• Antonia Frering @antoniafrering
Atualizado em
A colunista do Vogue Sem Idade, Antonia Frering (Foto: Divulgação)

A colunista do Vogue Sem Idade, Antonia Frering (Foto: Divulgação)

Um pensamento não saía da minha cabeça nas últimas semanas. Diante do cenário que estamos vivendo por causa da pandemia de Covid-19, estava em dúvida se devia ir ao hospital fazer meus exames de revisão. Liguei para o meu oncologista. Queria ouvir dele se, mesmo após oito anos curada do meu câncer de mama, devia sair de casa para fazer o acompanhamento semestral. A resposta foi direta. “Claro! Não te libero de jeito nenhum”.

Entrei em pânico. Logo eu que cumpri à risca a quarentena e estou fazendo o possível para não ir à rua. Não hesito mais. Esse processo faz parte da minha cura. Felizmente, meu médico é bastante persuasivo e não deixou brechas para dúvidas. E lá fui eu. Me dei conta de que muitas pessoas estão cometendo esse erro. Temendo ser contaminadas pelo vírus, acabam agravando doenças que já têm ou contraindo enfermidades piores. E no dia da revisão eu novamente percebi a minha agonia e a de todas que passam pela mesma situação.

Enquanto aguardava a chamada para os exames, meu marido observava meus passos irrequietos na sala de espera. Preocupado, perguntou se estava tudo bem. A resposta foi dada com um sinal afirmativo de cabeça e um leve sorriso no olhar, uma vez que a máscara esconde parte do rosto. Me sinto confortada. Não são poucos os homens que abandonam as mulheres quando elas ficam doentes, enquanto outros sequer as acompanham durante o tratamento.

Um rápido olhar no entorno da sala de espera comprova o que as estatísticas revelam. A maioria estava ali sozinha, numa situação que é tão difícil para todas. Vejo mulheres que estão passando pelo que eu passei. Algumas com olhar angustiado, outras com o olhar forte, de sobrevivência. Mais uma vez agradeço, meu marido está comigo. De novo.

Este é um momento, para aquelas que não têm um companheiro, de não se sentirem com medo ou vergonha de pedir a um amigo, filho ou a alguém que as acompanhe. Não é fácil estar ali sozinha. Toda mulher que passou por essa experiência sabe o quanto isso nos transforma e deixa cicatrizes, internas e externas.

As minhas marcas internas se manifestam de maneira mais acentuada quando faço os exames de controle, a cada seis meses, e vou à consulta com o meu médico para saber se está tudo bem. Confesso, não é fácil. É uma agonia, um sentimento que compartilho com amigas que passaram pela mesma dor. Conheço algumas que cancelam a consulta na véspera, tamanha é a tensão; outras me ligam preocupadas. Todas nós ficamos muito angustiadas na semana que antecede os exames.

Sinto dor ao fazer a mamografia. Mas não tem jeito, é mais um exame que precisa ser feito. Chega o momento da última etapa: a consulta. Meu coração batendo forte: TUMTUMTUMTUMTUMTUM. E de soslaio surge meu medo: será que vou passar por tudo aquilo de novo? Rezo... Deu tudo certo. Aliviada, pergunto ao meu médico: “quando completar 10 anos da cirurgia não precisarei mais vir aqui, não é?” Ele responde que terei de ir sempre. Pasmei...

Mas irei, enfrentarei meus medos, minhas angústias, estarei lá confiando em Deus, mas também em mim, na responsabilidade que tenho no acompanhamento que me foi designado. Vou sempre levar à sério e sair mais forte, curada... mais dona de mim.

Ao chegar em casa me sinto agradecida por mais essa vitória. Diante do espelho, observo a cicatriz no meu peito. É interessante como as coisas mudam de prisma. Hoje não me importo de ter cicatrizes, pelo contrário, elas são uma lembrança do que vivi. Graças a essa cicatriz eu pude colocar um cateter, e, através dele, fazer quimioterapia, uma vez que não havia mais veias.

Nunca me preocupei com a questão estética, em fazer um laser para escondê-la. Quando se passa por essa experiência, como eu e tantas mulheres já passaram, o mais importante é estar viva, com saúde. O momento ruim passou e a cicatriz está ali nos lembrando todo dia que somos guerreiras, que sobrevivemos.

Estou bem e isso é o que importa. Meu câncer foi hormônio dependente, e isso me impede de fazer reposição hormonal. Mas quer saber? Tá ótimo! Meu cabelo hoje consiste em fios finos e leves, embrenhados com fios crespos e rebeldes. E está tudo bem. Ok, minha pele ficou mais flácida, vamos de exercícios, existem várias maneiras de manter a forma. Tudo isso passa a ter um peso muito menor quando o que está em jogo é a nossa vida. E devemos fazer a nossa parte nesse processo de autocuidado. Essa responsabilidade é de cada uma.

Se você está passando por isso agora, tenha coragem, força e muita fé, vai passar! E quanto às cicatrizes, elas serão uma lembrança de cura, um sinal de que você sobreviveu. Se me permite um conselho, crie uma meta para quando tudo passar. Ajuda demais conseguir ter um olhar além da doença. Seja forte. Confie. É um momento muito difícil. Para umas é uma pedra maior no caminho do que a de outras, mas conseguiremos ultrapassá-la, olhar para trás e pensar: eu venci!