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A PRIVATIZAÇÃO EXÓGENA E OS AVANÇOS DO CAPITALISMO ACADÊMICO NO BRASIL E NA ARGENTINA1 1 Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

PRIVATIZACIÓN EXÓGENA Y AVANCES DEL CAPITALISMO ACADÉMICO EN BRASIL Y ARGENTINA

RESUMO:

O presente artigo tem por objetivo compreender as principais tecnologias políticas de privatização exógena da educação superior, projetadas em articulação com as orientações dos organismos internacionais de financiamento, que têm contribuído à abertura e ascensão do regime capitalista acadêmico em países como o Brasil e a Argentina. A metodologia utilizada foi a histórico-crítica. A investigação foi qualitativa, bibliográfica e documental. Para tanto, o primeiro capítulo versa sobre as transformações estruturais do capitalismo que deram sustentação ao novo modelo de governança e, concomitantemente, ao processo de privatização exógena da educação superior em âmbito global. Posteriormente, apresenta-se uma análise das reformas da educação superior, materializadas no Brasil e na Argentina, sobretudo a partir da década de 1980, que impulsionaram a racionalização/otimização dos investimentos públicos e a implementação de políticas privatistas. Por fim, busca-se compreender de que forma as políticas educacionais, implementadas no contexto das reformas neoliberais, têm contribuído à formação de um regime capitalista de conhecimento, pautado na produção de conhecimento, matéria-prima, diretamente rentável. Os resultados apontaram que as tecnologias políticas de privatização exógena da educação superior estimulam a expansão do setor privado/mercantil e o redirecionamento dos investimentos públicos em prol de pesquisas aos interesses do setor industrial/empresarial, em detrimento da “ciência aberta” (não mercantil), favorecendo o avanço e a materialização do capitalismo acadêmico em países como o Brasil e a Argentina.

Palavras-chave:
educação superior; políticas educacionais; neoliberalismo; privatização exógena; capitalismo acadêmico

RESUMEN:

Este artículo tiene como objetivo comprender las principales tecnologías políticas de privatización exógena de la educación superior, diseñadas en conjunto con las directrices de los organismos internacionales de financiación, que han contribuido a la apertura y ascenso del régimen académico capitalista en países como Brasil y Argentina. La metodología utilizada fue histórico-crítica. La investigación fue cualitativa, bibliográfica y documental. Para ello, el primer capítulo aborda las transformaciones estructurales del capitalismo que sustentó el nuevo modelo de gobernanza y, concomitantemente, el proceso exógeno de privatización de la educación superior a nivel global. Posteriormente, se presenta un análisis de las reformas de la educación superior, materializadas en Brasil y Argentina, especialmente a partir de la década de 1980, que impulsaron la racionalización/optimización de las inversiones públicas y la implementación de políticas privatizadoras. Finalmente, buscamos comprender cómo las políticas educativas, implementadas en el contexto de las reformas neoliberales, han contribuido a la formación de un régimen de conocimiento capitalista, basado en la producción de conocimiento materia prima, directamente rentable. Los resultados mostraron que las tecnologías políticas de privatización exógena de la educación superior han estimulado la expansión del sector privado/mercantil y el redireccionamiento de las inversiones públicas en favor de la investigación a los intereses del sector industrial/empresarial, en detrimento de la “ciencia abierta”. (no mercantil), favoreciendo el avance y materialización del capitalismo académico en países como Brasil y Argentina.

Palabras clave:
educación superior; políticas educativas; neoliberalismo; privatización exógena; capitalismo académico

ABSTRACT:

This article aims to understand the main political technologies of exogenous privatization of higher education, designed with the guidelines of international funding bodies, which have contributed to the opening and rise of the academic capitalist regime in countries such as Brazil and Argentina. The methodology used was historically critical. The investigation was qualitative, bibliographic, and documentary. To this end, the first chapter deals with the structural transformations of capitalism that supported the new governance model and, concomitantly, the exogenous privatization process of higher education at a global level. This is followed by an analysis of the higher education reforms that have taken place in Brazil and Argentina, especially since the 1980s, which have promoted the rationalization/optimization of public investment and the implementation of privatization policies. Finally, we seek to understand how educational policies, implemented in the context of neoliberal reforms, have contributed to the formation of a capitalist knowledge regime, based on the production of raw material knowledge, directly profitable. The results indicate that the political technologies of exogenous privatization of higher education have stimulated the expansion of the private/commercial sector and the redirection of public investment in favor of research to the interests of the industrial/business sector, to the detriment of “open science” (non-mercantile), favoring the advancement and materialization of academic capitalism in countries such as Brazil and Argentina.

Keywords:
higher education; educational policies; neoliberalism; exogenous privatization; academic capitalism

INTRODUÇÃO

Privatizar tornou-se a palavra-chave do modo de acumulação flexível. Tudo é passível de ser privatizado e instado a tornar-se um capital; nada deverá escapar das promessas e/ou dos efeitos da privatização, incluindo: os recursos naturais; a gestão e os serviços públicos (desde hospitais até escolas); as instituições culturais; os bens de primeira necessidade, como alimentos e medicamentos; as instituições de pesquisa e as universidades; a ciência e o conhecimento. Mas, afinal, privatizar para quê? Privatiza-se para empreender, elevar a competitividade e a performatividade, melhorar a eficiência, aumentar a lucratividade e diminuir os gastos “desnecessários”, garantir a liberdade e a autonomia, responsabilizar os “preguiçosos” e promover a meritocracia. Além de impactar sobre o desenvolvimento econômico, a privatização é aliada do desenvolvimento social - fantasmagórica justificativa dos neoliberais para impulsionar o modelo econômico de mercado e viabilizar a formação de uma subjetividade de caráter empresarial. Nesses termos, o Estado é coagido, pela racionalidade capitalista, a adotar um novo modelo de governança, centrado na implementação efetiva da lógica concorrencial em detrimento do princípio de direito público e das políticas de proteção e promoção da justiça social (DARDOT; LAVAL, 2010DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo , 2016., 2017DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo , 2017.). A formação de um governo de cunho empresarial, amplamente comprometido com os princípios da elite econômica e do projeto hegemônico internacional, preconizado pelos Estados Unidos, abarcou um intenso processo de privatização exógena da educação superior.

A “americanização” das reformas político-econômicas na América Latina estimula a capitalização da educação superior e da produção acadêmica, forçando as universidades de pesquisa a se adequarem ao paradigma da New American University. A partir dessa assertiva, busca-se elencar e compreender as principais tecnologias políticas de privatização exógena da educação superior, projetadas em articulação com as orientações dos organismos internacionais de financiamento, que têm contribuído à abertura e ascensão do regime capitalista acadêmico em países como o Brasil e a Argentina. A metodologia utilizada foi a histórico-crítica. A investigação foi qualitativa, bibliográfica e documental. Para tanto, o primeiro capítulo versa sobre as transformações estruturais do capitalismo que deram sustentação ao novo modelo de governança e, concomitantemente, ao processo de privatização exógena da educação superior em âmbito global. Posteriormente, apresenta-se uma análise das reformas da educação superior, materializadas no Brasil e na Argentina, sobretudo a partir da década de 1980, que impulsionaram a fusão entre o público e o privado em formas híbridas, a diferenciação institucional, a racionalização/otimização dos investimentos públicos e a captação de novas fontes de financiamento pelas universidades públicas. Por fim, busca-se compreender de que forma as políticas educacionais, implementadas no contexto das reformas neoliberais, têm contribuído à formação de um regime capitalista de conhecimento, pautado na produção de conhecimento, matéria-prima, diretamente rentável e em simbiose com as necessidades do mercado empresarial.

A “AMERICANIZAÇÃO” DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A ABERTURA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR AO MERCADO

O contexto político-econômico da educação superior na América Latina vem se reconfigurando diante da efervescência do mercado educacional em âmbito mundial, oxigenado pela ascensão da racionalidade toyotista/neoliberal. A reestruturação do sistema produtivo aos moldes toyotistas e as reformas político-econômicas neoliberais, que caracterizam a lógica de acumulação flexível, viabilizaram a formação de um modelo de gestão pública voltado para o mercado, cujas ações e estratégias visam estimular a privatização e a mercantilização dos serviços públicos, a generalização da concorrência, a racionalização dos recursos dos Estados nacionais e o aumento da produtividade/desempenho dos trabalhadores. A racionalidade capitalista em voga a partir de 1980 deu origem aos termos da “boa governança” e das “boas práticas”, tornando-os uma espécie de mantra da organização governamental. A intenção é “reinventar o governo” pela via da construção de um novo modo de racionalização que submeta a produção dos serviços públicos à lógica privatista e economicista, para atender aos interesses oligopolistas e às recomendações dos organismos financeiros internacionais (Banco Mundial, FMI, OMC, OCDE, dentre outros). Na acepção de Dardot e Laval (2016CUNHA, Luiz Antônio. Nova reforma do ensino superior: a lógica reconstruída. Caderno de Pesquisa, São Paulo, n. 101, p. 20 - 49, jul. 1997., p. 276) “a ‘boa governança’ é a que respeita às condições de gestão sob os préstimos do ajuste estrutural e, acima de tudo, a abertura aos fluxos comerciais e financeiros, de modo que se vincula intimamente a uma política de integração ao mercado mundial”.

A racionalidade capitalista, responsável pela formação de uma subjetividade empresarial e pelo fortalecimento da ideologia de mercado, tornou a privatização e a comercialização dos serviços públicos um projeto de alcance global. O processo de reterritorialização capitalista (GUATTARI; ROLNIK, 1996FELDFEBER, Myrian; PUIGGRÓS, Adriana; ROBERTSON, Susan; DUHALDE, Miguel. La privatización educativa en Argentina. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Confederación de Trabajadores de la Educación de la República Argentina - CTERA, 2019.), impulsionado pelo espírito toyotista e pelo projeto hegemônico neoliberal, expandiu a lógica de mercado para além das atividades produtivas e mercantis, atingindo o setor público e o trabalho imaterial. As transformações na estrutura produtiva e política do capitalismo, estabelecidas no bojo da sociedade global, influenciaram decisivamente a construção e materialização de políticas educacionais. Nas últimas décadas, as políticas privatizadas e mercadológicas da educação disseminaram-se em escala regional e mundial, conduzindo um intenso processo de reconfiguração das funções e do papel dos Estados nacionais no financiamento e desenvolvimento da educação superior, de modo a atender aos discursos empresariais/hegemônicos da eficiência, do crescimento econômico e da meritocracia. A estrutura política global e multilateral transformou a educação superior em objeto de lucro e de acumulação capitalista, a serviço do setor industrial e empresarial. Em países como Brasil e Argentina, as reformas estabelecidas no âmbito da educação superior viabilizam a expansão do setor privado/mercantil e o pareamento do setor público e privado em torno de princípios privatistas e economicistas. O apoderamento do capital empresarial no campo da educação superior redefine a função social das instituições de educação superior e o ethos acadêmico (SAFORCADA et al., 2019RHOADES, Gary; SLAUGHTER, Sheila. Academic Capitalism, Managed Professionals, and Supply-Side Higher Education. Social Text 51, V. 15, N. 2, Summer, 1997.; LEHER, 2010LAVAL, Christian. L’économie de la connaissance et la transformation de l’enseignement supérieur et de la recherche. Bulletin de l’ASES, V. 42, Mars 2015.).

