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Comportamento

Como os animais enganam e mentem

Raquel Lito 03 de julho

No zoo dos aldrabões há patos que se fazem feridos, lagartas falsamente mortas e borboletas disfarçadas de folhas. Os machos primatas e os peixes iludem as fêmeas.

Ao anoitecer, um bando de patos nada num charco, algures na China Oriental. A fêmea do pato-real é seguida por seis crias e desperta a atenção de um assistente de campo do zoologista Lixing Sun (autor de mais de 60 artigos académicos). O auxiliar, de 18 anos, está no barco e rema na direção das aves. Tenta encurralar os animais numa margem. As crias dispersam, enquanto o homem diz preocupado: “A pata não consegue voar, está ferida.” A ave coxeia, mas assim que ele desvia o olhar, a pata faz um voo rasante até desaparecer no horizonte. É lei da sobrevivência pelo engodo: finge-se ferida para ganhar tempo e fugir.

Ao anoitecer, um bando de patos nada num charco, algures na China Oriental. A fêmea do pato-real é seguida por seis crias e desperta a atenção de um assistente de campo do zoologista Lixing Sun (autor de mais de 60 artigos académicos). O auxiliar, de 18 anos, está no barco e rema na direção das aves. Tenta encurralar os animais numa margem. As crias dispersam, enquanto o homem diz preocupado: “A pata não consegue voar, está ferida.” A ave coxeia, mas assim que ele desvia o olhar, a pata faz um voo rasante até desaparecer no horizonte. É lei da sobrevivência pelo engodo: finge-se ferida para ganhar tempo e fugir.

Há espécies que se fazem mortas, como as lagartas, porque as cobras predadoras não apreciam presas fáceis. Outras mentem de forma mais rebuscada, como os corvos. Grasnam alarmes de perigo aos pares, enganadores, através de vocalizações. Assim conseguem afugentar os adversários e ficar com o banquete, uma carcaça de doninha.

Os chapins (aves da América do Norte) e os papa-moscas (aves insetívoras) também roubam alimentos desta maneira: falsificam uma informação para obterem vantagem em relação à concorrência. Os falsos alarmes custam pouco e têm muitos dividendos. Portanto, a relação custo-benefício é vantajosa para o mentiroso e daí haver tantos animais a adotarem estas manhas.

No zoo dos burlões são inúmeros os exemplos de batota e dissimulação, conforme conta Lixing Sun no livro Os Mentirosos da Natureza e a Natureza dos Mentirosos, cuja edição portuguesa acaba de ser lançada. A capa intriga: mostra uma borboleta da Ásia tropical com uma carapaça semelhante a uma folha. Objetivo? Enganar os pássaros predadores.

A estratégia passa pelo “mimetismo batesiano”, ou seja, funciona como disfarce protetor quando a espécie mais indefesa desenvolve determinadas características morfológicas, ilusórias, para evitar a sentença de morte dos predadores. Mais um exemplo: a mosca das flores, que também se revela astuta por a penugem ser parecida com a de uma abelha agressiva.

Ainda no capítulo do mimetismo há a variante acústica, quando certos pássaros imitam sons ameaçadores (máquinas de serrar ou bombas) para atraírem fêmeas, ou melhorarem a obtenção de alimento.

Parece um galho morto de uma 
árvore – é de propósito. Trata-se de uma estratégia deste inseto (mariposa) para iludir os pássaros predadores Getty Images
As batotas são variadas, evoluem ao longo do tempo e comparam-se ao jogo de gato e rato, mas a sua eficácia é inversamente proporcional à frequência. “Quando a artimanha se torna mais comum, os benefícios diminuem; e quando é menos comum, as vantagens aumentam, como um pêndulo balançando para frente e para trás”, explica à SÁBADO Lixing Sun, doutorado em Zoologia, Comportamento Animal e Ecologia pela State University, de Nova Iorque (Estados Unidos).

Há mais de 30 anos que o perito se dedica à área – especialmente na “arte sorrateira da mímica” – e levou três anos para reunir informação para este livro. Pareceu-lhe a melhor forma de partilhar conhecimento e ajudar a entender a mentira na sociedade, para que “possamos enfrentar os efeitos desagradáveis”.

