• Hamish Bowles
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Designer Virginie Viard with her son Robinson Fyot wearing white round neck t shirt and denim jacket (Foto: Anton Corbijn)

A diretora criativa da Chanel, Virginie Viard, e seu filho, Robinson Fyot, em Paris (Foto: Anton Corbijn)

Virginie Viard, a força criativa e discreta por trás da reinvenção da Chanel, pode ser uma mulher de poucas palavras, mas não mede o que diz. Sua conversa, de acordo com sua amiga, a modelo, escritora e produtora musical Caroline de Maigret, “é o oposto do small talk. Ela não sabe fingir uma conversinha”. Viard se lembra nitidamente de seu primeiro desfile Chanel: uma apresentação campy de alta-costura, apresentada no fim dos anos 80, para a qual foi convidada por um amigo da família. A coleção era cheia de chapéus, luvas e modelos, incluindo Inès de la Fressange e Marpessa Hennink, fazendo caras e bocas na passarela. O que ela achou da coleção? “Horrível!”, admite hoje. “Tão antiga.”

A trajetória de Viard – de valiosa diretora de estúdio da Chanel de Lagerfeld, que a descrevia para todos como “meu braço direito e esquerdo”, à diretora criativa da marca após sua morte, em fevereiro de 2019 – foi uma transição tão elegante, que poderia ter sido confeccionada nos lendários ateliês de alta-costura da maison. Se os fofoqueiros do mundo da moda esperavam que a discretíssima família Wertheimer, proprietária da Chanel, escolhesse um nome ousado para substituir Lagerfeld, houve várias dicas indicando que, em vez disso, eles optariam pela continuidade, recompensa e expertise. Sem mencionar o fato de que o próprio Lagerfeld levou Viard, que trabalhava com ele desde 1987, para compartilhar os aplausos nas duas últimas coleções quando ele foi agradecer à plateia. Sob as grandes sombras de Lagerfeld e Gabrielle “Coco” Chanel – duas das mais formidáveis forças criativas dos séculos 20 e 21 –, Virginie Viard, 58 anos, talvez seja a designer menos famosa na maison mais famosa do mundo. É tímida e absolutamente discreta em comparação com os dois nomes. “Ela é ação versus conversa”, diz a atriz e embaixadora da marca Kristen Stewart. “E adota a diversidade – ela própria é meio estranha de uma maneira linda”, completa.

Viard com Karl Lagerfeld e Hudson Kroenig, afilhado do kaiser, no aceno final do desfile Métiers d’Art Paris-New York 2018/19 (Foto: Anton Corbijn)

Viard com Karl Lagerfeld e Hudson Kroenig, afilhado do kaiser, no aceno final do desfile Métiers d’Art Paris-New York 2018/19 (Foto: Anton Corbijn)

Natural de Lyon, famoso centro têxtil na França e filha de médicos, Viard se mudou para a cidadezinha de Dijon, para onde seu pai foi chamado para trabalhar em um hospital. Criança, se fantasiava de enfermeira ou médica e o acompanhava para alegrar seus pacientes, mas nunca teve a intenção de seguir carreira na medicina. “Adoro conhecer médicos e conversar com eles”, ela diz hoje. Mas, muito antes, já havia decidido que “moda era mais fácil”.

Aos 20 anos, ela, que aprendeu a costurar com a mãe, montou com uma amiga, uma marca, Nirvana, fazendo roupas a partir de tecidos produzidos na tecelagem do avô. Assim como a jovem Gabrielle Chanel, preferia trabalhar com jérsei, mas mais tarde aprimorou suas habilidades com moldes em uma escola de moda local – ela também trabalhava aos sábados em uma loja de bijuterias, mas “nunca vendia nada”, lembra. “Tinha medo das clientes!”, ri.

Paris por fim a chamou, onde – por meio de sua roommate bem conectada de Lyon – conseguiu um estágio com Jacqueline de Ribes, a socialite “abelha-rainha” da cidade, que havia decidido explorar seu talento para a moda em uma marca própria. “Trabalhávamos em sua casa”, Viard relembra. Logo ela seguiu em frente e se tornou assistente da figurinista Dominique Borg, aclamada por seu trabalho em filmes como Camille Claudel e Les Misérables, de Claude Lelouch, e descobriu o que achava ser sua verdadeira vocação.