A privatização exógena (processos de privatização visíveis da educação) é uma das principais tecnologias políticas, adotadas pela racionalidade neoliberal, para expandir a oferta de vagas na educação superior sem, no entanto, ampliar os gastos públicos e para explorar novas fontes de financiamento junto ao setor privado (industrial/empresarial). O objetivo é elevar a eficiência da educação superior e das pesquisas acadêmicas com um menor aporte de recursos públicos. A privatização exógena implica a abertura da educação a fornecedores privados por meio de políticas de diferenciação institucional e a oferta/comercialização de serviços públicos educacionais - incluindo as pesquisas científicas e tecnológicas (conhecimento, matéria-prima) - para captação de recursos extraorçamentários. A expansão de fornecedores privados na educação superior se deve, sobremaneira, a três mecanismos políticos, a saber: a liberalização política/normativa do setor educacional; os incentivos fiscais (financiamento indireto); e, os subsídios estatais (financiamento direto) concedidos às IES privadas (FELDFEBER et al., 2019DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo , 2017.; LUENGO NAVAS et al., 2012LEHER, Roberto. Por una reforma radical de las universidades latinoamericanas. Buenos Aires, Argentina:Homo Sapiens / CLACSO, 2010.; SAURA CASANOVA; MUÑHOZ MORENO, 2016SAFORCADA, Fernanda; ATAIRO, Daniela; TROTTA, Lúcia; GOLISANO, Aldana R. Tendencias de privatización y mercantilización de la universidad en América Latina: los casos de Argentina, Chile, Perú y República Dominicana. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: IEC - CONADU ; San José de Costa Rica: Internacional de la Educación-IE, 2019.; MOSCHETTI; FONTDEVILA; VERGER, 2017MARTINS, Carlos B. A Reforma Universitária de 1968 e a abertura para o ensino superior privado no Brasil. Educ. Soc., Campinas, vol. 30, n. 106, p. 15-35, jan./abr. 2009.).

As dinâmicas exógenas de privatização compreendem a “transferência” de responsabilidades do Estado e dos municípios pela promoção de educação pública ao setor privado/empresarial com fins lucrativos, sobretudo, mediante a contratação de serviços estritamente educacionais/formativos, atingindo diretamente o planejamento e os objetivos da educação pública. De acordo com Ball e Youdell (2007BALL, S. J.; YOUDELL, D. La privatisation déguisée dans le secteur éducatif public. Bruxelas: Internationale d l’éducation, 2007., p. 9, tradução nossa), a privatização “do” setor público (privatização exógena) “envolve a abertura dos serviços públicos de educação à participação do setor privado com fins lucrativos e o uso do setor privado para projetar, administrar ou fornecer aspectos da educação”. Para facilitar a compreensão, pode-se citar como exemplos a compra, pelas redes de ensino, de materiais didáticos, consultorias e cursos de formação continuada de professores junto a empresas, multinacionais e conglomerados educacionais, além da compra de vagas em instituições privadas com recursos públicos. A transformação da educação em um campo de negócios, com vistas a ampliar a participação e os lucros do setor privado/empresarial, dissolve os objetivos sociais da educação, retira a autonomia e enfraquece financeiramente as escolas e instituições educacionais. No que diz respeito ao financiamento das instituições públicas de ensino superior, os mecanismos políticos de privatização exógena apregoam o fortalecimento das parcerias público-privadas (PPP) para obtenção de benefícios econômicos e direcionamento das pesquisas às necessidades do mercado (FELDFEBER et al., 2019DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo , 2017.; LUENGO NAVAS et al., 2012LEHER, Roberto. Por una reforma radical de las universidades latinoamericanas. Buenos Aires, Argentina:Homo Sapiens / CLACSO, 2010.; SAURA CASANOVA; MUÑHOZ MORENO, 2016SAFORCADA, Fernanda; ATAIRO, Daniela; TROTTA, Lúcia; GOLISANO, Aldana R. Tendencias de privatización y mercantilización de la universidad en América Latina: los casos de Argentina, Chile, Perú y República Dominicana. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: IEC - CONADU ; San José de Costa Rica: Internacional de la Educación-IE, 2019.; MOSCHETTI; FONTDEVILA; VERGER, 2017MARTINS, Carlos B. A Reforma Universitária de 1968 e a abertura para o ensino superior privado no Brasil. Educ. Soc., Campinas, vol. 30, n. 106, p. 15-35, jan./abr. 2009.).

As dinâmicas exógenas de privatização (da educação superior) interagem dialeticamente com as tecnologias políticas de privatização endógenas (na educação superior). As reformas educacionais latino-americanas, impostas pela nova engenharia capitalista, estimulam a “importação de ideias, valores, práticas e métodos de gestão inspirados nas empresas privadas”, com o intuito de tornar o setor público “cada vez mais empresarial e cada vez mais comercial” (Ball; Youdell, 2007BALL, S. J.; YOUDELL, D. La privatisation déguisée dans le secteur éducatif public. Bruxelas: Internationale d l’éducation, 2007., p. 8-9, tradução nossa). A endo privatização está associada à implementação de mecanismos políticos pautados no aumento do desempenho/performatividade, da produtividade e da eficiência. Dentre as políticas de privatização “na educação superior”, que primam pela expansão da lógica empresarial, é importante destacar: as avaliações estandardizadas e o processo de “rankeamento” pela via da quantificação e classificação da produção; e o pagamento por desempenho/produtividade aos trabalhadores da educação (professores e pesquisadores). O apreço às avaliações de caráter quantitativo, a ênfase na corresponsabilidade do trabalhador e a individuação do desempenho e das gratificações, que perpassam a endo privatização e contribuem para o aprofundamento da privatização exógena, são mecanismos importados do modelo de gestão da produção toyotista. Historicamente, essa adequação da educação superior aos ditames da racionalidade toyotista (método de gestão) e neoliberal (política) ganha centralidade ao nível mundial, sobretudo, a partir da década de 1980. Esse período abarcou o processo de materialização da nova agenda reformista, calcada na redução das políticas de proteção social e expansão da lógica de mercado para além da esfera da produção de mercadorias (SAFORCADA et al. 2019RHOADES, Gary; SLAUGHTER, Sheila. Academic Capitalism, Managed Professionals, and Supply-Side Higher Education. Social Text 51, V. 15, N. 2, Summer, 1997.; MOSCHETTI; FONTDEVILA; VERGER, 2017MARTINS, Carlos B. A Reforma Universitária de 1968 e a abertura para o ensino superior privado no Brasil. Educ. Soc., Campinas, vol. 30, n. 106, p. 15-35, jan./abr. 2009.; LUENGO NAVAS; SAURA CASANOVA; 2013LUENGO NAVAS, Julián; OLMEDO, Antonio; SANTA CRUZ GRAU, Eduardo; SAURA CASANOVA, Geo. Nuevas formas, nuevos actores y nuevas dinâmicas de la privatización em educación Profesorado. Revista de Currículum y Formación de Profesorado, Granada, vol. 16, núm. 3, septiembre/diciembre, 2012, p. 3-12.; HARVEY, 2014GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996.).

As transformações estruturais e a formação de um governo de cunho empresarial tiveram forte impulso após as vitórias de Margaret Thatcher (1979 - 1990) na Grã-Bretanha e de Ronald Reagan (1980 - 1989) nos Estados Unidos - além do governo de Augusto Pinochet (1973 - 1990) no Chile, que fez do país um grande laboratório das políticas neoliberais. O modelo toyotista/neoliberal foi apresentado como única alternativa para superar a crise econômica e social do regime fordista/keynesiano de acumulação do capital, chocando-se contra as políticas e os princípios sociais inerentes ao Estado de bem-estar social (Welfare State). A ascensão do conservadorismo alterou profundamente as condições econômicas, sociais, políticas, ideológicas e valorativas, com fortes repercussões no ideário, na subjetividade e nos valores constitutivos da classe-que-vive-do-trabalho. A nova agenda reformista deu visibilidade a adoção de políticas antissindicalista, a redução da proteção social e a privatização e mercantilização dos serviços públicos. Em suma, a tomada de poder dos partidários do neoliberalismo nos países centrais e sua posterior disseminação nos países em desenvolvimento implicou uma ampla destruição sobre as estruturas e poderes institucionais (soberania estatal sobre assuntos políticos e econômicos), as políticas de bem-estar social, as relações estruturais/contratuais da força de trabalho, aos modos de vida, dentre outros (ALVES, 2011ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011.; ANTUNES, 2009ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.; DARDOT; LAVAL, 2016CUNHA, Luiz Antônio. Nova reforma do ensino superior: a lógica reconstruída. Caderno de Pesquisa, São Paulo, n. 101, p. 20 - 49, jul. 1997.).

O novo projeto ideopolítico que se apresentou como alternativa ao intervencionismo estatal conduziu as reformas dos Estados nacionais em direção à liberalização comercial, a regulamentação da concorrência e a adequação das esferas políticas e sociais à lógica do mercado. Com o intuito de diminuir o controle social e abrir caminhos para uma maior influência dos mercados em âmbito global, os organismos internacionais de financiamento (Banco Mundial, FMI, OMC, BID, dentre outros) impuseram um conjunto de recomendações e planos de ajuste estrutural aos Estados-nação em troca de empréstimos e auxílios. Essas reformas foram condensadas no chamado Consenso de Washington (1989) com o intuito de orientar e pressionar a reestruturação econômica e o ajuste fiscal dos países em desenvolvimento em direção às premissas neoliberais, dando origem a um sistema disciplinar de alcance mundial. Para os detentores do poder mundial, a crise econômica da América Latina na década de 1980 esteve relacionada à impossibilidade e incapacidade do Estado de atender às crescentes demandas dos diversos setores da economia. Isso se deve, de modo especial, ao excessivo crescimento do setor estatal e à incapacidade de controlar o déficit público. Por esse motivo, as reformas de ajuste estrutural, disseminadas sem espaço aparente para soluções alternativas, impuseram, dentre outras medidas, o equilíbrio orçamentário via redução dos gastos públicos, a desregulamentação da economia e a privatização indiscriminada das empresas e serviços estatais (incluindo educação, saúde, aposentadorias, transporte público, habitação populares, dentre outros) (BRESSER PEREIRA, 1991BRASIL. Portaria n. 1.122, de 19 de março de 2020. Define as prioridades, no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), no que se refere a projetos de pesquisa, de desenvolvimento de tecnologias e inovações, para o período 2020 a 2023. Diário Oficial da União, Brasília, 24 de março de 2020.; SGUISSARDI, 2009SCHUGURENSKY, Daniel; NAIDORF, Judith. Parceria universidade-empresa e mudanças na cultura acadêmica: análise comparativa dos casos da Argentina e do Canadá. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 88, p. 997-1022, Especial- Out. 2004.; TORRES, 2000SILVA JÚNIOR, João R.. The new brazilian university: a busca por resultados comercializáveis: para quem? Bauru: Canal 6, 2017.; BECHI, 2019BECHI, Diego. A subjetivação capitalística como mecanismo de precarização do trabalho docente na educação superior brasileira. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2019.).

