• Guilherme de Beauharnais e Paula Mello
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Costanza Pascolato fala sobre o legado de Cristóbal Balenciaga (Foto: Reprodução/ Acervo de Família e Getty)

Costanza Pascolato fala sobre o legado de Cristóbal Balenciaga (Foto: Reprodução/ Acervo de Família e Getty)

Se hoje o nome “Balenciaga” está associado às excentricidades criativas e direções provocadoras de Demna Gvasalia, que conquistaram as novas gerações de fashionistas, esse não era o caso quando Costanza Pascolato se casou em 1962. Jovem, mas já com fortes opiniões pessoais sobre o próprio estilo, não se opôs à ideia de ir à cerimônia vestindo um um modelo Balenciaga.

Costanza Pascolato (Foto: Reprodução/ Acervo de Família)

Costanza Pascolato (Foto: Reprodução/ Acervo de Família)


À essa altura, “El Maestro” já não era uma novidade no mundo da moda; ao contrário de Yves Saint Laurent, que estava às vésperas de inaugurar seu próprio ateliê depois de anos na Christian Dior. Ao contrário, Balenciaga estava entrando naquela que seria sua última década no universo luxuoso da alta-costura. A pressão e iminência do prêt-à-porter desgastaram seus ânimos e, em 1968, Cristóbal se aposentou.

PARIS, FRANCE - SEPTEMBER 19: Swedish Actress Anita Ekberg Leaving the Balenciaga Shop in Paris, France, on September 19, 1962 . (Photo by REPORTERS ASSOCIES/Gamma-Rapho via Getty Images) (Foto: Gamma-Rapho via Getty Images)

 (Foto: Gamma-Rapho via Getty Images)


Ainda assim, seus últimos momentos no ateliê contaram com uma clientela devota e admiradores sofisticados, incluindo Coco Chanel, Hubert de Givenchy e mulheres do jet-set internacional, como a fiel socialite Mona Von Bismarck. Desse grupo ilustre, também faziam parte as estrelas de Hollywood e, no outro lado do espectro, as mesdames et mesdemoiselles elegantes da aristocracia europeia. Gabriella Pallavicini e Costanza Pascolato, mãe e filha, são exemplos delas.

Vestido Balenciaga (Foto: Reprodução/ Instagram @balenciaga_files)

Vestido Balenciaga (Foto: Reprodução/ Instagram @balenciaga_files)

“Ele fazia tudo deslumbrantemente bem. As roupas do Balenciaga enalteciam as mulheres; era uma espécie de arquitetura em volta do corpo”, lembra Costanza, cujas raízes aristocráticas bem dialogavam com o cenário da couture parisiense na época. Desde 1945, sua família já vivia no Brasil e seus pais italianos (como ela, nascida em Siena) dividam o tempo entre a vida social com a elite paulistana e a vida empreendedora, na tecelagem Santaconstancia que fundaram em 1948.

Costanza Pascolato fala sobre o legado de Cristóbal Balenciaga (Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal)

Costanza Pascolato (Foto: Reprodução/ Acervo de Família)


A empresa estreitou ainda mais as relações dos Pascolato com o allure do luxo europeu, já que nas décadas de 1950 e 1960, exportava tecidos para as maisons de moda francesas. Por esse motivo, Gabriella Pascolato encomendou uma toile de Cristóbal Balenciaga (molde oferecido seis meses após os desfiles apresentados nos salões) para ser adaptada no Brasil, onde serviria como vestido do casamento de sua filha, Costanza, com Robert Blocker, em 1962. "Queria um modelo que não fosse rebuscado, porque eu sou mais minimalista", conta Costanza.

Costanza Pascolato (Foto: Reprodução/ Acervo de Família)

Costanza Pascolato (Foto: Reprodução/ Acervo de Família)


Para completar o “look bridal”, a noiva usou um véu veneziano de 150 anos, herança de sua bisavó, enviada pela tia que morava no Canadá.

