• Luísa Graça (@luisa_graca)
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Cena de Pieces Of Woman (Foto: Cortesia Netflix)

Cena de 'Pieces Of Woman' (Foto: Cortesia Netflix)

Encontrar uma atriz para interpretar o papel principal do longa Pieces of a Woman não foi uma tarefa fácil para o diretor Kornél Mundruczó (Deus Branco). Segundo ele, vivenciar a jornada de luto de Martha, uma jovem mulher que perde seu bebê minutos após o parto, parecia algo doloroso demais para algumas atrizes que já são mães, ao mesmo tempo em que uma experiência muito íntima e profunda para que atrizes que não são mães tivessem coragem de encarar o desafio.

O diretor levou um bom tempo para encontrar uma atriz que estivesse disposta e apta a assumir um papel tão desafiador até se deparar com a britânica Vanessa Kirby, conhecida como Princesa Margaret do primeiro ciclo da série The Crown. No fim das contas, a escolha foi certeira e a performance poderosa rendeu à atriz a Copa Volpi, prêmio de melhor atuação feminina do Festival de Veneza que tem sido um termômetro para o Oscar com vencedoras recentes em Olivia Colman e Emma Stone. 

"Acho que o que me atraiu ao projeto foi o quão assustador esse papel parecia para mim. Eu nunca vi um papel como esse... E nunca vi um filme que tratasse da morte de um bebê e do sofrimento que isso implica desta maneira. É um assunto sobre o qual falamos muito pouco, mas que afeta muito mais gente do que imaginamos. E isso acabou falando mais alto do que o meu medo de encarar o desafio", explica Kirby, que chegou a assistir a um parto presencialmente como pesquisa para o papel, à Vogue Brasil.

Cena de 'Pieces Of Woman' (Foto: Cortesia Netflix)

Cena de 'Pieces Of Woman' (Foto: Cortesia Netflix)

O filme, que estreou este mês na Netflix, dedica seu primeiro ato a um parto caseiro filmado em um plano sequência de quase 30 minutos em que o jovem casal Martha e Sean (Shia LaBeouf) se prepara para receber seu bebê com o auxílio de uma parteira (Molly Parker). São 30 minutos em que Vanessa encarna o estado de ansiedade, medo, dor e beatitude de uma grávida em trabalho de parto, mas que culminam terrivelmente num coração sem pulso.

"Eu queria criar uma experiência quase espiritual para o público poder sentir a cena e a multiplicidade de emoções que permeiam esse momento e também dar espaço o bastante para as atuações", defende o diretor, que usou pinturas de Lucien Freud como referência para o visual do filme e rodou a tal cena em 6 takes nos dois primeiros dias de filmagem. "Eu estava bem nervosa para fazer essa cena. Sabia que ficaria totalmente nua, exposta e vulnerável na frente da equipe toda, mas foi bom passar por isso logo no início da filmagem", completa Vanessa.

Cena de 'Pieces Of Woman' (Foto: Cortesia Netflix)

Cena de 'Pieces Of Woman' (Foto: Cortesia Netflix)

O timing, de fato, foi determinante para que a atriz conseguisse interpretar as consequências da cena no processo de luto e reconciliação de Martha. Um processo que envolve não apenas viver a dor profunda da perda da filha e uma sensação devastadora de fracasso e responsabilidade sobre o ocorrido, como os desdobramentos disso em seu casamento com Sean, seu trabalho e seu relacionamento com a mãe, Elizabeth (uma incrível Ellen Burstyn), que insiste que a filha deve entrar na justiça contra a parteira.

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Cena de 'Pieces Of Woman' (Foto: Cortesia Netflix)

Cena de 'Pieces Of Woman' (Foto: Cortesia Netflix)

"Era importante para mim incluir uma camada mais geral sobre maternidade e falar sobre amor meio a esses relacionamentos turbulentos", explica a roteirista e esposa do diretor, Kata Weber. "Eu acredito que diferentes gerações superam traumas de maneiras diferentes. A Elizabeth é uma mãe muito amorosa e as intenções dela são boas, mas o jeito que ela lidou com os traumas dela como sobrevivente de guerra não ajuda Martha em nada... Cada um tem seu jeito de lidar com perdas e traumas".

O filme é uma adaptação de uma peça escrita por Weber que surgiu como um processo terapêutico para ela mesma lidar um aborto espontâneo que sofreu anos atrás. "Nós nunca conversamos a respeito disso até eu ver as páginas que Kata havia escrito. O assunto era um tabu até para nós que vivenciamos algo parecido. Fazer a peça juntos e depois o filme foi um jeito que encontramos de quebrar nosso silêncio e construir algo juntos a partir de um trauma muito pessoal", comenta Kornél.

"Eu acho que grande parte dos nossos processos de cura tem a ver com dividir nossa dor e nos sentirmos vistas, compreendidas. Eu espero que o filme incite conversas sobre esse assunto e que não seja mais um tabu", arremata a atriz.