• Sara Radin
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Waterless beauty  (Foto: #ThursdaysChild x Trunk Archive / Isabel Okoro)

Waterless beauty (Foto: #ThursdaysChild x Trunk Archive / Isabel Okoro)

A água é um dos ingredientes mais comuns encontrados em produtos de beleza. Conhecida por suas propriedades que “dissolvem ingredientes hidrossolúveis sólidos ou gasosos-ativos”, como explica Shanu Walpita, analista de tendências e fundadora do Futurewise Studio, ela é muito usada em fórmulas como diluente ou para melhorar aspectos sensoriais – como a consistência e espalhabilidade dos produtos. Pense nos seus cosméticos de limpeza facial, séruns, géis hidratantes, fragrâncias – a água está por todo lado.

“Adicionar um pouco de água dá ao produto uma textura mais macia e leve, o que vai na direção contrária dos hidratantes e manteigas mais pesadas do mercado”, acrescenta Walpita. Porém, nem tudo são maravilhas, e a água também possui sua cota de malefícios para os nossos corpos e o meio ambiente em geral. Como resultado, uma nova onda de beleza waterless – que não possuem água na composição – está inundando a indústria.

O problema com produtos à base de água
Hoje em dia, a maioria dos produtos são projetados para serem lucrativos e duradouros. E por isso, a água é frequentemente usada como "enchimento", porque é barata e neutra, prevenindo contaminações e reações, por exemplo. No entanto, também é um terreno fértil para germes. “É um fato simples - onde há água, também há bactérias”, diz Susanne Langmuir, fundadora e CEO da marca de skincare waterless, em Toronto, aN-hydra. “Assim como os alimentos que precisam ser armazenados na geladeira, os produtos ricos em água não ficam estáveis na prateleira sem a adição de conservantes que matam as bactérias e reduzem o crescimento microbiano”, conta.

No entanto, esses conservantes têm sido associados a disfunções do sistema imunológico e distúrbios reprodutivos. Além disso, embora a água pareça ser um ingrediente hidratante, produtos à base de água podem, na verdade, ser ressecantes, pois a água evapora levando muitos dos óleos naturais e saudáveis da pele junto com ela. Pior ainda, “às vezes a pele pode reagir aos emulsificantes sintéticos, fragrâncias e corantes expelidos pela evaporação da água. Em sua forma mais extrema, isso pode resultar em erupções cutâneas e pele inflamada e irritada”, explica Walpita.

Mas, além de fazer mal ao organismo, adicionar água aos produtos também pode ser prejudicial ao meio ambiente. Comprovadamente existem mais de 8,3 bilhões de toneladas de plástico em nosso planeta. A indústria da beleza tem sido líder em produtos excessivamente embalados com plástico em camadas e embalagens de materiais mistos, que muitas vezes são difíceis ou impossíveis de serem reciclados. Ao adicionar água como enchimento aos produtos, a eficácia geral do produto é reduzida. Quanto menos eficaz um produto, mais você o consome. Quanto mais produto você consome, mais embalagem é necessária, o que cria mais poluição da água.

A ascensão da beleza sem água
O conceito de 'beleza sem água' começou originalmente na Coreia do Sul, ganhando força no oeste em 2015. A beleza sem água pode vir em uma variedade de formas, incluindo bálsamos de limpeza, produtos em pó, sólidos, óleos concentrados, manteigas corporais, máscaras e séruns prensados, e pode ser incorporado na rotina de skincare, cabelos e maquiagem.

“O conceito waterless foi originalmente sobre como aumentar a potência dos produtos para atingir maior eficácia na pele”, diz Glendean Rehvan, diretor de cuidados com a pele da In-Trend. “As marcas de beleza indie foram as primeiras a liderar essa tendência, lançando fórmulas inovadoras sem água. No entanto, essa proposta atingiu a consciência dos consumidores convencionais, e o mercado de massa e as marcas de luxo também estão a bordo". De acordo com Rehvan, hoje "beleza sem água" é muito mais do que eficácia: representa um desejo por uma vida mais "limpa", seja em viagens ou em fórmulas não tóxicas em meio a crescentes preocupações com a sustentabilidade.

“O uso de plástico na América do Norte é impressionante, sendo a maioria de uso único, e queremos oferecer uma solução que forneça os mesmos resultados de alta qualidade, sem desperdício,” Arden Teasdale, CEO da marca de cuidados com os cabelos sem água e sem plástico Unwrapped Life à Vogue. A marca oferece xampus e barras condicionadoras sólidas, proporcionando uma alternativa aos produtos líquidos acondicionados em garrafas plásticas descartáveis, protegendo assim nossos aterros e cursos d'água da poluição por plásticos.

A maquiagem também está ficando sem água, com várias marcas novas e também já consolidadas no mercado lançando produtos sem água. Por exemplo, a Pinch of Color tem uma linha que vai de 12 tons de batom matte a seis cores de um BB Cream. Depois, há a Vapor, que formulou 97% de seus produtos sem água, enquanto 100% de seus produtos para lábios e bochechas são totalmente isentos de água.

É importante notar que produtos sem água podem ser mais caros porque são mais concentrados; eles também são considerados de qualidade superior, pois contêm ingredientes de origem mais ética. “A tecnologia necessária para produzi-los e o custo dos ingredientes tende a ser mais alto, e isso impacta no preço final do produto”, diz o dermatologista Joshua Zeichner. No entanto, isso não deve desencorajar os consumidores - quanto mais alto e concentrado, menos produto você precisa e mais tempo ele durará.

Mas a beleza waterless não é uma solução total
Embora as marcas sem água sejam consideradas mais sustentáveis, não é uma solução total. “A água está envolvida em todas as fases do ciclo de vida de um produto - desde a colheita e processamento de matérias-primas, a formulação, acabamento, embalagem, transporte e uso do consumidor”, diz Sarah Jay, criadora do documentário Toxic Beauty (2019) e fundadora da All Earthlings, uma organização dedicada a melhorar a transparência nas cadeias de suprimentos de cosméticos. Quando consideramos essas verdades, realmente não existe um produto de beleza sem água. De acordo com Jay, em 2025, dois terços do planeta poderão enfrentar a escassez de água potável. Com isso em mente, as marcas devem trabalhar para reduzir sua dependência da água em tudo o que fazem.

“A água certamente se tornará um luxo. Na verdade, dois terços da população mundial sofrerão escassez de água até 2025, já que apenas 1% do abastecimento de água da Terra é acessível em água doce”, explica Walpita. “A urgência de uma crise global em torno da diminuição do consumo de água destacará nossa necessidade crescente de produtos waterless”.

Mas Langmuir e Walpita permanecem esperançosos para o futuro. “A Covid mudou a maneira como compramos e usamos os produtos e criou uma consciência duradoura sobre os danos ao nosso mundo por causa de todo esse desperdício”, comenta Langmuir. Há uma consciência crescente em torno da sustentabilidade que está inspirando mudanças significativas e permanentes na maneira como produzimos e compramos os produtos que usamos todos os dias. Como diz Walpita, “a beleza sem água não é uma tendência ou modismo, mas cada vez mais assumirá o aspecto de uma necessidade diária. Com as reservas de água diminuindo, os consumidores estão fazendo mudanças necessárias no estilo de vida que indicam positividade para o planeta. Ficar sem água significará trocar a conveniência pela conservação - e isso é uma coisa boa”.