Lúcia Helena

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Reportagem

9 coisas que até quem é jovem precisa saber sobre o glaucoma

O que os olhos não veem os próprios olhos não sentem. Ao menos até ser tarde demais. Não há dor, nem sequer um lacrimejar enquanto o nervo ótico vai sendo esmagado dia após dia pelo líquido que flui para banhar de nutrientes as estruturas do globo ocular. É que, no tipo mais comum de glaucoma, esse líquido, o humor aquoso, não é escoado direito. Sem saída fácil, ele se acumula, levando a pressão interna a aumentar.

Os olhos de cerca de 2,5 milhões de brasileiros vivem nesse enorme sufoco. E, se o problema continua invisível, é o fim, as luzes se apagam. O glaucoma é a segunda maior causa de cegueira entre nós.

"Apesar de todo o avanço, uma porcentagem grande de pacientes evolui para a perda de visão", lamenta o médico Ricardo Paletta Guedes, que até a semana passada era o presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia.

1. A consulta anual ao oftalmo não é fundamental só para quem tem mais de 40 anos.

Sim, é verdade que essa forma de glaucoma — a do ângulo anterior aberto — é bem mais comum em quem já passou dos 40. "A partir daí, todo indivíduo precisa ir ao oftalmologista anualmente, mesmo que não perceba nada diferente e ache que o grau de seus óculos continua bom", orienta o doutor Ricardo Guedes.

No entanto, a idade mais avançada é apenas um dos fatores de risco que tornam a consulta anual um compromisso inadiável. Outro — e talvez o mais importante — é o histórico familiar. "Quem tem um parente de primeiro grau com glaucoma apresenta um risco de quatro a seis vezes maior de receber o mesmo diagnóstico", informa o médico.

O risco também é aumentado para quem sofreu um trauma ocular, tem mais de 6 graus de miopia, é negro ou, ainda, toma corticoides, ansiolíticos ou antidepressivos — e, cá entre nós, em uma ida até qualquer esquina vamos topar com vários usuários desses remédios.

Para quem se encaixa em qualquer uma dessas situações, esperar mais que doze meses para repetir os exames capazes de acusar o glaucoma é fechar os olhos para uma ameaça e tanto, não importando a idade.

2. O diagnóstico não é feito só com a medida da pressão intraocular

Em geral, os médicos consideram que tudo está normal quando a pressão exercida por aquele fluido contra as estruturas da bolota fechada, que é o nosso olho, não ultrapassa 20 mmHg (milímetros de mercúrio). Portanto, durante a consulta, é essencial aferir esse valor com a ajuda daquele equipamento para parece lançar um pequeno jato de ar.

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Mas há dois outros exames que precisam ser feitos para o oftalmologista fechar o diagnóstico. Um deles é o do fundo de olho. E outro é a gonioscopia, que avalia a anatomia da câmara anterior do olho. O doutor Ricardo Guedes explica: "O humor aquoso é drenado por uma série de canais. E essa espécie de ralo está localizada bem nessa região".

Segundo o médico, a gonioscopia dá um sobrenome ao glaucoma, ou seja, informa qual é o seu tipo. Se, por exemplo, ele foi provocado por medicamentos ou se a entrada dos canais de escoamento está fechada ou, ainda, se o entupimento desses canais é mais interno, como no caso do tal glaucoma de ângulo anterior aberto.

3. Existem casos limítrofes

Imagine se você está está com uma pressão intraocular de 19, 20 ou 21 mmHg — será que tem mesmo glaucoma, ou não? "Quando fica próximo do limite, a gente deve pedir três exames complementares. Ou fica impossível responder com absoluta certeza", diz Ricardo Guedes.

Para não ser tratado à toa ou, ao contrário, voltar para casa com uma tranquilidade ilusória, é preciso fazer, primeiro, o exame de campo visual, para checar se ele não anda mais estreito.

Já a tomografia mostra a aparência do nervo ótico em detalhes. "Se ele exibe uma escavação provocada pelo humor aquoso batendo com força bem ali, a gente tem de suspeitar de glaucoma, mesmo que a pressão intraocular pareça adequada", explica o oftalmologista.

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Finalmente, é feita uma retinografia, que é um retrato nítido da retina, o tapete de células nervosas que forra o fundo do olho. Uma dúvida: mas essa região já não foi examinada? "Na consulta, o exame de fundo de olho dura poucos segundos e podemos ver apenas alterações grosseiras, aquelas que chamam a atenção", diz Ricardo Guedes. "A retinografia, porém, nos dá uma imagem digital que pode ser ampliada, se queremos avaliar minúcias com calma."

