• Fernanda Simon
Atualizado em
O fim das costureiras invisíveis (Foto: Divulgação/ Arquivo Pessoal)

O fim das costureiras invisíveis (Foto: Divulgação/ Arquivo Pessoal)

Pouca gente sabe que em março de 1911, em pleno mês das mulheres, mais de cem trabalhadoras da moda morreram em um incêndio em uma fábrica de roupas em Nova York, a Triangle Shirtwaist Company. Muitas vítimas eram imigrantes que estavam trancadas trabalhando em condições precárias.

Mais de um século se passou desde que passamos a celebrar março como o mês das mulheres e, ainda assim, não temos muitos dos nossos direitos garantidos: ganhamos menos que os homens e temos menos espaços em posições de liderança.

Na indústria da moda as mulheres são a maioria, mas estão nos chãos de fábricas em um modelo de trabalho exploratório considerado, em alguns casos, como escravidão moderna.

Essa também é uma realidade no Brasil. Dari Santos, empreendedora social e diretora do Instituto Alinha, conta que em muitas oficinas de costura em São Paulo o cenário é de precariedade - desde as instalações às remunerações. “As mulheres trabalham em média de 14 a 16 horas por dia em um ambiente totalmente insalubre, morando no mesmo espaço de trabalho com seus filhos e expostas a inúmeros riscos. Trabalham muito porque o que se paga por cada peça é pouquíssimo”, diz.

Dari Santos, do Instituto Alinha (Foto: Reprodução)

Dari Santos, do Instituto Alinha (Foto: Reprodução)

Dari é graduada em relações internacionais, mas sempre esteve envolvida em projetos sociais. Ainda na faculdade, curiosa sobre o motivo de tantos bolivianos costurando em São Paulo, foi fazer uma pesquisa de campo sobre esse caso de migração. E se impressionou: “O nível de invisibilidade da situação real desses trabalhadores é chocante. Passei a entender que, na verdade, a moda tem a ver com todos nós. E mais do que eu imaginava. Por muito tempo o consumidor não se via como parte da moda, mas o que eu vi nas oficinas, eram roupas básicas, dessas que usamos no dia dia, nada de peças de desfiles. Ou seja, estamos todos conectados".

A partir de um capital semente recebido no Social Good Brasil, o Instituto Alinha foi criado com o objetivo de desenvolver uma tecnologia para resolver esse problema social. O Instituto trabalha assessorando empreendedores de pequenas oficinas a regularizarem seus negócios e os conecta com marcas e estilistas interessados em contratar uma oficina, garantindo preços e prazos justos.

Dari observa que as oficinas alinhadas (como são chamadas após o processo de assessoria) já estão em outro patamar: as trabalhadoras ganham praticamente o dobro por hora, os espaços físicos são mais adequados, os filhos das costureiras estão matriculados nas escolas e as mulheres mais conscientes do seu papel como empreendedoras. “Muitas, ao alcançar sua independência financeira, se livram até de situações de abuso doméstico”, conta Dari.

Questionada constantemente sobre como os consumidores podem saber se houve trabalho justo em suas roupas, criou uma metodologia exclusiva. “Como o maior desafio é o controle da cadeia de produção, para garantir que as peças sejam rastreadas, desenvolvemos um sistema de blockchain no qual os próprios trabalhadores conseguem validar as informações. Portanto, descentraliza a transparência da marca e passa real confiabilidade nas informações. Dessa forma, com transparência e rastreabilidade, nosso consumo passa a ter um impacto positivo na vida das pessoas que fazem nossas roupas.”

Dari Santos, do Instituto Alinha (Foto: Reprodução)

Dari Santos, do Instituto Alinha (Foto: Reprodução)

Para contar um pouco como é o cotidiano nas oficinas, Dari idealizou o curta Linhas Tênues, que concorreu a três festivais internacionais e narra a vida de Maria Nina, uma costureira boliviana. "Quando conheci Nina e começamos a gravar, ela vivia em uma situação bem precária, costurando o dia todo e durante a madrugada, vendia roupas e lanches na feirinha da madrugada". Hoje, a oficina de Nina está estruturada e sua qualidade de vida foi transformada, o que aconteceu através da valorização e do trabalho justo. “Espero poder contar mais histórias como da Nina, de superação, de mulheres que conseguem viver de forma digna através do trabalho na costura. Esse é o combustível que me mantém na ativa”, completa Dari.

A história da Nina, lutando através da costura para sobrevivência, representa a história de inúmeras mulheres em diferentes espaços e tempos. As nossas roupas carregam mensagens que não podem mais ser invisibilizadas. O Dia Internacional da Mulher começou com as trabalhadoras da costura e essas não podem ser esquecidas. A moda tem o poder de transformar, de criar, de fazer sonhar, então, que estes sonhos sejam para todas e que nossas roupas contem belas histórias.

Assista ao curta Linhas Tênues: