• Guilherme de Beauharnais
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Abre Meia-calça (Foto: Getty Images)

Abre Meia-calça (Foto: Getty Images)

Com o inverno batendo na porta, preparar o guarda-roupa para o frio é um caminho natural para quem não quer abrir mão do estilo. Com tantas opções de casacos e outros acessórios tradicionais da estação (incluindo pantufas quentinhas para ficar em casa), é fácil esquecer que outros itens corriqueiros podem ser aliados na estação gelada. É o caso da meia-calça, uma peça favorita na moda pela versatilidade (com versões coloridas ou rasgadas e fios do fino ao grosso) e infinita possibilidade de looks e combinações fashionistas.

Apesar de ser um clássico nas lojas e passarelas, a meia-calça já fez parte de uma das maiores revoluções tecnológicas, femininas e feministas na história. Te contamos tudo que você precisa saber sobre ela aqui.

Assim como o salto-alto e outras peças que hoje associamos com a moda feminina, as meias-calças têm origem no guarda-roupa masculino, mas nada impediu que as mulheres seguissem a tendência. Por séculos, ela foi usada como forma de distinção social: enquanto as camadas mais pobres da sociedade usavam meias de algodão, a nobreza e a realeza podiam pagar por uma versão das peças em seda.

Cannes (Foto: Getty Images)

Detalhe do quadro "La Toilette" (1942), de François Boucher, mostrando um meia-calça do século 18 (Foto: Getty Images)

O item era luxuoso, mas pouco prático. Além de não aquecer, a falta de elasticidade exigia que, tanto homens quanto mulheres, precisassem de ligas (chamadas de jarreteiras) para não deixar as meias caírem. O hábito de amarrar a peça com fitas era tão comum que o assunto migrou até para o mundo da arte. Grandes artistas, como François Boucher em "La Toilette" (1742), pintaram a prática.

No século 19, os homens adotaram meias mais curtas, enquanto as mulheres continuaram a usar versões mais longas. Com a Revolução Industrial, as meias-calças produzidas começaram a ser produzidas em máquinas, se tornando mais acessíveis e esteticamente diversas. Foi nesse período, em que o puritanismo da Era Vitoriana ditava as regras da sociedade, que a sexualiação das pernas femininas atingiu o ápice. A fetichização impulsionou a criação de meias-calças de renda, precursoras da clássica meia-arrastão, que foi símbolo de sensualidade até os anos 1950, antes de ser incoporada na cena punk.

Cannes (Foto: Getty Images)

Mulher da Era Vitoriana com meia-calça preta, c. 1890 (Foto: Getty Images)

O início do século 20 trouxe mudanças significativas para a moda. Enquanto os vestidos e saias ficaram mais curtos, as meias se tornaram protagonistas no visual feminino. Padronagens e estampas (como xadrez, listras e flores) ganharam espaço e, na década de 1920, as flappers (ou melindrosas) usaram e ousaram nas meias, combinando com saias curtíssimas para chamar atenção para as pernas dançantes.

O item já era tão icônico que virou até assunto de cinema. Em 1927, o estúdio de cinema Paramount encomendou um filme mudo de comédia estrelado pela atriz e flapper icônica Louise Brooks, chamado de "Rolled Stockings" (Meias Enroladas).

Three women in period swimwear kick up their legs together and laugh while wading in the ocean. (Photo by Kirn Vintage Stock/Corbis via Getty Images) (Foto: Corbis via Getty Images)

Flappers exibindo suas meias na praia, c. 1923  (Photo by Kirn Vintage Stock/Corbis via Getty Images) (Foto: Corbis via Getty Images)

Rolled Stockings, lobbycard, from left: Louise Brooks, James Hall, 1927. (Photo by LMPC via Getty Images) (Foto: LMPC via Getty Images)

Pôster do filme "Rolled Stockings", de 1927, estrelado pela atriz e flapper icônica Louis Brooks (Photo by LMPC via Getty Images) (Foto: LMPC via Getty Images)

A primeira grande revolução no universo da meia-calça aconteceu em 1939, quando a companhia industrial americana DuPont apresentou na Feira Mundial, em Nova York, a meia-calça de nylon. A inovação científica prometia ser "mais leve que a lã e mais forte que a seda" e foi um sucesso entre as mulheres. Um dos pontos altos da criação era de que, além de ser mais resistente à rasgos, também era elástica, o que deixava de lado a necessidade de usar ligas e fitas.

A novidade chegou às lojas em 15 de maio de 1940, data que foi batizada como "Dia do Nylon". O primeiro lote, com 4 milhões de pares vendidos a aproxidamente 1,15 dólares, esgotou em dois dias. O único lado negativo do produto era a falta de diversidade estética. Como os cientistas ainda não haviam descoberto como colorir o fio, a meia-calça só era disponíel na cor preta.

Arquivos Condé Nast (Foto: Arquivos Condé Nast)

Capa da Vogue de outubro de 1941 (Foto: Arquivos Condé Nast)

O fascínio com o item foi tanto que as meias de nylon viraram até capa da Vogue, em outubro de 1941. O sonho só durou até o ano seguinte, quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial e a DuPont passou a usar o nylon para fazer paraquedas e outros equipamentos militares.

A demanda pela peça feminina não acabou e o mercado clandestino encheu com o produto, que podia chegar a custar mais de R$ 1,8 mil cada par. O racionamento de nylon ficou associado com as misérias da guerra e, em 1943, o assunto virou até música, com "When the Nylons Bloom Again" (Quando o Nylon Florescer Novamente), dos compositores da George Marion Jr. e Thomas "Fats" Waller.

Arquivos Condé Nast (Foto: Arquivos Condé Nast)

Editorial da Vogue de 1946, dedicado às meias-calças de nylon (Foto: Arquivos Condé Nast)

Impedidas pela falta do produto, as mulheres chegaram a solução de usar maquiagem para escurecer as pernas e criar a ilusão de que estavam usando meias-calças. A prática era tão comum que grandes marcas começaram a vender cosméticos especiais para o intuito, além de lápis de olho pretos que, quando riscados na parte de trás da perna, davam a impressão da costura no nylon. Mesmo as mulheres mais pobres apostavam na tendência, passando molho de carne na perna (que escurecia a pele depois de secar) e fazendo a linha preta com carvão.

Women compensate for a wartime shortage of nylons with the use of cosmetics. May, 1940. (Photo by © Hulton-Deutsch Collection/CORBIS/Corbis via Getty Images) (Foto: Corbis via Getty Images)

Mulher recebendo ajuda para riscar a parte de trás da perna e criar a ilusão de estar usando meias-calças de nylon, durante o racionamento da Segunda Guerra Mundial (Foto: Corbis via Getty Images)

A long line of women eagerly awaits the chance to purchase nylons at Selfridges and Company after the World War II shortages. (Photo by © Hulton-Deutsch Collection/CORBIS/Corbis via Getty Images) (Foto: Corbis via Getty Images)

Fila de mulheres para comprar meias-calças de nylon em Londres, depois da Segunda Guerra Mundial (Foto: Corbis via Getty Images)

O fim do conflito anunciou o retorno da produção da peça, mas não rápido o suficiente. A demora em reabastecer os estoques resultou nas Revoltas do Nylon entre 1945 e 1946, em que dezenas de milhares de mulheres (só em Pittsburgh, na Pensilvânia, foram 40 mil) se uniram para exigir o retorno das meias-calças às lojas.

Nos anos 1950, a versão "arrastão" da meia-calça se popularizou e ficou associada com as pin-up girls, atrizes e modelos que encarnavam o ideal de sensualidade da época. Marilyn Monroe, Sophia Loren e Elizabeth Taylor são exemplos de mulheres que já apareceram com a peça. Em 1959, aconteceu a segunda revolução na história do item: o surgimento da pantyhose.