As reformas de ajuste estrutural, impostas pelos organismos financeiros situados em Washington aos países em desenvolvimento, permitiram um amplo processo de reterritorialização capitalista sob a égide dos Estados Unidos. Os organismos internacionais de financiamento contemplam um conjunto de mecanismos que se caracterizam pelas seguintes ações: expressam e disseminam as normas universais de uma hegemonia mundial, legitimam ideologicamente as normas do capital global, operam no cooptação das elites dos países periféricos e absorvem as ideias contra hegemônicas (AZEVEDO, 2011AZEVEDO, Mário L. N. O campo global da educação superior, as organizações internacionais e a hegemonia mercadorizante. In: OLIVEIRA Dalila A.; PINI, Mónica E.; FELDFEBER, Myriam. Políticas educacionais e trabalho docente: perspectiva comparada. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011, p. 117-145.). Os Estados Unidos, em face de sua supremacia econômica e militar, asfixiam as culturas locais, ao nível global, por meio da eliminação e/ou opressão das singularidades políticas e da formação de uma subjetividade empresarial, comprometida com os valores de mercado. A racionalidade capitalista, responsável pela formação de uma cultura de cunho empresarial e pelo reordenamento político-econômico em âmbito mundial, redefine o papel e as funções da educação superior no contexto da acumulação flexível. As políticas e reformas educacionais, consubstanciadas conforme as orientações econômicas, provocaram alterações na lógica de financiamento e no modelo de gestão da educação superior, com fortes implicações sobre a cultura acadêmica. A privatização exógena da educação ganha impulso, sobremaneira, na década de 1980, quando agências federais norte-americanas, em articulação com o Congresso, elaboraram um conjunto de políticas com o intuito de estreitar os vínculos entre o mundo dos negócios e a educação superior (RHOADES; SLAUGHTER, 1997OCDE. Perspectivas de la OCDE en Ciencia, Tecnología e Innovación em América Latina 2016 (Extractos). Centro de la OCDE en México para América Latina, 2018., p. 24)

A implementação de políticas educacionais em consonância com os interesses econômicos e empresariais pressionou as universidades a desenvolver pesquisas com um foco estritamente comercial. Ao intensificar as conexões entre as universidades e o setor empresarial, pretendia-se aumentar a eficiência e a competitividade das empresas americanas na economia global. Na interpretação de Rhodes e Slaughter (1997), as mudanças legislativas federais, impostas ao campo da educação superior, pleitearam a fusão entre o setor público e privado, em formas híbridas, e a produção de conhecimentos científicos e tecnológicos comprometidos com o aperfeiçoamento de produtos e processos para os mercados globais. As tecnologias políticas de avaliação e de privatização exógena da educação superior, centradas no princípio da inovação científica e tecnológica e na lógica de crescimento econômico, estimularam o aumento da competitividade entre as universidades de pesquisa por novas fontes de captação de recursos financeiros (públicos e privados) e a aceleração e/ou adequação da produção para a obtenção de melhores posicionamentos nos rankings universitários. A adequação das universidades às necessidades do mercado industrial e empresarial impulsionou a capitalização da propriedade intelectual e da produção acadêmica. A privatização e a mercantilização da educação superior, por meio da ampliação do setor privado/mercantil e da comercialização da ciência acadêmica, fomentaram a materialização e a expansão do chamado academic capitalism (RHOADES; SLAUGHTER, 1997OCDE. Perspectivas de la OCDE en Ciencia, Tecnología e Innovación em América Latina 2016 (Extractos). Centro de la OCDE en México para América Latina, 2018.).

A reterritorialização capitalista no campo da educação superior, caracterizada pela redução dos gastos públicos e apoio à privatização, transformou o conhecimento em mercadoria, à venda no setor privado/mercantil para obtenção de diploma de nível superior e adaptado ao mundo dos negócios pelas universidades públicas de pesquisa. A ascensão do capitalismo acadêmico e da “economia do conhecimento”, pela via do empresariamento da educação, provocou profundas transformações no papel das instituições superior e do trabalho acadêmico, suscitou mudanças nas condições de trabalho e na identidade do trabalhador docente e introduziu as universidades na nova economia mundial. O empresariamento da educação conseguiu associar conceitos, a princípio distinto e, por vezes, considerados dicotômicos, a partir de finalidades compartilháveis, no que tange ao projeto neoliberal, a saber: educação-mercado, público-privado, academia-capital, universidade-empresa/indústria, ciência-tecnologia, professor-empreendedor, conhecimento-economia, eficiência-dinheiro, financiamento-captação, autonomia-heteronomia, nacional-internacional, local-global. Com a ascensão do capitalismo neoliberal, as pesquisas científicas desenvolvidas pelas universidades passam a desempenhar uma única função: a produção de conhecimentos, matéria-prima centrada na lucratividade e no crescimento econômico. O processo de mercadização do conhecimento, em voga nas últimas décadas, reduz a pesquisa científica aos preceitos da eficiência e do desenvolvimento tecnológico. Para o novo ciclo de expansão capitalista, a ciência acadêmica, voltada para o desenvolvimento e transferência de conhecimentos, matéria-prima à indústria e ao setor empresarial, constitui-se o principal motor propulsor da economia global. A racionalidade capitalista neoliberal encontra na educação superior uma nova fonte de produção e acumulação financeira (SILVA JÚNIOR, 2017SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez, 2009.).

O capitalismo acadêmico está transformando paulatinamente o contexto político e econômico da educação superior na América Latina. As reformas neoliberais da educação superior, implementadas nas últimas décadas em países como o Brasil e a Argentina, enalteceram as tecnologias políticas de privatização exógena da educação superior, preconizadas pelos organismos financeiros internacionais (Banco Mundial, FMI, OMC, OCDE, UNESCO dentre outros). O documento intitulado La Enseñanza Superior: las perspectivas de La experiencia, lançado pelo Banco Mundial, em meados da década de 1990, oxigenou a expansão de uma cultura acadêmico-mercantil na América Latina. Os Estados nacionais foram orientados a estimular a ampliação do setor privado e garantir uma maior autonomia às instituições públicas de educação superior, desafiando-as a diversificar suas fontes de financiamento e utilizar, de forma mais eficiente, os recursos financeiros. Por meio de intensas pressões políticas e econômicas, o capitalismo neoliberal, impulsionado globalmente pelas organizações hegemônicas supranacionais, visa, a todo custo, adequar os modelos de gestão da educação superior dos países periféricos, incluindo os latino-americanos, aos princípios de gestão empresarial da New American University (SILVA JÚNIOR, 2017SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez, 2009.; SCHUGURENSKY; NAIDORF, 2004SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.). No contexto de acumulação capitalista pós-industrial, a privatização exógena da educação superior tem se configurado um dos principais mecanismos, apregoados pelos precursores de políticas neoliberais, para viabilizar a abertura e a intensificação do capitalismo acadêmico na América Latina. Diante dessas tendências privatistas e mercantilistas, na sequência busca-se compreender como o capitalismo acadêmico vem se constituindo no Brasil e na Argentina.

OS RUMOS DA PRIVATIZAÇÃO EXÓGENA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL E NA ARGENTINA

A reterritorialização capitalista no campo da educação superior, em marcha, nas últimas décadas, em países como o Brasil e Argentina, dimana de intensas reformas de ajuste estrutural, conduzidas e financiadas pelos precursores do projeto neoliberal/conservador, conforme os interesses norte-americanos. As reformas e modernização dos Estados nacionais, consubstanciado pelo Consenso de Washington e alavancados pelos organismos multilaterais, possibilitaram a disseminação de políticas privatistas e mercantilistas na América Latina. A racionalidade capitalista contemporânea exerce, por meio da expansão da subjetividade empresarial e da captura da decisão pública por parte das elites econômicas, uma forte pressão em direção à substituição de uma administração centrada nos princípios do direito público, comprometida com as políticas de proteção social, por uma gestão pública inspirada sistematicamente em lógicas de concorrência e em métodos de governos empregados em empresas privadas. As mudanças concernentes ao “formato” e ao papel do Estado, em voga em diferentes países latino-americanos, demarcaram o enxugamento da máquina estatal, a presença de representantes do setor privado em cargos de gestão e na formulação de políticas públicas e a delegação de grande parte das suas funções ao setor privado/empresarial. A introdução de um novo modelo de gestão pública e a subordinação das estratégias nacionais às exigências estabelecidas pela economia global implicou alterações no campo das políticas públicas, em especial das políticas sociais, interferindo na lógica de gestão e financiamento da educação superior (BECHI, 2017BECHI, Diego. As reformas da educação superior e as metamorfoses do trabalho docente na economia capitalista flexível. Revista Internacional de Educação Superior, Campinas, SP, v.3, n.1, p. 203-223, jan./abr. 2017, 2019; SAFORCADA et al., 2019RHOADES, Gary; SLAUGHTER, Sheila. Academic Capitalism, Managed Professionals, and Supply-Side Higher Education. Social Text 51, V. 15, N. 2, Summer, 1997.).

A ascensão do capitalismo acadêmico na América Latina emana das mudanças nas prioridades de investimento público da educação, das transferências de serviços, funções e responsabilidade ao setor privado e da introdução de parcerias público-privadas. A privatização exógena da educação superior, alavancada por meio de políticas de liberalização e comercialização, tem imposto aos Estados Nacionais a implementação de modelos complexos de gestão, regulação e financiamento pautados na hibridização entre o setor público e as empresas ou corporações privadas (MOSCHETTI; FONTDEVILA; VERGER, 2017MARTINS, Carlos B. A Reforma Universitária de 1968 e a abertura para o ensino superior privado no Brasil. Educ. Soc., Campinas, vol. 30, n. 106, p. 15-35, jan./abr. 2009.). As tecnologias políticas de “boa governança” estimularam, a partir de incentivos financeiros, fiscais e políticos, a mercantilização da educação superior, caracterizada, de modo geral, pela expansão do setor privado/mercantil e pela crescente subordinação das universidades públicas às regras do mercado. Ao analisar e caracterizar a emersão do capitalismo acadêmico nos Estados Unidos, nas décadas de 1980 - 1990, Rhoades e Slaughter (1997OCDE. Perspectivas de la OCDE en Ciencia, Tecnología e Innovación em América Latina 2016 (Extractos). Centro de la OCDE en México para América Latina, 2018., p. 16) partem do princípio de que o advento da nova economia estaria colocando a educação superior na vanguarda da fusão entre o público e o privado em formas híbridas. A racionalidade capitalista teria incorporado comportamentos de mercado e pró-mercado no campo da educação superior, a fim de estimular a comercialização de serviços educacionais, a adequação das pesquisas universitárias aos interesses do mercado e uma maior vinculação de recursos públicos em IES privadas. Esse modelo de gestão e financiamento da educação superior aos moldes neoliberais, conhecido por romper com a dicotomia “público versus privado”, se proliferou nos países periféricos, tomando de assalto as reformas educacionais geridas no Brasil e na Argentina (COSTA; GOULART, 2018CLAUS, Augustín; SANCHEZ, Belén. El financiamiento educativo en la Argentina: balance y desafíos de cara al cambio de década. Documento de Trabajo N° 178, Buenos Aires: CIPPEC/Área de Desarrollo Social, fev. 2019.).

