• Mirian Goldenberg (@miriangoldenberg)
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Beleza - Vogue Wellness - Janeiro 2020 (Foto: Divulgação, Acervo Vogue, Reprodução/Instagram, Getty Images e Trunk Archive)

(Foto: Acervo Vogue)

“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. A célebre frase que abre o segundo volume de "O Segundo Sexo" sintetiza as ideias apresentadas por Simone de Beauvoir nas mais de 900 páginas de um estudo fascinante sobre a condição feminina. Considerada “a bíblia do feminismo”, a obra persegue obstinadamente as respostas para a mesma questão existencial: Quais são os caminhos de libertação das mulheres?


Simone de Beauvoir escreveu, em 1949, que a mulher livre e independente – a mulher que luta pela sua autonomia econômica, social, psicológica e intelectual – estava apenas nascendo. Ela defendeu que ser mulher não é somente nascer com um determinado sexo, mas é ser classificada de uma forma negativa pela sociedade. É ser educada, desde o nascimento, para ser frágil, passiva, dependente, apagada, delicada, discreta, submissa e invisível. Portanto, ser mulher não é um dado da natureza, mas da cultura. Não há um destino biológico que defina a mulher como um ser inferior ao homem.

Como muitas mulheres da minha geração, "O Segundo Sexo" impactou toda a minha trajetória de vida. A minha primeira leitura do livro, aos 16 anos, influenciou as minhas escolhas amorosas e profissionais. Desde então, tenho uma verdadeira obsessão: descobrir como as mulheres podem ser mais livres em uma cultura que aprisiona o corpo feminino, que não permite envelhecer com beleza, liberdade e felicidade.

Quando perguntei na minha pesquisa: “O que você mais inveja em um homem?”, as mulheres responderam em primeiríssimo lugar: liberdade. Elas invejam a liberdade sexual, a liberdade com o corpo, a liberdade de envelhecer, a liberdade de rir e de brincar, a liberdade de fazer xixi em pé entre muitas outras liberdades. Já os homens, quando perguntados sobre o que mais invejam em uma mulher, responderam categoricamente: nada.

É impressionante que, mais de setenta anos após a publicação de "O Segundo Sexo", e após tantas lutas e conquistas, as mulheres continuem invejando a liberdade masculina. Enquanto os homens demonstram que não enxergam nada de invejável nas mulheres.

Todas as minhas pesquisas, livros e artigos buscam descobrir os caminhos de libertação das mulheres brasileiras. Primeiro pesquisei "A Outra", mulheres que são amantes de homens casados. O livro ficou meses na lista dos mais vendidos do Brasil. Por que um livro tão pequeno fez tanto sucesso? Porque fala da angústia e sofrimento de milhões de mulheres que vivem relações infelizes e insatisfatórias, que são enganadas e traídas, e que se contentam com migalhas de amor e de atenção.

Depois pesquisei a trajetória de uma mulher revolucionária: "Toda mulher é meio Leila Diniz". Em 1971, Leila foi a primeira brasileira a exibir a barriga grávida de biquíni na praia. Foi atacada, censurada, xingada e acusada de ser um péssimo exemplo para as jovens. Leila Diniz é, até hoje, um símbolo da revolução das mulheres no século passado. Com Leila aprendi que a melhor rima para felicidade é liberdade.

Hoje, vivemos uma nova revolução. As mesmas mulheres que revolucionaram os comportamentos nos anos 1960 e 1970 envelheceram. São elas que estão construindo uma velhice com mais liberdade, felicidade e beleza. Elas não aceitam rótulos e etiquetas, não se aposentam de ser “elas mesmas”, não se submetem à invisibilidade e à morte simbólica que aprisionam mulheres de todas as idades. Elas têm a coragem de dizer não.

O que eu mais escuto das mulheres mais velhas que eu venho pesquisando nas últimas três décadas é: "Nunca fui tão livre, nunca fui tão feliz. É o melhor momento de toda a minha vida. É a primeira vez que eu posso ser eu mesma". É uma verdadeira libertação!

Simone de Beauvoir advertiu que não há para a mulher outra saída senão a de lutar pela sua libertação. Para tanto, cumpre-lhe recusar os limites de sua situação e procurar abrir para si, e para as outras mulheres, os caminhos da liberdade. A luta pela libertação é uma exigência não só das mulheres, mas também dos homens, já que, como escreveu Simone de Beauvoir, não só os escravos, mas também os senhores, são aprisionados pela mesma lógica de dominação.

A maior lição que Leila Diniz deixou para as novas gerações é a de que querer ser livre é querer também que os outros sejam livres. Cada brasileira que luta para se libertar dos próprios preconceitos, medos e prisões, pode inspirar e libertar muitas mulheres – e também homens – que desejam relações amorosas e sexuais mais igualitárias e satisfatórias.

Afinal, as mulheres não nascem livres: tornam-se livres.