Elizabeth Taylor (1932-2011), British actress, wearing a black playsuit and fishnet tights, posing on a foot stool, smiling in a studio portrait, circa 1955. (Photo by Silver Screen Collection/Getty Images) (Foto: Getty Images)

Elizabeth Taylor (1932-2011), British actress, wearing a black playsuit and fishnet tights, posing on a foot stool, smiling in a studio portrait, circa 1955. (Photo by Silver Screen Collection/Getty Images) (Foto: Getty Images)

(Eingeschränkte Rechte für bestimmte redaktionelle Kunden in Deutschland. Limited rights for specific editorial clients in Germany.) Monroe, Marilyn - Actress, USA - *01.06.1926-05.08.1962+ Scene from the movie 'Gentlemen Prefer Blondes'' - with Jane Russ (Foto: ullstein bild via Getty Images)

Marilyn Monroe e Jane Russell nos bastidores de Os Homens Preferem as Loires, de 1953 (Foto: ullstein bild via Getty Images)

Criada por Allen E. Gant para sua esposa grávida, essa nova meia-calça era uma versão única e mais comprida que a convencional, que sempre era vendidas em pares (uma para cada perna). A invenção, que depois também seria produzida com fios mais grossos, dando origem à legging, permitiu que designers e estilistas deixassem suas saias e vestidos ainda mais curtos.

Com a entrada dos anos 1960 (os Swinging Sixties), a moda ainda mais ousada. Meninas não queriam mais se vestir com mini versões de suas prórprias mães e a juventude encontrou outras formas de fazer e usar a moda. Paris e Londres lideraram o movimento e nomes como Mary Quant, Pierre Cardin e André Courrèges se inspiraram na Era Espacial para criar suas coleções, introduzindo a escandalosa minissaia como parte do novo guarda-roupa feminino.

From French Fashion designer, Pierre Cardin, a long white coat trimmed with black and worn over a short white skirt and black tights and shoes. This is part of the French Fashion collection in Paris.   (Photo by Evening Standard/Getty Images) (Foto: Getty Images)

Design de Pierre Cardin, dos anos 1960 (Photo by Evening Standard/Getty Images) (Foto: Getty Images)

Mary Quant, foreground, with models, showing hew new shoe creations in London.   (Photo by PA Images via Getty Images) (Foto: PA Images via Getty Images)

Mary Quant mostrando suas novas criações meias-calças coloridas para a imprensa londrina, nos anos 1960. (Foto: PA Images via Getty Images)

A nova peça, curtíssima, era a maneira perfeita de explorar a recém-inventada meia-calça única, que agora já conseguia ser produzida de todas as cores possíveis e imagináveis. Na década seguinte, os anos 1970, o movimento punk adotou as meias-arrastão como sinônimo de rebeldia, exibindo rasgos como manifesto de estilo e personalidade.

(AUSTRALIA OUT) The Big Picture. Susan Waters shows the punk scene hitting Sydney's streets, 2 August 1977. SMH News Picture by W GIBSON (Photo by Fairfax Media via Getty Images/Fairfax Media via Getty Images via Getty Images) (Foto: Fairfax Media via Getty Images)

Duas mulheres punk londrinas, com meias-arrastão rasgadas, em agosto de 1977(Foto: Fairfax Media via Getty Images)

Com a crescente entrada da mulher no mercado de trabalho durante os anos 1980, a meia-calça assumiu o papel de fiel companheira da mulher corporativa. Por baixo das saias de alfaiataria ou mesmo de calças mais amplas, o item se tornou indispensável no ambiente empresarial, perdendo o aspecto rebelde ou sensual que só voltaria anos depois, com as passarelas na década de 1990.

British-American editor and journalist Anna Wintour attends a New York Ballet gala at the New York State Theater at Lincoln Center, New York, New York, May 1, 1990. (Photo by Ron Galella/Ron Galella Collection via Getty Images) (Foto: Ron Galella Collection via Getty)

Anna Wintour usando meias-calças brancas, em Nova York, 1990. (Foto: Ron Galella Collection via Getty)

Gianni Versace, Dolce & Gabbana e Azzedine Alaïa são alguns dos nomes que ajudaram a reviver o lado ousado da meia-calça. O item voltou a marca presença nas pernas de fashionistas ao redor do mundo e são poucas as personalidades que não foram flagradas por paparazzi com pelo menos um par.