O Brasil vem se configurando, no decorrer das últimas décadas, em um celeiro de orientações e políticas privatistas e economicistas, comprometidas, sobretudo, com a flexibilização dos processos de trabalho e produção, o enxugamento e/ou (re)direcionamento dos investimentos públicos e a expansão da lógica de mercado para além da esfera produtiva. As reformas político-econômicas nacionais, projetadas e materializadas segundo a racionalidade toyotista/neoliberal, impulsionaram a privatização e a instrumentalização da educação superior brasileira aos interesses econômicos. Como está sendo organizada e estruturada, a educação superior contempla as transformações propaladas pelo regime de acumulação flexível: redução dos gastos públicos; introdução de mecanismos de gestão inspirados na iniciativa privada; consolidação da lógica de mercado; abertura ao capital estrangeiro; flexibilização da produção e do trabalho; prevalência da lógica produtivista e da competitividade (BECHI, 2019BECHI, Diego. A subjetivação capitalística como mecanismo de precarização do trabalho docente na educação superior brasileira. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2019.). No Brasil, as pressões exercidas por grupos empresariais sobre a elaboração e materialização de políticas educacionais, as tentativas de adequação da educação aos projetos de desenvolvimento econômico e aos interesses do mercado e a presença de uma “concepção produtivista de educação” podem ser observadas desde a Reforma Universitária de 1968 (Lei n. 5.540/1968), aprovada no governo de Costa e Silva - o segundo do período militar (SAVIANI, 2008SAURA CASANOVA, Geo; MUÑHOZ MORENO, José L. Prácticas neoliberales de endo-privatización y nuevas formas de resistencia colectiva en el contexto de la política educativa española. Revista Educación, Política y Sociedad, n. 1, julio/diciembre , 2016, 43-72., p. 297).

Entre os anos de 1945 e 1965, ocorreu a ampliação da rede federal, sobremaneira, a partir do processo de federalização das instituições privadas e estaduais, proporcionando um crescimento exponencial da educação pública, que saltou de “21 mil para 182 mil matrículas, em 20 anos”. (MARTINS, 2009LUENGO NAVAS, Julián; SAURA CASANOVA, Geo . La performatividad en la educación. La construcción del nuevo docente y el nuevo gestor performativo REICE. Revista Iberoamericana sobre Calidad, Eficacia y Cambio en Educación, Madri, vol. 11, n. 3, 2013, p. 139-153., p. 17). Na sequência, as reformas implementadas a partir de 1964 proporcionaram avanços no âmbito da educação superior e da pesquisa científica do país, incluindo: a expansão do sistema de pós-graduação, com significativos investimentos em modernização e infraestrutura; a construção de laboratórios; incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico, para formação de recursos humanos qualificados; a edificação de novos campus universitários; a ampliação de vagas; a melhoria dos salários e formação de carreira docente, dentre outros. Embora tenham sido registrados avanços, o golpe de 1964, articulado por empresários e militares, deu origem a um conjunto de mecanismos para inverter a lógica de crescimento da educação superior, de modo a favorecer o setor privado. A expansão da educação superior não prosperou em termos de democratização do acesso, prevalecendo um modelo de educação que privilegia o ingresso da classe endinheirada e/ou dotada de capital cultural. Centrada no argumento da falta de recursos financeiros, a reforma universitária de 1968, que entrou em vigor poucos dias antes do Ato Institucional 5 (AI 5), se propôs a ampliar a demanda com menor custo, sendo que a racionalização e otimização dos recursos se daria por meio do incentivo à privatização e ao desenvolvimento do mercado educacional. As políticas educacionais, implementadas no regime militar, viabilizaram o desenvolvimento de instituições aos moldes de empresas educacionais, voltadas para o lucro e o crescimento econômico. De acordo com Martins (2009LUENGO NAVAS, Julián; SAURA CASANOVA, Geo . La performatividad en la educación. La construcción del nuevo docente y el nuevo gestor performativo REICE. Revista Iberoamericana sobre Calidad, Eficacia y Cambio en Educación, Madri, vol. 11, n. 3, 2013, p. 139-153., p. 15), “em função do modelo implantado, que privilegiou uma estrutura seletiva, acadêmica e socialmente, o atendimento da crescente demanda por acesso ao ensino superior passou a ser feito pelo ensino privado, que se organizou por meio de empresas educacionais”. Entre 1968 e 1976, registrou-se um crescimento de 129 para 222 instituições públicas de ensino superior; crescimento muito inferior ao registrado pelo setor privado, que saltou de 243 para 663 instituições (SAVIANI, 2008SAURA CASANOVA, Geo; MUÑHOZ MORENO, José L. Prácticas neoliberales de endo-privatización y nuevas formas de resistencia colectiva en el contexto de la política educativa española. Revista Educación, Política y Sociedad, n. 1, julio/diciembre , 2016, 43-72., p. 300).

Porém, as principais transformações em direção à capitalização do conhecimento e do trabalho acadêmico ocorreram, sobremaneira, a partir da Reforma do Aparelho do Estado, de 1995. A intensa atividade reformadora, empreendida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC/1995 - 2002) no campo da administração pública, proporcionou alterações nas funções e no papel político e jurídico do Estado, em articulação com as exigências da nova ordem econômica mundial. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL/MARE,1995BRASIL. MARE. Plano Diretor da Reforma do Estado. Presidência da República. Brasília, 1995.), ao estabelecer as estratégias necessárias à chamada modernização e aumento de eficiência da administração pública, situou as universidades e os centros de pesquisas entre os serviços não exclusivos e competitivos do Estado. Na transição para o modelo gerencial, as universidades públicas deveriam ser transferidas à propriedade pública não estatal, representada pelas fundações de direito privado ou organizações sociais sem fins lucrativos. Nesses termos, o serviço continua sendo de interesse público, pois não visa lucro, mas não faz mais parte do aparelho do Estado, podendo ser prestado por empresas privadas ou por organismos da sociedade civil. Na prática, o processo de modernização do Estado gerou um crescente afastamento do Estado no que concerne aos investimentos e ao financiamento da educação superior. A retração do Estado obrigou as IES públicas a procurar por fontes alternativas de financiamento, abriu espaço para a entrada do capital no campo acadêmico e estimulou a transformação desse setor em um bem de serviço comercializável, caracterizado pela predominância dos interesses privados/mercantis. As medidas políticas e orçamentárias, desenvolvidas em consonância com as diretrizes sumarizadas no Consenso de Washington, provocaram mudanças na educação superior em direção ao paradigma da New American University (BECHI, 2013BECHI, Diego. O financiamento da educação superior: uma análise do PNE 2001-2010. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2013., 2019; SILVA, JÚNIOR, 2017SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez, 2009.; VILLARDI; OLIVEIRA; 1999UNIVERSITAD DE BUENOS AIRES. Resolución (CS) 1655, de setembro de 1987. Reglamentación sobre actividades de cooperación tecnica, producción de bienes, asesoramiento e incremento de subsidios de investigaciones, 1987. Disponível em: Disponível em: http://www.uba.ar/convenios/archivos/1655-87.pdf . Acesso em: 09 de set. de 2020.
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).

A privatização exógena da educação superior brasileira obteve respaldo político e legal com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN/1996) - documento proclamado favorável às políticas neoliberais praticadas pelo governo. A Lei n. 9394/96 (Art.53 e Art.54) concede uma maior autonomia financeira às IFES, autorizando-as a buscar fontes adicionais de recursos junto a outras esferas do setor público e ao setor privado. Esse novo modelo de universidade, conforme salienta Sguissardi (2009SCHUGURENSKY, Daniel; NAIDORF, Judith. Parceria universidade-empresa e mudanças na cultura acadêmica: análise comparativa dos casos da Argentina e do Canadá. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 88, p. 997-1022, Especial- Out. 2004., p. 126), “além de mover-se no espaço competitivo do mercado ou do quase mercado para a obtenção de recursos alternativos, exige a adoção, por essas instituições, de uma gestão com forte estilo corporativo-empresarial”. A valorização da “autonomia financeira”, em detrimento do princípio constitucional da “autonomia de gestão financeira”, condiciona as IES aos interesses do capital privado. Além disso, a LDBEN/1996 (Art. 19 e Art.20) reconhece as instituições privadas com fins lucrativos, autorizando-as a se expandirem como empresas lucrativas. Em atribuição a essa proposição, nos anos subsequentes à sua promulgação, foram publicados, respectivamente, os decretos n.º 2.207/97, n.º 2.306/97 e n.º 3.860/01, os quais estabeleceram distinções inéditas no que diz respeito à natureza jurídica e à organização acadêmica das instituições de educação superior (IES). No octênio FHC, as instituições privadas obtiveram apoio financeiro do Estado, por meio da aprovação do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), criado a partir da Lei 10.260/2001. O programa, cujo objetivo social é financiar os estudantes de graduação matriculados em IES não gratuitas, proporcionou incentivo direto (títulos da dívida pública) e indiretos (isenção previdenciária) ao setor privado (BECHI, 2013BECHI, Diego. O financiamento da educação superior: uma análise do PNE 2001-2010. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2013.; 2019; SGUISSARDI, 2009SCHUGURENSKY, Daniel; NAIDORF, Judith. Parceria universidade-empresa e mudanças na cultura acadêmica: análise comparativa dos casos da Argentina e do Canadá. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 88, p. 997-1022, Especial- Out. 2004.).

No que diz respeito ao desenvolvimento de tecnologias políticas para expansão de IES privadas no Brasil, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 - 2010), além de fortalecer e expandir os Fies, implementou o Programa Universidade para Todos (ProUni), regulamentado pela lei n.º 11.096/2005. As instituições de educação superior, credenciadas ao programa, disponibilizam a sua estrutura física, mediante a concessão bolsas de estudos integrais ou parciais (25% a 50%) a estudantes de baixa renda, não portadores de diploma de nível superior, em troca de imunidade e isenção de tributos. Esse processo de privatização exógena da educação superior é fortalecido em face da caracterização da educação a distância (EaD) como modalidade educacional (Decreto n. 5.622/2005). Além disso, a modalidade de educação a distância, atualmente regulamentada pelo decreto n. 9057/2017, contribui para a ampliação do número de vagas nas IES públicas em tempos de retração financeira do Estado no campo da educação. O Estado brasileiro encontrou, a partir da modalidade EaD, uma maneira de driblar a própria irresponsabilidade com o setor educacional na tentativa de atingir a meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE/2014 - 2021BECHI, Diego. O financiamento da educação superior: uma análise do PNE 2001-2010. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2013.), que determina elevação da taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e da taxa líquida em 33% da população de 18 e 24 anos. Nesse contexto de privatização exógena da educação superior, não se pode deixar de citar a Lei de Inovação Tecnológica (Lei n.º 10.973BRASIL. Lei 10.973, de 02 de dezembro de 2004. Dispõe sobre os incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambien¬te produtivo. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 03 de dezembro de 2004.), o Novo Marco de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei n. 13.243/2016) e a Portaria n. 1.122 de 19.03.2020.