A responsável pela tarefa de adaptar a toile foi a espanhola Corinna, uma costureira do ateliê que veio ao Brasil. “Nunca vou me esquecer – ela montou o vestido em cima do meu corpo”, diz Costanza, que também aprendeu com a costureira alguns fundamentos de sofisticação: “Ela sempre repetia falas do Balenciaga: ‘Forma e proporção. Elimine o decorativo para aperfeiçoar o corte’.”

Balenciaga (Foto: Reprodução)

Balenciaga (Foto: Reprodução)


Sobre o período, Pascolato lembra o estilo em voga: roupas estruturadas. Esse savoir, naturalmente, Cristóbal dominava: “Ele realmente foi o costureiro do século. Conseguia trabalhar com tecidos que eram rígidos, encorpados. E para fazer esses materiais valorizaram o corpo de uma mulher, é muito difícil. Precisa ter uma qualidade de corte e precisão impressionantes”.

Vestido Balenciaga (Foto: Reprodução/ Instagram @balenciaga_files)

Vestido Balenciaga (Foto: Reprodução/ Instagram @balenciaga_files)

Durante a conversa, Costanza voltou mais de uma vez à uma das criações mais célebres de Balenciaga, e que bem exemplifica seu talento como couturier: um vestido de casamento de costura única, feito em 1967. Esse modelo foi revisitado por Demna Gvasalia no retorno da marca à alta-costura no ano passado, 53 anos desde que Cristobal fechou as portas.  

Criações como essas vieram apenas um ano antes de Cristóbal se aposentar, prova de que continuou inovando até o último momento. Costanza lembra que, já no início dos anos 1960, Balenciaga caminhava para “um estilo mais futurista, com origem na alfaiataria”, ainda que seu próprio vestido (“com tecido trabalhado na diagonal e com uma só costura nas costas”) fosse “menos futurista e mais próximo ao corpo”.

FRANCE - 1927:  Cristobal Balenciaga (1895-1972), Spanish couturier. France, on 1927.  (Photo by Roger Viollet via Getty Images/Roger Viollet via Getty Images) (Foto: Roger Viollet via Getty Images)

Cristobal Balenciaga (Foto: Roger Viollet via Getty Images)


Mesmo assim, segundo ela, esse “futurismo” esteve longe de aproximar o costureiro de outros nomes da moda na época, como Mary Quant, que se inspiravam nos comportamentos populares da rua, precursores do street style moderno. Mas “influenciou Courrèges, que foi assistente de Balenciaga."

The civil wedding ceremony of Belgian Royal Baudouin of Belgium (1930-1993) and Queen Fabiola of Belgium (1928-2014) in the Throne Room of the Royal Palace of Brussels, in Brussels, Belgium, 15th December 1960. The bride's dress was designed by Cristobal  (Foto: Getty Images)

Em 1960, a rainha Fabiola da Bélgica com um vestido Balenciaga (Foto: Getty Images)


Um gênio, “O Mestre” misturava a dose certa do esnobismo da couture pós-guerra com a austeridade religiosa, herança de suas origens espanholas. O resultado era puro minimalismo que, para Pascolato, “transforma o corpo através da roupa”. Minimalismo esse que nada tem a ver com os gostos menos discretos que se tornaram moda a partir dos anos 80, com novos estilistas e clientes afluentes.

Outros exemplo de vestido de noiva Balenciaga (Foto: Reprodução/ Instagram @ cristobalbalenciagamuseoa)

Outros exemplo de vestido de noiva Balenciaga (Foto: Reprodução/ Instagram @ cristobalbalenciagamuseoa)

Essas simplicidade, ela conclui, deu lugar para novas formas de se relacionar com a moda. No campo do estilo, a indústria seguiu para caminhos mais democráticos, ainda que “meio traumáticos” na era de vigilância estética das redes sociais. A própria haute couture tornou-se ímã para flashes em red carperts. No fim, não há conflitos. Para Pascolato, “Tudo está de acordo com os tempos de hoje”.