Models Naomi Campbell and Kate Moss attend the Designer of the Year Awards at the Natural History Museum during London Fashion Week, 19th October 1993. (Photo by Dave Benett/Getty Images) (Foto: Getty Images)

As modelos Naomi Campbell e Kate Moss juntas, em Londres, em 1993 (Foto: Getty Images)

Christy Turlington - Vivienne Westwood ready to wear fashion show fall winter 1993 collections. (Photo by Bertrand Rindoff Petroff/Getty Images) (Foto: Getty Images)

Christy Turlington desfilando para Vivienne Westwood, na temporada de outono-inverno 1993 (Foto: Getty Images)

Depois de uma breve passagem pelo movimento grunge, as meias-calças atravessaram a virada do século 21 mais frescas do que nunca. Os anos 2000 trouxeram o fim das limitações da peça, que começou a ser usada por pessoas de diferentes tribos culturais. Das românticas às roqueiras, das socialites às estudantes preppy, garotas e mulheres adotaram os mais variados estilos de meia-calça.

Lanvin (Foto: Divulgação)

Lanvin, outono-inverno 2022 (Foto: Divulgação)

Chanel (Foto: Divulgação)

Chanel, Resort 2022 (Foto: Divulgação)

O fascínio com o item só cresce à cada temporada e as passarelas já provaram que não existe sapato certo ou errado para combinar com a meia-calça. Se a história da peça prova alguma coisa, é que não existem regras para usá-la. Ainda assim, existem truques valiosos que ajudam na hora de escolher o tipo ideal para cada ocasião (ou estação). Abaixo, você confere os três tipos de meia-calça e dicas de como usar.

Miu Miu (Foto: Divulgação)

Miu Miu, pre-fall 2020 (Foto: Divulgação)

Fio fino (do 7 ao 20)

As meias-calças com fios finos são as mais naturais. Além de serem as preferidas em estações mais quentes, também são as mais eleitas quando a ideia é suavizar e uniformizar o tom de pele nas pernas. Em tons de bege, podem ficar quase imperceptíveis, enquanto no preto, branco ou outras cores, deixam à mostra o fundo natural da pele que algumas fashionistas acham um charme.

Bruna Marquezine (Foto: Reprodução/Instagram)

Bruna Marquezine (Foto: Reprodução/Instagram)

CASTEL DEL MONTE, ITALY - MAY 16: A model walks the runway during Gucci Cosmogonie at Castel Del Monte on May 16, 2022 in Andria, Italy. (Photo by Daniele Venturelli/Getty Images for Gucci) (Foto: Getty Images for Gucci)

Gucci (Foto: Getty Images for Gucci)

Fio grosso (do 40 ao 80)

Queridas entre as bailarinas, as meias-calças de fio grosso são ideais para produções em que as meias são protagonistas, especialmente se o look for apostar na tendência do colour-blocking. Também são preferidas para dias mais frios, seja no outono ou no inverno.

LONDON, ENGLAND - NOVEMBER 29:  Precious Lee arrives at The Fashion Awards 2021 at Royal Albert Hall on November 29, 2021 in London, England. (Photo by David M. Benett/Dave Benett/Getty Images) (Foto: Dave Benett/Getty Images)

Precious Lee arrives no Fashion Awards 2021, em Londres (Foto: Dave Benett/Getty Images)

Lauren-Nicole (Foto: Reprodução/ Instagram)

Lauren-Nicole (Foto: Reprodução/ Instagram)

Fio super grosso (do 80 ao 150)

PARIS, FRANCE - OCTOBER 2: Lotta Volkova wears a teal baby doll dress, silver Miu Miu purse, yellow leggings, and silver transparent heels before the Miu Miu show during Paris Fashion Week Spring/Summer 2019 on October 2, 2018 in Paris, France. (Photo by  (Foto: Getty Images)

Lotta Volkova com look Miu Miu durante a Semana de Moda de Paris (Photo by (Foto: Getty Images)

Ainda mais espessas que as citadas anteriormente, as meias-calças super grossas são perfeitas para os dias mais frios de inverno. Aqui, vale manter a prática sustentável e resistir à tentação de ter várias no guarda-roupa. Como no Brasil são poucos os dias de inverno rigoroso, vale apostar em um estilo mais básico e ousar nas cores, estampas, texturas e padronagens nas meias com fios menos grossos.