No que tange ao financiamento e ao fortalecimento do setor público, o governo de FHC vetou, ao sancionar a Lei n. 10.172/2001, que instituiu o primeiro Plano Nacional de Educação (PNE 2001 - 2010) enquanto política de Estado no Brasil, a meta que estabelecia a “elevação do percentual de gastos públicos em relação ao PIB, aplicados em educação, para atingir o mínimo de 7%”. (Item 11.3, subitem 1). Embora com algumas ressalvas, devido aos importantes avanços nos indicadores da educação superior pública nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff (2011 - 2016), essa meta não foi atingida por nenhum governo brasileiro até o ano de 2020. Em 2014, o governo de Dilma Rousseff aprovou, sem vetos e sob forte pressão social, o PNE 2014 - 2024 (Lei n. 13.005/2014BRASIL. Lei n. 13.005/2014, de 25 de junho de 2015. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 de junho de 2014.), que determina a ampliação do “investimento público em educação pública para atingir […] o equivalente a 10% do PIB até o final do decênio” (Meta 20) e a “expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas no segmento público” (Meta 12). Porém, o otimismo popular e político em relação ao fortalecimento da educação superior foi interrompido com o golpe de 2016. O governo de Michel Temer (2016 - 2018) aprovou a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Público - PEC do teto dos gastos (Câmara - PEC241/ Senado Federal - PEC55), que congela os investimentos públicos em educação pelos próximos 20 anos, e iniciou uma forte retração do Estado em relação ao financiamento da educação superior. Para completar o ciclo de descaso com a educação superior, o governo de Jair M. Bolsonaro (JMB/2019 - 2022) menosprezou as metas sociais da educação, imprimiu intensos ataques às IES públicas, reduziu os investimentos públicos e provocou um significativo corte em bolsas de mestrado e doutorado oferecidas pela Capes, com maior impacto sobre as áreas de humanas (BECHI, 2019BECHI, Diego. A subjetivação capitalística como mecanismo de precarização do trabalho docente na educação superior brasileira. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2019.; 2013).

Assim como no Brasil, a privatização exógena da educação superior na Argentina está estritamente ligada às políticas (privatistas) de financiamento público da educação e à presença do setor privado (fundações, empresas, ONG`s) na construção e implementação de políticas públicas. Os mecanismos políticos de privatização, aprovados no decorrer das últimas décadas, determinaram a vinculação de recursos públicos à manutenção e ao fortalecimento da educação privada. A consolidação do Estado como fonte de financiamento do setor privado ocorreu, sobretudo, em 1948, com a aprovação da Lei n. 13.343/48. Após o golpe de 1955, grupos empresariais e religiosos passaram a se manifestar a favor dos subsídios financeiros ao setor privado e contra a educação pública. Em 1956, o governo de Pedro Eugenio Aramburu Cilveti (1955 - 1958) implementou o Decreto n. 6.403/56, cujo artigo 28 habilitava as universidades privadas a expedir títulos e diplomas e receber financiamento do Estado. Essa disposição foi suspensa até 1958, quando o governo de Arturo Frondizi (1958 - 62) aprovou a Lei n. 14.557/58 (Ley Domingorena) e, posteriormente, o Decreto regulamentar 1404/59, inaugurando o primeiro marco regulatório das IES privadas no país. Embora tenha permitido a concessão de títulos e diplomas acadêmicos pelas IES privadas, a Ley Domingorena proibiu a destinação de aportes financeiros estatais ao setor privado. As políticas privatistas, implementadas nesse período, favoreceram a criação de universidades confessionais, gestadas pela Igreja Católica, e universidades vinculadas a interesses particulares e empresariais, contrapondo-se ao modelo hegemônico, laico e unitário de universidade pública, que dominava o sistema educacional argentino desde a Reforma Universitária de 1918 (SAFORCADA et al., 2019RHOADES, Gary; SLAUGHTER, Sheila. Academic Capitalism, Managed Professionals, and Supply-Side Higher Education. Social Text 51, V. 15, N. 2, Summer, 1997.; FELDFEBER et al., 2019DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo , 2017.).

A Ley Federal de Educacíón (LFE/n. 24.195), sancionada pelo governo de Carlos Menem (1989 - 1999), em 1993, rompeu com a dicotomia entre público e privado ao estabelecer que a educação de gestão privada também deveria ser considerada pública. Para os precursores das reformas neoliberais da educação, aprovadas na Argentina no decorrer da década de 1990, a distinção entre a educação pública e privada resume-se, unicamente, ao problema de gestão das instituições, sendo-as assim caracterizadas: educação pública de gestão estatal e educação pública de gestão privada. A conceitualização de que “toda a educação é pública”, defendida pelo setor privado e pelos empresários ligados ao campo da educação, deu-lhes o direito de participar do financiamento educativo, conforme prevê o princípio de justiça distributiva, presente no Art. 14 da Constitucion de la Nacion Argentina de 1994. A vinculação da educação de gestão privada ao campo da educação pública garantiria uma maior vinculação de recursos do Estado à educação privada. Para justificar esses ajustes, os movimentos neoliberais a favor da privatização da educação potencializaram a retórica eficientista, própria do campo empresarial, que exalta a suposta performatividade, eficácia, qualidade e produtividade do setor privado e caracteriza a educação estatal como ineficiente, burocrática e pouco racional na utilização dos recursos públicos. No período entre 1990 e 1995 foram inauguradas 20 universidades privadas, sendo duas de caráter religioso (uma católica e a outra protestante) e as demais de natureza empresarial ou centradas no desenvolvimento de pesquisa de excelência (SAFORCADA et al., 2019RHOADES, Gary; SLAUGHTER, Sheila. Academic Capitalism, Managed Professionals, and Supply-Side Higher Education. Social Text 51, V. 15, N. 2, Summer, 1997.; FELDFEBER et al., 2019DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo , 2017.).

Em 1995, o governo de Carlos Menem sancionou a Ley de Educación Superior (LES/ n. 24.521) com o intuito de diminuir os gastos públicos e ampliar o desempenho, a produtividade e, simultaneamente, a autonomia econômico-financeira das universidades públicas. Para isso, a LES estimulou o desenvolvimento de mecanismos de avaliação externa e de prestação de contas (Art.44) e a captação de recursos financeiros adicionais por meio da cobrança de taxas e da venda de serviços aos setores público e privado (Art.59). Embora tenha elevado a autonomia econômico-financeira das universidades, a LES foi restritiva ao setor privado/mercantil ao determinar que as instituições universitárias privadas deveriam se constituir como instituições sem fins lucrativos (Art. 62) (SAFORCADA et al., 2019RHOADES, Gary; SLAUGHTER, Sheila. Academic Capitalism, Managed Professionals, and Supply-Side Higher Education. Social Text 51, V. 15, N. 2, Summer, 1997.; ARGENTINA, 1995ARGENTINA. Ley Nº 24.521, de 20 de Julio de 1995. LEY de educacion superior. Boletín Oficial de la República Argentina, 10 de Agosto de 1995.).

Nos governos de Néstor Kirchner (2003 - 2007) e Cristina Fernández de Kirchner (2007 - 2015) ocorreram significativos avanços na criação de universidades estatais, acompanhadas por um incremento de instituições de caráter privado. A revogação da Ley Federal de Educacíón (LFE) e a aprovação da Ley de Educación Nacional (LEN/ n. 26.206), no ano de 2006, manteve a conceitualização que inclui o setor privado no campo da educação pública e fixou a educação como direito social e de responsabilidade do Estado. Embora tenham defendido o direito à educação e elevado o financiamento público, os governos kirchneristas viabilizaram, de acordo com Saforcada (2019RHOADES, Gary; SLAUGHTER, Sheila. Academic Capitalism, Managed Professionals, and Supply-Side Higher Education. Social Text 51, V. 15, N. 2, Summer, 1997., p. 117), processos de privatização da política educacional e o aprofundamento da lógica de mercado no âmbito da educação superior. Em 2015, ao final do governo, Cristina Kirchner chegou a sancionar a Lei 27204/2015, na qual proíbe as IES de gestão estatal a executar acordos e convênios com o setor público ou privado com finalidades lucrativas, ou que despertem formas de mercantilização (Art. 3). Por fim, com a vitória de Mauricio Macri (2015 - 2019), fiel representante do setor empresarial, iniciou-se um “giro conservador” na Argentina. O governo neoliberal de Macri deu suporte a um amplo processo de desmantelamento das universidades públicas por meio de cortes orçamentários e da precarização das condições de trabalho do docente/pesquisador. Além disso, as reformas do governo provocaram um desastroso corte nas bolsas de pesquisas e a redução de, aproximadamente, 55% do orçamento destinado à área de ciência e tecnologia (CLADE, 2019CLADE (Campaña Latino Americana por el Derecho a la Educación). Cómo avanza la privatización de la educación em América Latina y el Caribe?. Octubre, 2019.; FELDFEBER et al., 2019DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo , 2017.).

Quanto ao financiamento da educação na Argentina, o Art. 9 da Ley de Educación Nacional (Lei n. 26.206/2006), sancionada em 2006, estabelece que os recursos destinados, exclusivamente, ao campo educação não será inferior a 6% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2006, o investimento em educação correspondia a 4,3% do PIB, saltando para 5,5% em 2011 e atingindo a meta estabelecida pela Lei n. 26206/2006, em 2015, quando registrou 6,1% do PIB, o maior da história da Argentina. Após esse período, houve queda, chegando a 5,7% em 2017. Essa diminuição do investimento em educação é, na realidade, ainda maior em razão da queda, concomitante, do PIB nacional. Para Claus e Sanchez (2019CLADE (Campaña Latino Americana por el Derecho a la Educación). Cómo avanza la privatización de la educación em América Latina y el Caribe?. Octubre, 2019., p. 7), a queda dos investimentos em educação entre 2016 e 2019 giraria em torno dos 19% em termos reais. Essa retração orçamentária trouxe um grande prejuízo financeiro à educação superior, oxigenando mecanismos de privatização exógena. No Brasil, o investimento total em educação em relação ao PIB, correspondia a 4,9% em 2005, passou para 5,0% em 2011 e atingiu 6,3% em 2016, mantendo-se o mesmo percentual em 2017. Na educação superior, os percentuais de investimento foram de 0,8% (2006), 1,0% (2011) e 1,4% (2016), chegando a 1,5% em 2017.

No que diz respeito ao número de instituições de ensino superior por categoria administrativa na Argentina, contabilizou-se, conforme a síntese 2018 - 2019, um total de 67 instituições estatais (61 nacional e 6 provinciais), sendo que 52 são universidades e apenas 5 institutos universitários. No setor privado, somam-se 63 IES, subdivididas em 50 universidades e 13 institutos universitários. Entre as IES estatais, 35% são pequenas (abaixo de 10.000 estudantes), 51% são de porte médio (entre 10.000 e 50.000 estudantes) e 12,9% são grandes (acima de 50.000 estudantes) (ARGENTINA, 2019ARGENTINA. Síntesis de Información Estadísticas Universitarias 2018-2019. Departamento de Información Universitaria, 2019.). Enquanto isso, no setor privado os percentuais são de 76%, 22% e 1,6%, respectivamente. Isso reflete no número de estudantes por categoria administrativa: 1.640.405 estudantes se encontram nas IES estatais (78,2%) e 430.865 estudantes no setor privado (20,8%). O Brasil, por sua vez, encontra-se em um estágio mais avançado de expansão do setor privado na educação superior. Em 2018, registrou-se um total de 299 (21,8%) IES públicas (federais, estaduais e municipais) e 2.238 (88,2%) IES privadas. No que diz respeito ao número de universidades, contabilizou-se 107(53,8%) públicas e 92 (46,2) privadas. Entre as IES privadas predominam as faculdades (86% - 1.929 IES). Entre as 2.537 IES de educação superior no Brasil, 81,5% são faculdades. Nesse período, 3,4 milhões de alunos ingressaram em cursos de graduação. Desse total, 81% em IES privadas, sobretudo em cursos de graduação a distância. No período entre 2008 e 2018, a rede privada cresceu 59,3% contra 7,9% da rede pública (BRASIL, 2019).

