• Ju Ferraz (@juferraz)
Atualizado em
Ju Ferraz usa quimono e cinto Aleha. Brincos Camila Klein (Foto: João Bertholini)

Ju Ferraz usa quimono e cinto Aleha. Brincos Camila Klein (Foto: João Bertholini)

Não é fácil escrever sobre nós mesmas. Eu passei dias e dias para redigir este texto que conta um capítulo importante da minha vida pessoal. Mas foi a luta pela minha autoaceitação que me fez chegar às páginas de uma edição tão especial de Vogue, um lugar que nunca, nem nos meus sonhos mais distantes, sonhei estar, simplesmente porque nunca fui o padrão que imperava nas capas e nas páginas das revistas de moda mundo afora. E eu acreditava que não servia para estar aqui. Hoje sei que eu e todas nós merecemos.

Talvez, fosse mais fácil falar sobre a minha carreira profissional pois por muito tempo me escondi atrás do meu trabalho, da vida atribulada e da falta de tempo para mim mesma como desculpa para não me amar, não me perceber e não entender o que acontecia dentro de mim. Sou empresária, empreendedora e criativa ligada no 220 volts e apaixonada por gente, produção de eventos e live marketing. Sou mãe e uma mulher bonita, e, assim como todas, em alguns dias me acho linda, outros nem tanto e assim vou seguindo. Mas mergulhar profundamente na Juliana não foi e não é tão fácil assim. Cheguei até aqui com toda uma vida numa montanha-russa de peso, medidas e crises internas, tentando tapar buracos profundos com comida, compulsão alimentar, com muita ansiedade,uma guerra contra o espelho e, de certa forma, contra mim mesma.

Nasci em Salvador, no mesmo dia de Carmen Miranda – 9 de fevereiro –, apaixonada por Carnaval, pelo mar da Bahia, e tanto pela Casa de Iemanjá, da legítima tradição do candomblé, quanto pela Igreja do Nosso Senhor do Bonfim. Tive uma infância feliz, familiar, rodeada por amigos e muito solar. Cresci ouvindo que precisava comer para ficar forte, que era pecado deixar a comida no prato e falta de educação dizer não ao que te ofereciam.

Eu era uma menina normal, mas que aos olhos dos outros estava ficando gordinha. Para resolver o problema, fui então, aos 11 anos, à primeira consulta com uma nutricionista da minha vida. Ainda lembro do consultório e do gosto do frango grelhado com molho de laranja e abóbora que comia todos os dias. Mas como fazer dieta se na minha família recusar o que tinha na mesa era uma ofensa pessoal? Aos 15 anos, perdi meu pai e, como trauma sofrido, comecei a comer compulsivamente. Foi nessa época que ganhei o apelido de Ju Bola. Fui chamada assim dos 15 aos 21 anos e, até hoje, se você for a Salvador, muitos ainda irão se referir a mim dessa maneira. Como se fosse só um apelido e não um jeito de marcar a ferro alguém que era definida assim simplesmente por ser uma mulher “fora dos padrões”. Eu fingia não me importar, mas, por dentro, os fantasmas cresciam. E eles tinham nome: baixa autoestima, insegurança, falta de feminilidade e muito medo de não ser merecedora de uma vida amorosa feliz e compartilhada. Como não me sentia pessoalmente completa, passei a me ocupar. E muito.

Me mudei da Bahia para São Paulo e foi no mercado profissional que achei que poderia ser notada como outra coisa. Foram anos de muitas conquistas, em que passei olhando para fora. Mas quanto mais focava no externo, mais esquecia de mim. Odiava me olhar no espelho (virava quando via um no elevador), não experimentava roupas, fazia fotos atrás de todo mundo para não mostrar meu tamanho real. Durante muito tempo, lutei contra minha imagem, não era feliz naquele corpo, sonhava em ser magra. Tomei remédios, injeções, massagens, chás… Tudo o que diziam que era para perder peso, eu aceitava,em busca do corpo perfeito. De certa maneira, funcionava: eu emagrecia e me sentia empoderada, mas, quanto mais achava que estava fazendo um bem para mim, mais me desconectava de quem eu era. E pior: quando comia, era como se tivesse uma recaída, já que engordava de novo.

Para completar, em um desses momentos tive um burnout que me levou ao fundo do poço – mas que hoje vejo como uma oportunidade de recomeço. Passei a me tratar com médicos, psicólogos, psiquiatras e descobri que tinha distorção de imagem, ou seja, não me enxergava como realmente era, e tinha uma falta de autoamor imensa. Não conseguia me achar bonita, valorizar a minha aparência. Aos poucos, entendi que, no fundo, a busca era pela minha própria aceitação. Só fui perceber a força disso tudo depois que me encarei de frente e enfrentei todos os meus fantasmas.

Se estou mais forte? Talvez. Mas nunca tive outra opção na vida. Ainda não me curei dessa luta – sigo fazendo terapia especializada em distúrbio alimentar – e hoje sou mais generosa comigo e mais livre do julgamento do outro. A mulher que vivia se escondendo nas fotos e nas roupas escuras e folgadas, resolveu se despir – dos olhares, das minhas vergonhas e inseguranças. Até campanha de moda praia eu fiz, numa espécie de desabrochar tardio.

Do alto dos meus 39 anos, menos de 1,60 m e dos quase 80 kg, eu não só estou aqui, na Vogue, como também tenho descoberto o meu lugar, entendido o meu tamanho – literal e metafórico. Comecei a escrever sobre as minhas fragilidades, a dar palco para mulheres que superaram os mesmos medos que os meus, a falar sobre body positive, que, para mim, é um verdadeiro equilíbrio entre corpo e alma. Aprendi claramente que não existe saúde física se não tivermos saúde mental. Não existe evolução sem autoconhecimento. Não existe amar o outro sem autoamor. E isso não é teoria, é prática. Talvez essas duas páginas sejam as mais importantes da minha vida, porque entendi que só sou instrumento de luta e de quebra de padrões. Por isso, deixo aqui um convite para que você também seja feliz, na sua própria pele. Chegou a nossa hora! Podemos – eu, você, sua filha e as próximas gerações – ser felizes e ter orgulho de quem somos e de como somos. Podemos usar braços de fora, cair de biquíni no mar sem frescura e não ter vergonha de simplesmente existir. E quanto mais percebermos isso tudo,mais nos sentiremos livres e fortes para vivermos a nossa melhor versão.

Styling: SamTavares
Beleza: Amanda Pris com produtos Sallve e MAC Cosmetics