• Bruno Costa (@brogueirinho)
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GIF Personalidades (Foto: Reprodução )

(Foto: Reprodução )

De onde vem a sua família? É essa a provocação que o jornalista belo-horizontino Tiago Rogero (@tiagorogero) dá início na narração do primeiro episódio do podcast Vidas Negras, conteúdo nacional original da plataforma Spotify, com produção da Rádio Novelo, que estreou no dia 4 de novembro e toda quarta-feira lança um episódio inédito. "Quem são os nossos antepassados? Na escola, a gente aprende muito pouco sobre isso, sobre as personalidades negras, sobre os escritores negros, sobre as pessoas negras que fizeram grandes feitos", comenta. O projeto, que conta com a maioria de produtores e pesquisadores negros no backstage, tem como propósito em registrar as vidas das pessoas negras no Brasil, uma vez em que essa população é a que mais sofre com o apagamento de suas histórias e origens. "Cada história negra que for rememorada vai ser um serviço imenso para memória e para construção de um ideal de país."

Carolina de Jesus é a primeira personagem que inaugura o Vidas Negras. Sua história é contada a finco por Rogero, juntamente da filha de Carolina, a professora Vera Eunice de Jesus Lima, a escritora Eliana Alves Cruz e outros relatos jornalísticos que recontam as passagens da pequena estudante em Minas Gerais, presa sob uma acusação falsa de roubo durante a adolescência e que encontrou na literatura um refúgio para externalizar as suas inquietações e realidade enquanto pessoa negra e pobre no Brasil.

Carolina de Jesus (Foto: Arquivo Nacional)

Carolina de Jesus (Foto: Arquivo Nacional)

"Para quem ainda não ouviu, tem um trecho muito forte de uma entrevista da Carolina para um repórter e a última resposta dela é muito dolorosa. O silêncio que ela faz antes de dar a resposta, com a forma que ela dá, que já é um volume diferente do que ela estava falando, um pouco mais baixo, é muito rico que diz muito. Tudo isso dói muito", expõe o jornalista ao ser questionado sobre o quanto que pesquisar e desvendar as biografias podem, de alguma maneira, trazer à tona as dores da população negra, atrelada as suas próprias angústias como pessoa negra.

Entretanto, para o produtor de conteúdo, o diferencial do podcast não está em relação a produção de outras pessoas negras que também seguem este padrão, mas na produção que se costumava fazer de pessoas brancas produzindo sobre o negro, quais como um objeto de estudo. "O Vidas Negras não está focado no sofrimento, estamos focados na celebração daquelas figuras. É óbvio que ele fala sobre o sofrimento da Carolina porque a existência de pessoas negras no Brasil é antepassada pelo sofrimento, em diferentes graus e interseccionalidades. Queremos saber como que a mente genial daquela pessoa funciona, qual que é o trabalho, qual é o próximo trabalho, a visão dela de mundo. A realização é mostrar as pessoas nesses postos de sucesso, em todas as definições de sucesso", define Tiago.

Cover do podcast Vidas Negras (Foto: Spotify)

Cover do podcast Vidas Negras (Foto: Spotify)

Nesta primeira temporada, que contará com 15 episódios, a equipe majoritariamente negra e feminina, tem como dois fatores importantes no processo de pesquisa. Primeiro, a maioria de personagens femininos, não só para resolver a questão de ter um homem hétero de pele clara na locução, mas sim trazer essas personagens mulheres e suas histórias incríveis. E a outra, a preocupação constante com a diversidade geográfica, uma vez que exista a invisibilização dentro da invisibilização. O jornalista mineiro explica: "Se a história de pessoas negras no Brasil já é, de forma geral invisibilizada, a história de pessoas negras fora do eixo Rio, São Paulo, Minas e Bahia ainda é mais invisibilizado". A contribuição para que esses personagens sejam descobertos, acontece graças as políticas afirmativas, como as Leis de cotas, que geram uma produção acadêmica maior de historiadores sobre os ícones negros. "Entre histórias que sejam conhecidas já de alguma forma e que vão gerar atenção, mas também as que são totalmente desconhecidas, tentarmos jogar luz sobre essas histórias", pontua. 

Jorge Laffond (Foto: Reprodução / Instagram)

Jorge Lafond (Foto: Reprodução / Instagram)

Entre os conhecidos, os episódios contarão as vivências de personalidades célebres da cultura popular, como Grande Otelo, Mussum e Jorge Lafond. Comento com Tiago que me bateu a ansiedade ao escutar no trailer do podcast que será contada a história do homem negro e LGBTQIA+ que eternizou a personagem Vera Verão, e que também faz parte da minha principal referência negra LGBTQIA+ brasileira. "Além de ter sido um homem que faz parte do nosso imaginário, no período em que a gente cresceu, ele tem uma imagem muito atrelada ao humor. Mas para além disso, ele é um cara que tinha dois cursos superiores, escreveu uma autobiografia que se chama Bofes e Babados, era um coreógrafo, dançarino incrível, além de ser um homem lindo. Ele foi um homem muito importante, que não entra só no meu lugar de fala como homem hétero, mas conversamos com muitas pessoas que têm um lugar de fala muito mais apropriado sobre isso e que ficou evidenciado também, assim como você falou da importância que ele teve para você. Essa é uma preocupação nossa também quando a gente fala de uma pessoa temos a chance de fazer algo diferente. Com uma equipe majoritariamente negra, com o olhar de pessoas negras para essas histórias. A gente quer contar a história do Lafond, mas tentar trazer essas coisas que não estão muito presentes", defende.

A escritora Djamila Ribeiro estará entre os episódios lançados (Foto: Reprodução / Instagram)

A escritora Djamila Ribeiro estará entre os episódios lançados (Foto: Reprodução / Instagram)

Com a segunda temporada confirmada, o jornalista, recém vencedor do Prêmio Vladimir Herzog 2020 pelo podcast Negra Voz, lançado por jornal O Globo, conta que não existe uma linha da qual escreve, uma pesquisa que faça, um texto que lê para o podcast que não tenha paixão e propósito envolvidos. "Me sinto privilegiado de estar conduzindo um projeto jornalístico sobre algo que eu acredito, algo que me move", enfatiza Rogero, sem deixar de enaltecer a sua equipe que contribuí diariamente no aprofundamento dessas memórias, citando um cântico da mãe Beata de Iemanjá, que e traduzido do yorubá diz "Uma andorinha só não faz verão, mas várias andorinhas juntas farão uma revoada".

No término do primeiro episódio, Tiago narra a frase de Frederick Douglass, abolicionista e escritor estadunidense, que diz muito sobre a finalidade do Vidas Negras: "O nosso papel aqui é contar a história do negro. Porque a história do senhor não faltam narradores". E assim, o Vidas Negras vem com a missão de contar as histórias de Djamila Ribeiro, Sueli Carneiro, Linn da Quebrada e entre outras, para que mais Djamilas, Suelis, Linns conheçam, buscam e eternalizem as suas histórias e de seus antepassados.