• Claudia Lima
Atualizado em
Teresa Cristina   (Foto: Vogue Brasil/ MAR+VIN)

Teresa Cristina  (Foto: Vogue Brasil/ MAR+VIN)

No dicionário da língua portuguesa, agregar é o ato de reunir em um só grupo, partes que não têm entre si ligação natural. Também de juntar, pessoas ou coisas. Congregar. A cantora e compositora carioca Teresa Cristina, 52 anos, é dessas.

Desde o mês de março, ela comanda de sua conta no Instagram (@teresacristinaoficial) as lives mais animadas e bem frequentadas do Brasil. Em apenas uma noite, ela já reuniu medalhões como Caetano Veloso, Alcione, Gilberto Gil e Bebel Gilberto; artistas há tempos longe dos holofotes, caso da cantora dos anos 80 Joana; talentos desconhecidos do grande público, como a flautista Ana Paula Cruz; atores e até políticos. Teresa conseguiu, também, inovar este formato de entretenimento que inundou as redes sociais e arregimentar uma legião de fãs, trazendo respiro e alento nesta quarentena.

A ideia inicial era fazer algo para animar a mãe, dona Hilda, de 80 anos, que ficava entristecida diante de tantas notícias ruins que via sobre a pandemia na TV e, também, driblar a falta de trabalho durante o período – à época, Teresa fazia o espetáculo Sorriso Negro, em que interpretava composições de artistas negros, ao lado de uma banda feminina. “Já estava ficando deprimida. No meio em que eu vivo, é preciso ser visto para não ser esquecido. E não vejo um retorno a longo prazo”, reflete. O jeito que encontrou para continuar ativa e afastar a tristeza foi criar um show pela internet, em que a mãe pudesse colaborar ajudando com o repertório. Pronto. Nascia ali o projeto que concentra os maiores da nossa música, homenageados com uma curadoria primorosa, que vai de pérolas do nosso cancioneiro a trilhas de novela. “Nossa música é muito rica e temesse lugar de conforto. Quando você cria um local de acolhimento, as pessoas vão aparecendo.”

Teresa Cristina é a estrela das (três!) capas da Vogue de julho e agosto (Foto: Vogue Brasil/ MAR+VIN)

Teresa Cristina  (Foto: Vogue Brasil/ MAR+VIN)

Apesar de (ainda) não ter um hit tão conhecido no mainstream, Teresa Cristina soma mais de 25 anos de uma respeitada carreira no meio musical. Começou no fim dos anos 90, depois de atravessar a adolescência ouvindo disco music e, pasmem, heavy metal. A fissura era tanta, que na faculdade optou pelo curso de literatura inglesa e norte-americana na UERJ. “Eu era muito envolvida com essa cultura e totalmente distante da minha identidade. E não havia uma aproximação com a luta negra. Tinha um discurso contra as cotas, inclusive, e acreditava em meritocracia”, lembra Teresa, que pagou o pré-vestibular trabalhando como manicure. Só foi retomar o gosto pela MPB e sua própria negritude quando, na rádio da universidade, deu de cara coma obra do sambista Candeia, apresentado a ela na infância, pelo pai. “Troquei o curso para letras e literatura portuguesa e comecei a ler Saramago, Pessoa e Gilberto Freyre. Um novo mundo se abriu”, conta Teresa, que, na época, mudou da Vila da Penha para o Leblon comum namorado. “Veja que ironia: saí do subúrbio e me aproximei do samba na Zona Sul, com a classe média.”

Foi um álbum do próprio Candeia, Samba de Roda, que a fez virar cantora.“Quando o ouvi, notei que sabia todas as músicas. Foi tão forte que resolvi fazer um show como repertório dele.” Logo ganhou fama na Lapa, bairro da boemia carioca, onde se apresentava à frente do Grupo Semente, no bar homônimo. De lá para cá, foram 11 álbuns, aclamados pela crítica, pelo público e pelos colegas de profissão. Os mesmos, aliás, que batem cartão em suas apresentações virtuais que acontecem do quarto do sobrinho, lugar coma melhor acústica da casa localizada no mesmo terreno onde cresceu e hoje divide coma família e a única filha, Lorena, de 12 anos.
 

Ela diz que, mesmo se estiver chateada ou cansada, quando entra ao vivo, tudo se dissipa. Mas se tem algo que a tira do sério, é política. Engajada, é do tipo que acompanha o assunto com lupa e não economiza críticas ao governo atual e nem a seus pares. “Tudo é política, ela é a nossa relação com o outro. Mas brasileiro tem medo de discuti-la”, desabafa. “Estamos atravessando um momento muito sério, em que é preciso se posicionar. Principalmente nós, artistas. Infelizmente, vejo gente com milhões de seguidores se preocupar mais em ser fofo e receber elogios, do que ter uma discussão e ser chamado de comunista”, alfineta. “Não entendo como isso agride mais do que ver nosso País derretendo.”

Blazer (R$ 1.955), calça (R$ 1.323), camisa (R$ 480) e gravata (R$ 220), tudo Apartamento 03. Chapéu CA4LA (Foto: MAR+VIN)

Blazer (R$ 1.955), calça (R$ 1.323), camisa (R$ 480) e gravata (R$ 220), tudo Apartamento 03. Chapéu CA4LA (Foto: MAR+VIN)

Por outro lado, ela não esconde a admiração por políticos, como o deputado federal Marcelo Freixo, de quem é amiga, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-presidente Lula, que a surpreendeu – e lhe arrancou lágrimas – em uma noite em homenagem a João Gilberto. Aliás, seja por uma figura pública, um artista ou uma música, Teresa é uma mulher que chora. E não se importa em parecer vulnerável.
 

Mostrar este lado “gente como a gente” talvez seja um dos motivos de seu sucesso. Os Cristiners, como se autodenominam seus seguidores fiéis, todas as noites a abastecem com coxinhas e outros salgadinhos que ela despudoradamente degusta com uma cervejinha gelada. A interação entre eles às vezes é tamanha, que o grupo migrou para o WhatsApp, onde a paquera rola solta, e ganhou o apelido de Cristinder, em alusão ao aplicativo de relacionamento. Teresa espera ansiosa pelo fim do confinamento, mas já avisa que, no que depender dela, as lives irão continuar. Sorte a nossa.