4. A pressão intraocular flutua

Ao longo do dia, ela fica mais alta em alguns momentos e mais baixa em outros, mesmo quando alguém usa colírio para controlá-la. A questão é saber se isso está além do esperado. Afinal, flutuações muito grandes estão associadas a uma progressão acelerada do glaucoma.

"Para flagrá-las, peço àquele indivíduo que se consultou de manhã para que retorne noutro dia em um horário diferente", exemplifica Ricardo Guedes, que também pode solicitar uma curva tensional diária: aí, o paciente deve chegar cedo para medir a pressão intraocular várias vezes até o cair da tarde.

"Talvez mais simples seja fazer o teste de sobrecarga hídrica, pedindo que ele beba uma boa quantidade de água em um intervalo curto de tempo", diz o doutor. Sempre que alguém faz isso, a pressão intraocular sobe. Só que, se subir demais, será uma pista de que drenagem do humor aquoso não está das melhores.

5. O tratamento sempre precisará de ajustes

É para ficar ressabiado se ele continua o mesmíssimo há muito tempo. A dose indicada de colírio costuma mudar ao longo dos anos e as trocas do remédio também são comuns, quando eles deixam de fazer o efeito desejado. Aliás, até por causa disso as consultas anuais — ou até mais frequentes, conforme o caso — seguem imperdíveis pelo resto da vida.

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6. Existem efeitos colaterais

Os colírios receitados para o glaucoma — que ou reduzem a produção do humor aquoso ou melhoram seu escoamento — modificam a composição da lágrima. E, depois de anos a fio de uso, ela pode perder a qualidade. A consequência disso é o olho seco.

"Existem, ainda, pacientes que desenvolvem alergias a esses remédios. Infelizmente, não é tão raro", nota o doutor Ricardo Guedes. Finalmente, há colírios que dão olheiras e pessoas que se incomodam muito com isso. Eles também fazem crescer os cílios, o que muita gente até gosta. O senão: às vezes, alteram a cor dos olhos, escurecendo os que eram claros. Irreversivelmente.

7. Quanto mais tempo, maior o risco de cegueira

O doutor Guedes relata o caso de uma senhora com glaucoma de 84 anos. Os médicos a deixaram pingando o mesmo colírio, naquele pensamento de que não se mexe em time que não está dando trabalho. Afinal, se ele já não funcionasse tão bem, aquela paciente também não viveria tanto — arriscaram. Mas, uma década depois, ela continuava com uma boa saúde, a não ser pelo seguinte detalhe: uma perda de visão considerável, favorecendo quedas.

A idade, vale repetir, acelera a progressão do glaucoma. Mas não só ela: o tempo convivendo com a doença, também. "Até dez anos com glaucoma, o risco de cegueira será abaixo de 10%", explica o oftalmologista. "Mas, depois de dez anos, esse risco pode alcançar os 30%."

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Fácil entender: para o nervo ótico, aguentar a pressão intraocular mais alta por cinco anos é uma história bem diferente que resistir por três décadas. Nesse aspecto, o aumento da expectativa de vida é preocupante. A tendência é alguém diagnosticado aos 40 carregar a doença por outros quarenta.

8. Hoje, muita gente vai direto para o laser.

Antes indicado quando os colírios começavam a dar problema, agora o laser muitas vezes é escolhido como o primeiro tratamento em casos de glaucoma que ainda estão no comecinho.

"Aplicado no consultório, o laser desobstrui os canais que escoam o humor aquoso", descreve o doutor Guedes. A pessoa sai dali para tocar o seu dia como se nada tivesse acontecido. E pode ficar livre da necessidade de pingar remédios por alguns bons anos.

Uma saída com a mesma finalidade é o implante de minúsculos stents, dispositivos que mantêm os canais abertos para o humor aquoso sair. Mas, no caso, o procedimento é invasivo. Por isso, não costuma ser feito antes de o paciente apresentar uma bela dificuldade para usar o colírio.

9. Por que esperar para operar?

Na cirurgia, o oftalmologista constrói canais que seriam um caminho alternativo para drenar o humor aquoso, já que os originais, por assim dizer, estão entupidos. Ora, se o procedimento resolve de vez o problema que pode levar à cegueira, por que não apelar para ele de cara? "Essa é a questão da atualidade", me devolve o doutor Ricardo Guedes.

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A cirurgia é segura — quer dizer, como toda cirurgia, traz o risco de infecções, contornado com o uso de antibióticos no pós-operatório. O período de restrições para retomar as atividades diárias dura dez ou quinze dias.

Em um cenário em que as pessoas vivem mais e não podem conviver com o glaucoma por muito tempo , surgem estudos para ver se não é o caso de operar ligeiro, garantindo a visão no futuro. Quem viver verá.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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