• Beta Germano
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Natureza Morta 1 (2016), infogravura de Denilson Baniwa (Foto: Divulgação)

Natureza Morta 1 (2016), infogravura de Denilson Baniwa (Foto: Divulgação)

Nos últimos cinco anos, uma importante leva de nomes indígenas vem ganhando espaço no circuito artsy. Todos eles, apesar das diferentes etnias, mídias e estéticas, têm um objetivo comum: “indigenizar” os processos de produção de conhecimento e a noção de arte, revisitando e reescrevendo suas narrativas dentro desta estrutura criada pelo homem branco. “Na literatura e na pintura, o indígena é retratado como selvagem e preguiçoso, um personagem onírico, muito distante, quase uma fada”, ironiza Denilson Baniwa, natural da aldeia Darí, em Barcelos, à beira do rio Negro, no Amazonas, e expoente desta safra.

Bananeiras: Facão (2017), de Gustavo Caboco (Foto: Divulgação)

Bananeiras: Facão (2017), de Gustavo Caboco (Foto: Divulgação)

Em obras como Brasil Terra Indígena, vídeo que projetou no mês passado sobre o Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, em frente ao Parque Ibirapuera, e que mostra uma caravela portuguesa afundando pela ação dos ventos, da chuva, do fogo, do mar, sem nunca chegar ao porto, Denilson manda um recado metafórico à sociedade dita “civilizada”. “Finalmente, entendemos os processos do mundo moderno. Compreendemos como muita coisa estava errada e viemos para provocar esse sistema”, dispara ele, vencedor do Prêmio Pipa no ano passado.

Indígenas em foco (2016), de Arissana Pataxó (Foto: Divulgação)

Indígenas em foco (2016), de Arissana Pataxó (Foto: Divulgação)

Também à frente da luta pela retomada visual de sua própria narrativa está Edgar Kanaykõ, do povo Xacriabá. “É bastante com um ver imagens de comunidades indígenas registradas por antropólogos apaixonados, mas visualizar os hábitos, personagens e eventos de uma aldeia pelos olhos de um indígena é uma experiência mais genuína e transformadora”, argumenta o artista, conhecido por sua rica fotografia, por meio da qual retrata os costumes de sua etnia. Desde o começo da pandemia da Covid-19, Edgar (@edgarkanayko) vem-se aventurando pela ilustração, usando as ferramentas de Stories do Instagram para criar novos trabalhos. “É o que posso fazer por enquanto na minha ‘aldeia’ office”, brinca.

A essas reivindicações se junta Arissana Pataxó, natural da Aldeia Coroa Vermelha, na Bahia, nas cercanias de Porto Seguro. “ É como se os índios fossem coisa do passado, algo não humano. Já ouvi coisas bizarras”, relata ela, única mulher indígena a vencer o Prêmio Pipa (em 2016) e dona de uma pintura realista, em que mistura sombras, volumes e perspectivas com cores fantásticas. “Fotografo cenas que me interessam e passo algumas para a tela do meu jeito”, descreve. Arissana é ainda professora de artes na aldeia pataxó, incentivando novas gerações a lutar não apenas por terras, saúde e respeito, “mas também por representação e representatividade”.

Desenho da série Passo: Retorno à Terra (2017), de Gustavo Caboco (Foto: Divulgação)

Desenho da série Passo: Retorno à Terra (2017), de Gustavo Caboco (Foto: Divulgação)

“Minha história sempre foi de violência. Nós vemos o encolhimento da floresta todos os dias, e esse tipo de agressão já está banalizada”, completa Jaider Esbell, artista, escritor, curador e produtor cultural da etnia Macuxi (em Roraima), que escolheu fazer de sua arte uma plataforma para denunciar e também criar identificação. “Quero reavivar memórias adormecidas e tentar manifestar diálogos”, explica o artista, escalado para a coletiva sobre arte indígena que marca a reabertura da Pinacoteca, em São Paulo, prevista para este mês, dentro do processo de flexibilização da quarentena. Esbell apresenta o painel Árvore de Todos os Saberes e ainda está produzindo 11 telas que representarão as guerras dos Kanaimés (entidades Macuxi) na 34ª Bienal de São Paulo (adiada para o ano que vem), ao lado de Gustavo Caboco, de Curitiba, filho de uma Wapichana, outro destaque do line-up. Por trás da escolha de Esbell para a exposição da Pinacoteca, está mais um nome-chave da arte indígena: Naine Terena, do povo Terena, região de Aquidauana, Mato Grosso do Sul, curadora de Vexoá: Nós Sabemos e também artista plástica. “Na tribo todo mundo pinta, mas sempre me interessei mais por objetos, instalações e a relação entre arte e tecnologia”, explica a artista, atualmente produzindo O Teu, o Meu, o Nosso, série de depoimentos de suas parentes indígenas sobre a pandemia. “É sobre o momento que estamos vivendo, em que é preciso endurecer nosso útero para algumas coisas, sem perder a ternura”, explica.

Esse é um trecho da matéria "Nem Iracema, Nem Macunaíma", que recheia a edição de setembro da Vogue. Leia a matéria completa na revista impressa ou no app Globo+