A ASCENSÃO DO REGIME CAPITALISTA DE CONHECIMENTO E A ADEQUAÇÃO DA PESQUISA CIENTÍFICA AOS INTERESSES DO MERCADO

A ascensão do capitalismo acadêmico em países como o Brasil e a Argentina, impulsionada pelas reformas político-econômicas neoliberais, tem provocado profundas transformações na cultura acadêmica e no papel das universidades (públicas e privadas sem fins lucrativos). Dentre as ações adotadas pelos governos nacionais, destacam-se: a implementação de políticas educacionais de cunho privatistas e economicistas; o redirecionamento dos investimentos públicos em prol de pesquisas vinculadas ao setor industrial e empresarial; a privatização e a comercialização de conhecimentos; e a formação de universidades empreendedoras. A nova lógica de avaliação e financiamento da educação superior e das pesquisas científicas, pautada no princípio da competição e do crescimento econômico, vem forçando as universidades a priorizar a ciências aplicada e empreendedora, destinada à transferência de tecnologias e ao fortalecimento do setor produtivo e empresarial. Os Estados nacionais passaram a vincular os recursos financeiros aos projetos de pesquisa comprometidos com a produção de conhecimentos comercializáveis, compatíveis com o crescimento da produtividade e do lucro. As políticas educacionais de cunho neoliberais, projetadas pelo governo norte-americano e disseminadas ao nível mundial, determinam a privatização do conhecimento, valorizam o conhecimento como um bem privado e postulam uma ciência alinhada às possibilidades comerciais (BRUNNER et al., 2019BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A crise da América Latina: consenso de Washington ou crise fiscal?Pesq. Plan. Econ., Rio de Janeiro, v. 21, n. 01, abr. 1991.). Diante do cenário de retração dos Estados-nação e das novas prioridades de financiamento educacional, as universidades de pesquisa não recorrem aos interesses do mercado apenas para competir por dinheiro privado, mas para obter novas fontes de financiamento público (RHOADES; SLAUGHTER, 1997OCDE. Perspectivas de la OCDE en Ciencia, Tecnología e Innovación em América Latina 2016 (Extractos). Centro de la OCDE en México para América Latina, 2018.).

Na nova fase de expansão e acumulação capitalista, o conhecimento passa a ser visto como um fator econômico, capaz de impulsionar a inovação e, concomitantemente, o espírito competitivo das empresas no cenário global. A economia baseada no conhecimento, batizada pela literatura econômica e política de “economia do conhecimento”, tornou-se uma das principais peças da política neoliberal. De acordo com Laval (2015HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo, SP: Loyola, 2014., p. 8), a “economia do conhecimento” é, de fato, a expressão oficial da racionalidade política subjacente, que legitima e impulsiona as transformações atuais impostas ao processo de produção de conhecimento. A racionalidade capitalista neoliberal viabilizou a implementação generalizada e sistemática de uma lógica de mercado dentro do campo científico e acadêmico. As pesquisas científicas desenvolvidas pelas universidades passam a ser orientadas e financiadas com base no princípio da inovação, com o intuito de maximizar a produção e, consequentemente, intensificar a competição das empresas públicas e privadas no mercado nacional e, principalmente, internacional. O princípio da inovação, reconhecido pela racionalidade capitalista por diminuir o gap entre ciência e tecnologia, estreitou os vínculos entre as universidades de pesquisa e as empresas/indústrias, tornando-se, para o projeto hegemônico global, a chave para o crescimento econômico e sustentável. Esse direcionamento do conhecimento ao cerne das questões econômicas decorre, em grande medida, das pressões desempenhadas ao nível mundial, sobretudo a partir da década de 1990, por organizações econômicas como o Banco Mundial, a OCDE e, posteriormente, pela Comissão Europeia (LAVAL, 2015HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo, SP: Loyola, 2014.; SILVA JÙNIOR, 2017SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez, 2009.; OCDE, 2018OCDE. Perspectivas de la OCDE en Ciencia, Tecnología e Innovación em América Latina 2016 (Extractos). Centro de la OCDE en México para América Latina, 2018.).

A pesquisa pública passa a fazer sentido quando vinculada ao princípio da inovação tecnológica. As universidades de pesquisa são determinadas, por meio de uma matriz político-ideológica conservadora e mercantil, a produzir conhecimento diretamente rentável e em simbiose com a comunidade empresarial - o chamado conhecimento matéria-prima. De acordo com Silva Júnior (2017SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez, 2009., p. 129), “trata-se de conhecimento pronto para ser transformado em produtos de alta tecnologia, novos processos de produção e serviços e está relacionado à possibilidade de lucros imediatos no âmbito econômico”. A concepção econômica de conhecimento e as crescentes pressões para tornar os orçamentos das universidades autossustentáveis provocaram a subordinação das universidades e das pesquisas científicas às demandas empresariais. A capitalização da educação superior e do trabalho acadêmico exige que as universidades sejam transformadas em negócio e adotem um modelo de gestão empresarial. O regime público de conhecimento, pautado na liberdade acadêmica e no incentivo a uma “ciência aberta” e desinteressada (não mercantil), é gradualmente suplantado por um modelo de “ciência fechada” ou orientada para o mercado. As universidades empreendedoras, constituídas, inicialmente, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, no lugar da antiga universidade humboldtiana do início do século XIX, permitiram a ascensão e a predominância do capital no mundo acadêmico (LAVAL, 2015HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo, SP: Loyola, 2014.; BRUNNER et al., 2019BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A crise da América Latina: consenso de Washington ou crise fiscal?Pesq. Plan. Econ., Rio de Janeiro, v. 21, n. 01, abr. 1991.; SCHUGURENSKY; NAIDORF, 2004SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.).

As tecnologias políticas de privatização exógena da educação superior e o aprofundamento da economia do conhecimento estimula a construção de novas identidades pessoais e de comportamentos de mercado nas universidades de pesquisa ao redor do mundo. Nesse sentido, os (neo)pesquisadores transformam-se em “empreendedores de si” (sujeito empresarial), comprometidos com a captura de recursos financeiros e obtenção de gratificações salariais. Concomitantemente, os estudantes são concebidos como “insumos” e “produtos” de um grupo seleto de empresas compradoras de conhecimento matéria-prima, que, por sua vez, configuram-se como os (neo)clientes, preocupados com a exploração de patentes registradas pelas universidades (RHOADES; SLAUGHTER, 1997OCDE. Perspectivas de la OCDE en Ciencia, Tecnología e Innovación em América Latina 2016 (Extractos). Centro de la OCDE en México para América Latina, 2018.; DARDOT, LAVAL, 2010DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo , 2016.; LAVAL, 2015DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Néolibéralisme et subjectivation capitaliste. Cités/CAIRN.INFO, n.41, p. 35-50, 2010.).

A New American University tornou-se o padrão mundial de universidade no século XXI. A expansão de um regime capitalista de conhecimento, preconizado pelos organismos hegemônicos internacionais, influenciou decisivamente as reformas da educação superior na América Latina. No Brasil, as políticas educacionais de cunho privatistas e economicistas, materializadas em articulação com os ajustes fiscais e econômicos, consubstanciados nas últimas décadas, conduziram um amplo processo de comercialização do conhecimento acadêmico e a adequação das universidades de pesquisa, em especial as IES estatais, aos interesses do mercado. É importante destacar que foi no contexto do regime militar, a partir do Parecer n.º 977 CES/CFE, de 3 de dezembro de 1965 e da Reforma Universitária de 1968 (Lei n. 5.540/1968), que a pós-graduação stricto sensu “vivenciou um movimento de estruturação, normatização e institucionalização, bem como de ampliação do fomento, da expansão e da adoção de sistemática de avaliação, cujas diretrizes e bases permanecem hoje” (ALVES; OLIVEIRA, 2014ALVES, Miriam F.; OLIVEIRA, João F.; Pós-graduação no Brasil: do Regime Militar aos dias atuais. RBPAE, v. 30, n. 2, p. 351-376, mai./ago. 2014., p. 352). Porém, as políticas educacionais, implementadas neste período, já sinalizavam em direção à universidade de classe mundial, tendo como norte a trajetória já consolidada pelo modelo americano de universidade. O modelo de educação superior e, consequentemente, de pós-graduação, projetado em articulação com os Estados Unidos, tinha por objetivo viabilizar o desenvolvimento industrial e o crescimento econômico do País. Para Silva Júnior (2017SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez, 2009., p. 197), no primeiro plano nacional de pós-graduação (I PNPG - 1975/1979) “já se anunciavam a racionalidade e os fundamentos de um sistema de pós-graduação voltado para o setor produtivo, apesar de não ser seu objetivo central”.

Na década de 1990, a reforma do aparelho do Estado, conduzida pelo governo de FHC, fixou mudanças na lógica de financiamento público da educação superior ao situar as universidades e os centros de pesquisa entre os serviços não exclusivos e competitivos do Estado. O enxugamento da máquina estatal e a redução de investimentos públicos para o campo da educação superior obrigou as universidades públicas a se moverem no espaço competitivo do mercado a fim de diversificar suas fontes de financiamento. As reformas da educação superior, estabelecidas em consonância com as orientações do Banco Mundial (1995BANCO MUNDIAL. La Ensenãnza Superior: las perspectivas de La experiência(El Desarrollo em la práctica). 1ª ed. em espanhol. Washington/DC: BIRD/Banco Mundial, 1995.), fizeram emergir uma nova concepção de ciência e alteraram a natureza do trabalho acadêmico. Essas mudanças foram ao encontro da proposta de governo de FHC (1994), para o seu primeiro mandato, na qual “afirmava a necessidade de se estabelecer uma ‘verdadeira parceria’ entre setor privado e governo, entre universidade e indústria, tanto na gestão quanto no financiamento do sistema brasileiro de desenvolvimento científico e tecnológico” (CUNHA, 1997COSTA, Camila F.; GOULART, Sueli. Capitalismo acadêmico e reformas neoliberais no ensino superior brasileiro. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 16, nº 3, Jul. - Set. 2018., p. 33).