Esquemas para acasalar
É certo que a mentira humana é mais evoluída, em termos “de escala, variedade, complexidade e criatividade, porque as sociedades são supercomplexas, o que pode proporcionar mais oportunidades para a batota”, justifica.

Quando a artimanha se torna mais comum, os benefícios diminuem” Lixing Sun, autor
Contudo, no mundo animal os batoteiros exploram várias vertentes para conseguirem alimento, status e oportunidades de acasalamento – os principais motivos para enganarem, segundo Lixing Sun. Como decidem a estratégia a aplicar? “Embora não possam fazer uma análise de custo-benefício processando números, podem seguir os seus instintos – um software que lhes foi instalado no sistema sensorial e cognitivo por um poderoso agente chamado evolução”, esclarece no livro.

O engano nos animais continua “a ser menosprezado”, diz. Até na bíblia da área, A Origem das Espécies (1859), de Charles Darwin, a palavra “engano” é esquecida, segundo Lixing Sun. No seu lugar surge o termo “iludir” sete vezes – só três referentes ao comportamento animal.

Há 320 espécies de tamboril que vivem a 300 metros de profundidade. As pontas das barbatanas brilham para atraírem as presas
Iludir é o verbo que se aplica aos esquilos cinzentos para acumularem mantimentos. Lixing Sun relata no livro que se afastam dos pares e criam esconderijos falsos para protegerem os verdadeiros, abundantes em bolotas. Até o autor é enganado: “Quando vou ver o que estiveram a esconder, deparo-me com um buraco vazio.” À SÁBADO diz que “a eficácia permanece forte, mesmo com o uso frequente”.

Em termos genéricos, entre os machos o que importa é acasalar. Num determinado tipo de peixes (ciclídeos africanos), estudados em laboratório pelo especialista, eles aproveitam-se do contexto das fêmeas que habitualmente protegem os ovos na boca. Só que, às vezes, deixam escapá-los.

O canino alça mais a perna quando urina, para deixar um rasto maior e parecer mais alto aos olhos dos cães de maior porte nas proximidades Getty Images
Atentos aos lapsos, os machos oportunistas entram em ação, exibindo barbatanas com pontos semelhantes aos ovos. Elas, iludidas pela fisiologia, aproximam-se para recuperarem os ovos (afinal falsos). E é então que eles libertam o esperma.

Nos primatas, nomeadamente nos macacos tibetanos, quando o macho dominante descobre as tentativas furtivas de acasalamento de um macho subordinado, ataca-o para o castigar. Para evitar a punição, muitas vezes, este tenta desviar as atenções do dominante, irritando, de forma violenta, outro macaco ou pessoa, como um visitante. No fundo, atiça outro para o macaco mais forte, escapando assim às atenções. “Finge ser agressivo, fazendo parecer que o alvo é uma ameaça real e iminente”, explica o perito.

As artimanhas são tantas e tão surpreendentes que se justificam por um só motivo: é que o mundo biológico é “amoral”, qualifica o autor. E o que conta é sobreviver.

Ao anoitecer, um bando de patos nada num charco, algures na China Oriental. A fêmea do pato-real é seguida por seis crias e desperta a atenção de um assistente de campo do zoologista Lixing Sun (autor de mais de 60 artigos académicos). O auxiliar, de 18 anos, está no barco e rema na direção das aves. Tenta encurralar os animais numa margem. As crias dispersam, enquanto o homem diz preocupado: “A pata não consegue voar, está ferida.” A ave coxeia, mas assim que ele desvia o olhar, a pata faz um voo rasante até desaparecer no horizonte. É lei da sobrevivência pelo engodo: finge-se ferida para ganhar tempo e fugir.

Há espécies que se fazem mortas, como as lagartas, porque as cobras predadoras não apreciam presas fáceis. Outras mentem de forma mais rebuscada, como os corvos. Grasnam alarmes de perigo aos pares, enganadores, através de vocalizações. Assim conseguem afugentar os adversários e ficar com o banquete, uma carcaça de doninha.

Os chapins (aves da América do Norte) e os papa-moscas (aves insetívoras) também roubam alimentos desta maneira: falsificam uma informação para obterem vantagem em relação à concorrência. Os falsos alarmes custam pouco e têm muitos dividendos. Portanto, a relação custo-benefício é vantajosa para o mentiroso e daí haver tantos animais a adotarem estas manhas.

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