um evento raro e tem um impacto severo. Apesar disso, na época da seca, queimadas são largamente utilizadas para a limpeza de áreas desmatadas na região, o que faz com que as chamas se espalhem em um ambiente extremamente sensível.

"As árvores grandes, por exemplo, não conseguem resistir a um fogo de baixa intensidade no pé das árvores. As chamas são o suficiente para matar uma árvore centenária, e isso tem um impacto em toda a estrutura da floresta", conta Alencar.

Quão recorrentes são as queimadas nesses biomas?

Um levantamento da plataforma MapBiomas Fogo aponta que, entre 1985 e 2023, o cerrado teve 66% de sua área queimada pelo menos uma vez, sendo o bioma com mais áreas queimadas de forma recorrente no país. Metade do cerrado queimou mais de três vezes no período analisado.

A amazônia, maior bioma brasileiro, teve 19,6% de sua área atingida pelo fogo desde 1985, o que representou 41,5% da área queimada no país. No pantanal, 70% da área queimou mais de uma vez e, proporcionalmente, a região foi a mais atingida, com 59% da área queimada em 39 anos.

No mesmo período, três estados concentraram 46% da área queimada no país: Mato Grosso, Pará e Maranhão.

A mata atlântica também é sensível ao fogo? E quanto ao pampa e à caatinga?

Assim como no caso da amazônia, os incêndios florestais são muito prejudiciais para a mata atlântica, que também é uma floresta tropical úmida.

"Incêndios naturais são dificílimos de acontecer", diz Ane Alencar. "A diferença é o nível de desmatamento e a pressão e o uso do fogo na mata atlântica e na amazônia", analisa, explicando que o desmate fragmenta e fragiliza a floresta.

Atualmente, explica, a amazônia "é um bioma de fronteira do desmatamento, grande parte do desmatamento do Brasil ocorre lá".

O fogo no pampa, por sua vez, ocorre em áreas pequenas —só 3% do bioma queimaram nos últimos 39 anos, segundo o MapBiomas. A situação também costuma ser pontual na caatinga, diz Alencar, onde raramente ocorre sem influência humana.

No ano passado, o bioma nordestino, que tem um alto índice de endemismo (espécies que só existem ali), teve o mais alto número de incêndios desde 2010. A seca e as altas temperaturas trazidas pelo El Niño para a região ajudam a explicar o espalhamento das chamas.

Qual o impacto das mudanças climáticas nos incêndios florestais?

Estudos apontam que eventos climáticos extremos, como ondas de calor e secas prolongadas, já estão mais frequentes e intensos devido às mudanças climáticas. A falta de chuva, somada a altas temperaturas e ventos fortes, torna mais fácil que incêndios se alastrem, além de acentuar a violência dessas ocorrências.

Fora isso, o aquecimento global também influencia na ocorrência do El Niño e da La Niña. Os fenômenos estão relacionados com a temperatura da região equatorial do oceano Pacífico e determinam alterações no clima em boa parte do planeta.

No Brasil, mudam o regime de chuvas e, consequentemente, podem se refletir em mais queimadas —no Norte e Nordeste no caso do El Niño, e no Sul no caso do La Niña.

O que pode ser feito para prevenir os grandes incêndios?

De modo geral, é preciso ter políticas preventivas nas diferentes regiões do país, desde a adoção de sistemas de alertas e treinamento de brigadistas até normas para limitar o uso do fogo em propriedades privadas diante da previsão de risco de incêndios.

Especialmente no pantanal e no cerrado, onde há espécies menos sensíveis ao fogo, também é possível adotar o chamado manejo integrado do fogo, técnica que inclui queimas prescritas —fora da época de seca— para eliminar a matéria orgânica acumulada e prevenir desastres.

"O que precisa haver é uma discussão nacional para o entendimento de como a gente vai manejar esse aumento crescente do risco dos incêndios", ressalta Anderson.

"O manejo do fogo é uma estratégia que tem que estar dentro de um arcabouço legal, institucional, técnico e social muito mais amplo, que vem desde o monitoramento desses elementos que levam ao crescimento dos incêndios, passa por ações de comunicação e educação sobre riscos e impactos, e [se reflete na] resposta e capacidade de prevenção", diz a pesquisadora do Cemaden.

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