Em 2001, último ano do governo de FHC, o Banco Central e agências de fomento à pesquisa (Capes e CNPq) definiram critérios para o financiamento público da pesquisa científica, de modo a priorizar a produção de conhecimento voltado para o aumento da produtividade industrial e da competitividade econômica do país. O processo de capitalização do conhecimento e do trabalho acadêmico obteve respaldo com a aprovação da Lei n. 10. 973/2004 (Lei de Inovação Tecnológica), que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. No ano seguinte, o governo de Lula da Silva sancionou a Lei n. 11.196/2005 (Lei do Bem), que subsidia, por meio de incentivos fiscais, o desenvolvimento de projetos de inovação tecnológica pelas empresas privadas. Em 2007, a Lei n. 11.487 (Lei Rouanet de pesquisa) altera a “Lei do bem” ao incluir a isenção fiscal para empresas que investirem em pesquisas desenvolvidas nas instituições científicas e tecnológicas (ICTs), proporcionando uma maior aproximação entre o capital produtivo e as universidades públicas (SILVA JUNIOR, 2017SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez, 2009.). Nessa direção, a presidente Dilma Rousseff aprovou a Lei n. 13.243/2016, que altera nove Leis federais, incluindo a Lei de Inovação Tecnológica, a fim intensificar “a cooperação e interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e nas empresas” e estimular o desenvolvimento de “ambientes favoráveis à inovação e às atividades de transferência de tecnologia” (BRASIL, 2018BRASIL. Novo Marco legal da Ciência, Tecnologia e Inovação: Emenda Constitucional n. 85, de 26 de fevereiro de 2015; Lei n. 13.243, de 11 de Janeiro de 2016; Decreto n. 9.283, de 07 de fevereiro de 2018. Disponível em: http://antigo.mctic.gov.br/mctic/export/sites/ institucional/arquivos/marco_legal_de_cti.pdf. Acesso em: 09 de set. de 2020.).

O “Novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação” é composto também pelo Decreto n. 9.283/2018, sancionado pelo presidente Michel Temer, para atender a alguns dispositivos da Lei n. 13.243/2016. Dentre as regulamentações, cabe, agora, destacar o estímulo ao desenvolvimento de “projetos de cooperação que envolvam empresas, ICT e entidades privadas sem fins lucrativos” e as “facilidades para a transferência de tecnologia de ICT pública para o setor privado […] e a geração de inovação no ambiente produtivo” (BRASIL, 2018BRASIL. Novo Marco legal da Ciência, Tecnologia e Inovação: Emenda Constitucional n. 85, de 26 de fevereiro de 2015; Lei n. 13.243, de 11 de Janeiro de 2016; Decreto n. 9.283, de 07 de fevereiro de 2018. Disponível em: http://antigo.mctic.gov.br/mctic/export/sites/ institucional/arquivos/marco_legal_de_cti.pdf. Acesso em: 09 de set. de 2020.). O regime capitalista de conhecimento, concebido pela razão neoliberal em detrimento da liberdade acadêmica e da pesquisa “desinteressada”, propagou-se vertiginosamenteno governo de Jair M. Bolsonaro. Em 19 de março de 2020, o governo de JMB implementou a Portaria n. 1.122, de 19.03.2020, sobre a qual define como prioritários os projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovações, no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), voltados para as seguintes áreas de tecnologias (Art.2): estratégicas (I); habilitadoras (II); de produção (III); para desenvolvimento sustentável (IV); e para qualidade de vida (V). Assim sendo, os projetos de pesquisas básicas, de humanidades e ciências sociais, que anseiam por financiamento público, precisam contribuir com o desenvolvimento destas áreas prioritárias, definidas no Art. 2 da Portaria (BRASIL, 2020BRASIL. Portaria n. 1.122, de 19 de março de 2020. Define as prioridades, no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), no que se refere a projetos de pesquisa, de desenvolvimento de tecnologias e inovações, para o período 2020 a 2023. Diário Oficial da União, Brasília, 24 de março de 2020.).

A construção de um novo paradigma de conhecimento no Brasil, em curso há mais de duas décadas, esteve relacionada aos objetivos dos Programas Nacionais de Pós-Graduação (PNPGs). O I PNPG (1975 - 1979) e o II PNPG (1982 - 1985), formulados no período da Ditadura Militar (1964 - 1985), chamaram a atenção, mesmo que singelamente, para a necessidade de institucionalizar a pós-graduação articulada com as demandas científicas e tecnológicas, com vistas a viabilizar o desenvolvimento produtivo, econômico e social do país (SILVA JÚNIOR, 2017SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez, 2009.; BRASIL, 2010BRASIL. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Plano Nacional de Pós-Graduação - PNPG 2011-2020. Volume I. Coordenação de Pessoal de Nível Superior. Brasília, DF: CAPES, 2010a.). O III PNPG (1986 - 1989) postulou a formação de recursos humanos de alto nível, a reestruturação da carreira docente, a institucionalização e aperfeiçoamento dos sistemas de avaliação e a ampliação das atividades de pesquisa vinculadas à pós-graduação. A ênfase “principal desse plano estava no desenvolvimento da pesquisa pela universidade e a integração da pós-graduação ao sistema de ciência e tecnologia […] e ao setor produtivo” (BRASIL, 2010aBRASIL. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Plano Nacional de Pós-Graduação - PNPG 2011-2020. Volume I. Coordenação de Pessoal de Nível Superior. Brasília, DF: CAPES, 2010a., p. 26 - 27). Nessa direção, o IV PNPG (2005 - 2010)2 2 Como se pode observar, o IV PNPG foi aprovado 16 anos após o vencimento do prazo de vigência do III PNPG (1986-1989). A década de 90 e o primeiro quinquênio do século XXI, perpassando os mandatos presidenciais de Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1995) e Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2003), passaram sem a aprovação de um novo PNPG. A Pós-Graduação no Brasil atravessou um período de crise econômica e de intensas reformas de enxugamento e de modernização do Estado, consubstanciado no Plano Diretor da Reforma do Estado, elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE), em 1995. As estratégias necessárias à chamada modernização e aumento de eficiência da administração pública estimularam a adequação da educação superior e da pós-graduação aos interesses dos organismos internacionais de financiamento. Neste período, foi defendido a necessidade de as próprias universidades financiarem seus programas de Pós-graduação, por meio da captação de recursos extraorçamentários, e avançado nas discussões e implementação de um novo modelo de avaliação da Pós-graduação stricto sensu e do sistema de classificação da produção científica (Qualis), com ênfase para os resultados quantitativos de produção científica. propôs mudanças na avaliação e no financiamento da pós-graduação a fim de ampliar a interação entre as universidades e o setor empresarial. Para isso, as pesquisas na pós-graduação deveriam dar uma maior ênfase à produção de conhecimentos voltados para a inovação tecnológica e, consequentemente, para a conquista competitiva de novos mercados no mundo globalizado - o chamado conhecimento matéria-prima. O IV PNPG constituiu-se no “guarda-chuva jurídico para desdobramentos na forma de leis, aproximando a produção de pesquisas aplicadas com a produção econômica”, de modo a “tornar orgânica a relação universidade-indústria-governo” (SILVA JÚNIOR, 2017SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez, 2009., p. 200). Por fim, o V PNPG (2011 - 2020) consolidou e intensificou o processo de instrumentalização da pesquisa científica aos interesses do mercado. Ele explorou a necessidade de formatar a agenda da pesquisa de modo a favorecer a inovação e intensificar o vínculo universidade-empresa. Em outras palavras, a “excelência acadêmica é irmã da competitividade industrial. […] O lugar específico da universidade na economia do conhecimento lhe confere papel específico na arquitetura da inovação” (BRASIL, 2010bBRASIL. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Plano Nacional de Pós-Graduação - PNPG 2011-2020. Volume II. Coordenação de Pessoal de Nível Superior.Brasília, DF: CAPES, 2010b., p. 192).

Em suma, os cortes nos investimentos públicos destinados ao campo da educação superior e da pesquisa científica e o novo ordenamento jurídico provocam o esfacelamento da natureza pública das universidades de pesquisa estatal e estimulado a produção de conhecimentos, matéria-prima, apropriáveis pela cultura capitalista. A busca por fontes adicionais de recursos financeiros e o fortalecimento da economia do conhecimento subordinaram as universidades brasileiras aos interesses específicos e imediatos do mercado/campo empresarial. De acordo com Silva Júnior (2017SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez, 2009., p. 225), os mecanismos neoliberais de privatização do conhecimento permitiram que a Capes e o CNPq “orientassem a pesquisa e a produção do conhecimento na condição de conhecimento matéria-prima, priorizando a inovação para o desenvolvimento de novas tecnologias que agregassem valor a produtos, processos e serviços, e beneficiassem, desta maneira, os interesses econômicos”. A economia do conhecimento, impulsionada pela razão neoliberal, fortalece a construção de uma subjetividade empreendedora nas universidades de pesquisa ao prever a incorporação de incentivos adicionais aos vencimentos do docente/pesquisador mediante a comercialização de conhecimentos, matéria-prima e captação de recursos junto ao setor empresarial. As parcerias estabelecidas entre o Estado e as empresas privadas, amparadas pela Lei n. 11.079/2004 (Lei de Parceria Público-Privada) e consubstanciadas pelo novo marco legal, abriu espaço para o avanço do capitalismo acadêmico nas instituições públicas de pesquisa, aos moldes da New American University (SILVA JÚNIOR, 2017SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez, 2009.; BECHI, 2019BECHI, Diego. A subjetivação capitalística como mecanismo de precarização do trabalho docente na educação superior brasileira. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2019.).

A reterritorialização capitalista no campo acadêmico, consubstanciado pelos organismos financeiros internacionais, provocou mudanças no ethos da pesquisa universitária na Argentina. A economia do conhecimento, caracterizada por um contínuo e intenso processo de “abertura ao mercado” das estruturas públicas de pesquisa, suplantou o modelo de universidade herdeira da Reforma Universitária de Córdoba, de 1918, pautada, sobremaneira, no princípio de liberdade de cátedra. De acordo com Schugurensky e Naidorf (2004SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008., p. 997), “as universidades argentinas conheceram uma ‘época áurea’ no período pós-guerra, com pesquisa de altíssima qualidade, comparável aos padrões internacionais, um nível acadêmico elevado e um modelo democrático sustentado de autogoverno que incluía professores, estudantes e alunos”. Esse período virtuoso, em que as universidades públicas se configuraram como importantes centros de pesquisa, foi dramaticamente interrompido pela força física e ideológica, de caráter agressivo e manipulador, da ditadura militar. A invasão dos militares à Universidade de Buenos Aires, em julho de 1966, demarcou o início de um processo histórico de esfacelamento do regime público de conhecimento. Além de agredir e prender alunos e professores, o regime militar reduziu o aporte de recursos públicos destinados às pesquisas científicas e à produção cultural, repreendeu os debates acadêmicos e passou a controlar currículos e as agendas de pesquisa. Esse processo de aniquilamento da autonomia universitária e da liberdade de cátedra, iniciado no período militar, é oxigenado pelos governos neoliberais, a partir da década de 1980, ao estimularem a mercadização do trabalho acadêmico e a formação de universidades públicas empreendedoras (SCHUGURENSKY; NAIDORF, 2004SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.).

