O pequeno país que cresceu 10% neste ano por causa da guerra na Ucrânia

Imagem aerea da Georgia

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Legenda da foto, Cidadãos de países próximos podem permanecer livremente na Geórgia pelo período de um ano, que pode ser renovado saindo e entrando novamente no país

A guerra na Ucrânia trouxe um boom econômico espetacular e inesperado para a antiga república soviética da Geórgia.

O pequeno país ao sul da Rússia, com 3,7 milhões de habitantes, recebeu milhares de imigrantes russos e um fluxo de capital sem precedentes desde que começou o conflito. Antes da guerra, sua economia crescia cerca de 5% ao ano. Agora, esse crescimento disparou para 10,2% em 2022.

"Existe um aumento gigantesco do fluxo de dinheiro russo para o país", afirma Yaroslava Babych, diretora do Centro de Pesquisa de Políticas Macroeconômicas do Instituto ISET-PI, da Escola Internacional de Economia da Universidade Estatal de Tbilisi, capital da Geórgia.

A pesquisadora calcula que tenham entrado no país US$ 1,4 bilhão (R$ 7,3 bilhões) entre janeiro e outubro de 2022 — 3,6 vezes mais que no mesmo período de 2021. Por outro lado, a moeda da Geórgia — o lári — subiu 15% em relação ao dólar desde o início do ano.

Avalanche russa

As estimativas variam, mas calcula-se que, desde o início da guerra, 70 mil a 100 mil cidadãos russos já tenham migrado para a Geórgia.

Trabalhador na Georgia

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Legenda da foto, A segunda onda migratória surgiu quando Putin anunciou o recrutamento obrigatório para a guerra na Ucrânia

É muito difícil saber o número exato porque os visitantes de países como a Rússia, Ucrânia ou Belarus entram na Geórgia sem precisar explicar se estão de férias ou indo morar no país.

Depois de ingressar no território georgiano, os migrantes podem morar e trabalhar por um ano sem inconvenientes. E podem também sair do país e voltar a entrar para permanecer por mais um ano. Assim, milhares de pessoas conseguiram estabelecer-se na Geórgia sem restrições.

"É uma política migratória muito generosa", segundo Babych, em entrevista para a BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC).

Fronteira da Georgia

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Legenda da foto, As regiões separatistas da Abecásia e da Ossétia do Sul foram pontos centrais na guerra entre a Rússia e a Geórgia em 2008

Embora o fluxo de cidadãos russos tenha sido constante desde o início da guerra, podem ser identificadas duas ondas de migração: a primeira, em maio e outra, em setembro de 2022. Esta última está relacionada à rápida saída de homens da Rússia depois que o presidente Vladimir Putin anunciou o recrutamento obrigatório para combate no campo de batalha.

Esta última onda de imigrantes russos ficou evidente em cidades como Tbilisi: grandes filas para entrar nos bancos e alta demanda por imóveis, que elevou os preços dos aluguéis a níveis nunca antes atingidos. A situação gerou mal-estar entre os moradores locais, que não conseguem pagar valores tão altos.

Empresas russas na Geórgia

Criar uma empresa na Geórgia é muito simples para os estrangeiros.

Babych explica que é possível registrar uma companhia em apenas dois dias. Esta realidade é totalmente diferente da burocracia que os empresários podem encontrar em qualquer outra parte do mundo.

E o número de empresas abertas por cidadãos russos disparou em 2022 — 10 vezes mais do que no ano anterior. Somente entre janeiro e setembro, cidadãos russos registraram na Geórgia cerca de 9,5 mil empresas, segundo a economista.

A grande maioria é de pessoas que se inscreveram para iniciar seu próprio negócio, o que dificulta muito saber qual o seu ramo de atividade. E também aumentou rapidamente a abertura de contas bancárias de cidadãos russos na Geórgia.

O risco do 'boom convertido em explosão'

A Geórgia é uma ex-república soviética que travou uma breve guerra com a Rússia em 2008. Por isso, sua relação com o país vizinho é complexa e alguns georgianos estão receosos com o possível impacto sociopolítico da imigração russa.

Essa imigração poderia tornar-se um "boom convertido em explosão", segundo Mikheil Kukava, chefe de política socioeconômica do Instituto para o Desenvolvimento da Liberdade de Informação (IDFI, na sigla em inglês), com sede em Tbilisi.

Soldados em guerra

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Legenda da foto, O antagonismo entre a Geórgia e a Rússia é histórico

A "explosão" refere-se à possibilidade de que, no futuro, o governo russo venha a considerar uma eventual invasão da Geórgia, como ocorreu na Ucrânia. "Se eles decidirem nos invadir, o crescimento econômico atual poderia acabar se tornando um conflito", indica Kukava.

No momento, o crescimento inesperado trouxe fortes impactos para a Geórgia, cuja economia é baseada na produção agrícola (cultivos de uva, frutas cítricas e nozes), mineração (manganês, cobre e ouro), uma pequena indústria vinícola e na produção de aço e fertilizantes.

Localizada no limite entre a Europa Oriental e a Ásia Ocidental, no litoral do mar Negro, a Geórgia também observou nos últimos anos um aumento do turismo, que é outra fonte de renda para o país.

Quanto tempo pode durar este fenômeno?

O governo espera que o nível atual de crescimento seja desacelerado em 2023. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o crescimento da Geórgia caia em cerca de 5%, voltando ao nível anterior à guerra.

A pergunta que segue sem resposta é por quanto tempo esses imigrantes permanecerão na Geórgia. Os que trabalham de forma remota têm mais possibilidades de ficar, mas a situação não é fácil para aqueles que procuram emprego presencial.

"Não espero que este crescimento econômico dure por muito tempo", afirma Babych. "De qualquer forma, a evolução irá depender do que acontecer com a guerra."

Familias em Tbilisi

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Legenda da foto, Tbilisi, a capital da Geórgia, sofreu grandes aumentos dos preços dos aluguéis com a chegada dos imigrantes russos

Ela adverte que "é pouco provável que o fluxo de capital se transforme em investimento de longo prazo". E que é possível que surjam tensões sociais, considerando o histórico de conflitos ocorridos entre a Geórgia e a Rússia.

No curto prazo, a migração provocou aumento dos preços que, ainda que seja passageiro, vem afetando os cidadãos com menos recursos econômicos nas grandes cidades.