From left Ladj Ly wearing sweatshirt, trousers, sneakers, Suzanne Lindon wearing t shirt, jacket, jeans, Angèle wearing top, trousers, Sébastien Tellier wearing t shirt, cap, Robinson Fyot wearing t shirt, Mona Tougaard wearing jacket, trousers, Anne Bere (Foto: Anton Corbijn)

Virginie Viard (no centro, de jaqueta jeans), cercada por suas musas e colaboradores. A partir da esquerda: a diretora Ladj Ly, a atriz Suzanne Lindon, a cantora Angèle e o músico Sébastien Tellier. À direita, o filho de Viard, Robinson Fyot, a modelo Mona Tougaard, a escritora Anne Berest e sua amiga, a modelo e escritora Caroline de Maigret (Foto: Anton Corbijn)

Enquanto isso, sua família havia se mudado para uma casa de campo na Borgonha, onde o vizinho – um assistente do príncipe Rainier, de Mônaco – conheceu Karl Lagerfeld, residente monegasco e íntimo da princesa Caroline, e foi ousado o suficiente para perguntar se ele precisava de uma estagiária. Por sorte, ele estava à procura de uma. Virginie logo foi para a Rue Cambon conhecer o aristocrata Gilles Dufour, braço direito de Lagerfeld, que a contratou na hora. “Rapidamente, Karl começou a me perguntar: ‘O que acha disto?’, ‘O que acha desta cor?’. Eu morria de vergonha”, recorda. O estágio logo virou um emprego em tempo integral. “Karl se deu bem com Virginie imediatamente”, diz Eric Wright, outro pilar da equipe de Lagerfeld. Na época, o time era enxuto: além de Dufour e Wright, havia uma assistente de prêt-à-porter, um designer de acessórios com um assistente e Victoire de Castellane, a animada sobrinha de Dufour, então responsável pelas bijuterias da Chanel.

Viard logo viu uma oportunidade que lhe chamou a atenção por conta de sua experiência com figurino e meticulosa capacidade de organização. “Minha sorte foi que ninguém era responsável pelos bordados”, conta ela, que foi despachada para trabalhar com o formidável François Lesage, da lendária Maison Lesage. “Ele e Karl eram dois egos. Oh-là-là! Eu tinha de ser diplomática!”, relembra ela.

A vida de Virginie (Foto: Anton Corbijn)

 (Foto: Anton Corbijn)

Em 1992, Karl Lagerfeld voltou à Chloé – cujo estilo romântico e poeticamente retrô ele havia definido desde 1964 até sair para se juntar à Chanel em 1982 – e levou Viard com ele. Em 1993, a Vogue francesa publicou o perfil de Virginie Viard como uma it-girl que exemplificava o espírito da Chloé recém-nascida de Lagerfeld. “Adoro coisas bobas!”, contou à escritora Charla Carter, que notara um coleção de globos de neve, um telefone de sapo de plástico verde e um cacto de papel machê com listras vermelhas e amarelas, pintadas por Stefan Lubrina, hoje responsável pelos épicos cenários da Chanel. “Nunca usei roupas da marca, mesmo quando trabalhei lá”, admitiu Viard à época. Sybilla, Helmut Lang, John Galliano e Martin Margiela eram seus estilistas preferidos. “Gosto de toques engraçados”, comentou. “Mas nada muito artificial. Digamos que gosto de coisas que são estilizadas, porém reais.” A estética elétrica de Viard, exemplificada em looks como as calças de pijama de veludo molhado vermelho que ela usou com camisa branca masculina, logo estava refletida nas coleções boho de Lagerfeld para Chloé. Lá, Viard trabalhava à noite, ao som de Red Hot Chili Peppers ou de bandas grunge. “Karl chegava muito tarde, às vezes às 11 da noite, porque ele trabalhava na Chanel o dia todo e na sua marca, a Lagerfeld.”

Este é um trecho da matéria "A vida de Virginie" que recheia a edição de janeiro 2021 da Vogue Brasil. Leia o texto completo na versão física ou digital da revista. 

Fotos: Anton Corbijn
Cabelo: Delphine Courteille
Make: Lucia Pica