Apesar das fortes restrições orçamentárias e acadêmicas, impostas pelos governos militares ao campo da educação superior, o modelo de “ciência aberta” e de conhecimento como bem público - “desinteressado” e alheio às pressões externas - conseguiu sobreviver até o estabelecimento da democracia eleitoral, em 1983. No período anterior às reformas neoliberais da educação superior, os círculos acadêmicos, na Argentina, viam com desconfiança o utilitarismo da pesquisa e o vínculo universidade-empresa, para fins mercadológicos. Além da insegurança e das suspeitas em torno das atividades de transferência de tecnologia ao setor privado, “havia pouca pressão dos atores externos, uma vez que a empresa (e o setor comercial, em geral) não fazia lobby contra as universidades para exigir uma abordagem institucional e promover vínculos sistêmicos” (SCHUGURENSKY; NAIDORF, 2004SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008., p.1005). Os pesquisadores que gerenciavam projetos de pesquisa, para captação de recursos extraorçamentários, em tempos de restrições financeiras, preferiam manter os acordos/parcerias e as fontes de captação de recursos em sigilo. As atividades de pesquisa, realizadas com o auxílio financeiro do Estado e com a utilização da infraestrutura das universidades nacionais, para obtenção de lucro privado, eram caracterizadas como semiclandestinas e antiéticas pela comunidade acadêmica. Nessas circunstâncias, eram aceitáveis apenas contratos entre as universidades e as empresas estatais (SCHUGURENSKY; NAIDORF, 2004SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.).

Os programas de ajuste estrutural e a formação de um novo modelo de gestão pública, projetadas pela racionalidade toyotista/neoliberal, suscitaram cortes no orçamento da educação superior e a privatização do conhecimento público. A economia do conhecimento forçou a configuração de um novo paradigma de conhecimento nas universidades públicas, com ênfase na inovação e desenvolvimento tecnológico, epistemologicamente articulado aos interesses do setor empresarial/industrial. Nessa direção, o governo de Raúl Alfonsín (1983 - 1989) criou a Oficina de Transferência de tecnologia (OTT/1983), inaugurando ciclo de transferência de conhecimentos científicos e tecnológicos ao setor empresarial e de “abertura” da produção científica ao mercado. Em seguida, diversas universidades aderiram a essa Oficina/OTT, a exemplo da Universidade de Buenos Aires, que implementou a Dirección de Convenios y Transferencias (Resolución n. 1655/87). A centralidade atribuída à vinculação universidade-empresa objetivou incluir novas fontes de financiamento ao orçamento das universidades de pesquisa, incentivar o desenvolvimento de pesquisas voltadas para a indústria e revitalizar a empresa nacional (SCHUGURENSKY; NAIDORF, 2004SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.; NAIDORF, 2005SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.; UNIVERSITAD DE BUENOS AIRES, 1987UNIVERSITAD DE BUENOS AIRES. Resolución (CS) 1655, de setembro de 1987. Reglamentación sobre actividades de cooperación tecnica, producción de bienes, asesoramiento e incremento de subsidios de investigaciones, 1987. Disponível em: Disponível em: http://www.uba.ar/convenios/archivos/1655-87.pdf . Acesso em: 09 de set. de 2020.
http://www.uba.ar/convenios/archivos/165...
).

As políticas de inovação e transferência de tecnologia, materializadas pelo governo de Carlos Menem (1989 - 1999), reduziram a lacuna entre ciência e tecnologia e intensificaram o processo de privatização do conhecimento público. Em 1990, o governo federal argentino aprovou a Lei 23.877, que incentiva a promoção e fomento da inovação e a vinculação da pesquisa científica e tecnológica com a atividade produtiva e comercial (Art.1). A legislação estimulou as instituições oficiais de pesquisa, incluindo as universidades públicas, a criarem Unidades de Vinculación Tecnológica, com o intuito de viabilizar uma relação mais ágil e contratual com o setor produtivo e de serviços (Art.5). Ela definiu incentivos fiscais às empresas e a concessão de compensações financeiras aos pesquisadores (ARGENTINA, 1990ARGENTINA. Ley 23.877, de 28 de septiembre de 1990. Promoción y Fomento de la Innovación Tecnológica. Disponível em: Disponível em: https://www.argentina.gob.ar/normativa/nacional/ ley-23877-277/texto . Acesso em: 09 de set. de 2020.
https://www.argentina.gob.ar/normativa/n...
; NAIDORF, 2005SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.).

A transferência de conhecimento, na forma de inovação tecnológica, obteve novos incentivos legais e financeiros a partir do estabelecimento da Secretaría de Ciencia y Tecnología (SECYT), em 1993, e da aprovação do Decreto n. 1660/96, que criou a Agência Nacional de Promoción Científica y Tecnológica (ANPCyT), composta, inicialmente, pelo Fondo Tecnológico Argentino (FONTAR) e pelo Fondo para la Investigación Científica y Tecnológica (FONCyT). O FONTAR foi implementado com o intuito de financiar, por meio de recursos do Tesouro Nacional, projetos de inovação tecnológica dirigidos ao aumento da produtividade das empresas do setor privado, por delegação da Lei 23.877/90. Enquanto isso, o FONCyT foi criado com a missão de “patrocinar grupos de pesquisa em C&T que trabalham com organizações sem fins lucrativos, privadas ou públicas, cuja proposta era gerar novos conhecimentos” a partir de “projetos de pesquisa básica ou aplicada” (SCHUGURENSKY; NAIDORF, 2004SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.).

Em 2001, o Presidente Fernando de la Rúa (1999-2001) promulgou a Lei 25.467, que estabelece o chamado Marco Legal da Ciência, Tecnologia da Argentina. Dentre os objetivos, a legislação pretende desenvolver e fortalecer a capacidade tecnológica e competitiva do sistema produtivo de bens e serviços, em especial, das pequenas e médias empresas (Art.2). Nessa mesma direção, os governos kirchneristas criaram novas políticas para incentivar a transferência de tecnologia e inovação ao setor produtivo, a saber: a Red de Vinculación Tecnológica de Universidades Nacionales Argentinas (RedVITEC/2004); o Ministerio de Ciencia, Tecnología e Innovación (MINCyT/2007); o Fondo Argentino Sectorial (FONARSEC/2009), que passou a integrar a ANPCyT; e, por fim, o Plano Argentina Innovadora 2020, em 2011. O Plano elaborado pelo governo de Cristina Fernández de Kirchner (2007 - 2015) visava potencializar a capacidade de inovação e desenvolvimento tecnológico, tanto das instituições de pesquisa quanto das empresas, por meio do fortalecimento dos recursos humanos, da infraestrutura de pesquisa e da informatização do Sistema. A criação de capacidades científicas e a transferência de tecnologia permitiria impulsionar a cultura empreendedora e aumentar a capacidade produtiva e a competitividade das empresas nacionais. Par tanto, a produção de conhecimento voltado para a inovação tecnológica passa a ser concebida como a principal estratégia política propulsora do desenvolvimento econômico e social. O processo de capitalização do mundo acadêmico ganhou novos contornos no governo de Mauricio Macri (2015 - 2019) ao reduzir o orçamento destinado ao campo da educação superior e da pesquisa científica, ao passo que forçou as universidades públicas a buscarem fontes alternativas de financiamento, sobretudo, a partir da comercialização de conhecimentos públicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reterritorialização capitalista e a formação de um modelo de governança de cunho empresarial estimularam o desenvolvimento e a materialização de um conjunto de tecnologias políticas de privatização exógena da educação superior. No contexto de “boa governança” as políticas públicas são orientadas e formuladas para o mercado - global, empresarial, concorrencial, financeiro, de capitais e de trabalho. A sujeição das políticas educacionais aos ditames do mercado gera comportamentos pró-mercado, a produção de conhecimento-mercadoria e a mercantilização do conhecimento - cenário perfeito para a intensificação do capitalismo acadêmico.

A capitalização da educação superior compreende um conjunto de orientações e medidas destinadas à redução do orçamento público e ao princípio da privatização/mercadização, a saber: a expansão do setor privado/mercantil; a otimização dos recursos públicos e da infraestrutura das universidades; o redirecionamento dos investimentos públicos de modo a priorizar as pesquisas centradas na inovação e voltadas para o desenvolvimento econômico; e a diversificação das fontes de financiamento das universidades públicas. A economia do conhecimento provoca uma indefinição dos limites entre o Estado e o mercado; a universidade e a empresa; o conhecimento científico e o negócio - a chamada hibridização entre o setor público e o setor privado.

Quanto à diferenciação institucional, a abertura ao mercado educacional tem ocorrido de forma mais acelerada no Brasil, quando comparado aos números registrados na Argentina. Os Estados nacionais intensificam o processo de mercantilização e empresariamento da educação superior enquanto concebem o conhecimento científico como um objeto de lucro e de acumulação capitalista. Não há dúvidas de que o investimento em inovação científica e tecnológica seja imprescindível ao desenvolvimento econômico e ao fortalecimento da soberania do país; negar as suas vantagens seria uma atitude extremamente imprudente, autoritária e avessa aos desafios das políticas educacionais. Porém, a ciência e o conhecimento não podem ser rebaixados a uma mera mercadoria e a educação pública a uma empresa, gestada como tal em um cenário de mercado.

O trabalho demonstrou que o conservadorismo neoliberal deu guarida à retração do Estado no que diz respeito ao financiamento da universidade estatal e à abertura da estrutura pública de pesquisa ao mercado. A “americanização” das reformas da educação superior na América latina incentiva a privatização e a comercialização de conhecimentos e a realocação de recursos públicos com ênfase em pesquisas que atendam à competitividade geral da economia (LAVAL, 2015HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo, SP: Loyola, 2014.; BRUNNER et al., 2019BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A crise da América Latina: consenso de Washington ou crise fiscal?Pesq. Plan. Econ., Rio de Janeiro, v. 21, n. 01, abr. 1991.). Portanto, é preciso resgatar, urgentemente, o caráter público do conhecimento, a liberdade acadêmica e a autonomia plena das universidades, defendidas pela Reforma Universitária da Córdoba de 1918 e, também, pelo artigo 206 e 207 da Constituição Federal brasileira, de modo a reavivar e fortalecer as pesquisas nas áreas sociais e humanas - marginalizadas pela racionalidade produtivista e concorrencial - e o caráter democrático das universidades e dos centros de pesquisa.

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  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
  • 2
    Como se pode observar, o IV PNPG foi aprovado 16 anos após o vencimento do prazo de vigência do III PNPG (1986-1989). A década de 90 e o primeiro quinquênio do século XXI, perpassando os mandatos presidenciais de Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1995) e Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2003), passaram sem a aprovação de um novo PNPG. A Pós-Graduação no Brasil atravessou um período de crise econômica e de intensas reformas de enxugamento e de modernização do Estado, consubstanciado no Plano Diretor da Reforma do Estado, elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE), em 1995. As estratégias necessárias à chamada modernização e aumento de eficiência da administração pública estimularam a adequação da educação superior e da pós-graduação aos interesses dos organismos internacionais de financiamento. Neste período, foi defendido a necessidade de as próprias universidades financiarem seus programas de Pós-graduação, por meio da captação de recursos extraorçamentários, e avançado nas discussões e implementação de um novo modelo de avaliação da Pós-graduação stricto sensu e do sistema de classificação da produção científica (Qualis), com ênfase para os resultados quantitativos de produção científica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2023
  • Aceito
    13 Mar 2024
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