Hora de Investir

Por Beatriz Pacheco, Valor Investe — São Paulo


O venture capital (ou capital de risco), que é a modalidade de investimento em empresas jovens - também conhecidas como startups -, encontrou um refúgio um tanto inusitado na crise: as plataformas de crowdfunding ou vaquinhas virtuais. Pondo de forma simples, o equity crowdfunding é o financiamento coletivo para capitalizar startups, que podem ser de qualquer segmento.

No ano em que a movimentação global das transações de venture capital caíram 35%, segundo os dados do Crunchbase, e aqui no Brasil o mercado encolheu para menos da metade, de US$ 9,8 bilhões em 2021 para US$ 4,46 bilhões em 2022, a arrecadação nas plataformas de crowdfunding cresceram 61%.

Em 15 meses, de janeiro de 2022 a março de 2023, os financiamentos coletivos no Brasil captaram quase R$ 75 milhões para startups. Os dados são do levantamento da Quantum Finance com base no sistema da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Mas o segmento não cresceu no último ano por ter se tornado atraente para um novo público ou mais interessante frente outros investimentos, e sim por ter ficado mais acessível graças à flexibilização das regras para as plataformas. Esses veículos conseguiram abrigar mais startups e investidores que já estavam alocados nesse mercado e viram na modalidade uma alternativa para a crise do mercado de risco.

Entre o público geral, o investimento em startups via crowdfunding conversa apenas com pessoas de perfil investidor arrojado, justamente por se tratar de um ativo de alto risco, ou seja, com a possibilidade de perder todo o capital investido caso a startup não prospere, explica Wanessa Guimarães, sócia da HCI Invest e planejadora financeira certificada pela Planejar (Associação Brasileira de Planejamento Financeiro).

"É interessante para quem deseja diversificar seu portfólio de investimentos, além de ser uma modalidade mais acessível, pois permite aportes com valores menores para esse segmento [a partir de R$ 1 mil]", diz Wanessa. "Mas para reduzir riscos é recomendado não concentrar valores elevados em uma única operação, diversificar setores e ter visão de longo prazo devido à baixa liquidez do ativo."

Só que com o público investidor cada vez mais concentrado na renda fixa, no primeiro trimestre de 2023, o mercado de venture capital sofreu uma queda brusca em captação de recursos e rodadas de investimentos, de acordo com a Distrito. “Março deste ano foi o pior mês em volume de investimento desde maio de 2019. Retrocedemos aos patamares pré-pandemia”, diz Eduardo Fuentes, chefe de pesquisa da empresa de inovação.

A captação do mercado caiu 86% entre janeiro e março, e as startups em estágio avançado (late stage) foram as que mais sofreram, com baixa de 94,2% no volume de aportes, também segundo a Distrito.

"Ainda temos a mesma quantidade de empresas atrás de nós [para realizar emissões], mas, por um tempo no último ano só as menores nos procuraram", conta Paulo Deitos, cofundador da Captable, que se apresenta como a plataforma líder de mercado e tem mais de 7 mil investidores pessoas físicas cadastrados.

E foi a possibilidade de startups pequenas e médias manterem suas rodadas de captação que alçou as plataformas de crowdfunding a uma posição estratégica no momento crítico para o venture capital.

Nova fronteira

O evento que realmente mudou o cenário para o crowdfunding no ano passado foi a resolução 88 da CVM. O novo marco passou a vigorar em julho, no lugar da Instrução 588, e teve como uma das mais relevantes mudanças elevar o teto de captação via plataformas de R$ 5 milhões para R$ 15 milhões.

Isso significa que um veículo com o mercado antes restrito a 23,5% das startups no país agora pode alcançar até 75% desse ecossistema, conforme os dados do mapeamento de 2022 da Associação Brasileira de Startups.

Fuentes lembra que as startups que faturam até R$ 40 milhões por ano também passaram a poder levantar investimentos via crowdfunding, o que é quatro vezes mais que o limite anterior.

Mesmo com o aumento do limite para captação, a aversão ao risco impôs ao mercado um ritmo de rodadas mais frequente e com metas mais modestas (e viáveis). A maior captação no Brasil em 2022, feita via Captable, levantou R$ 6 milhões para a Cowmed, desenvolvedora de uma coleira que registra informações de bem-estar, sanidade e nutrição em vacas leiteiras. Quer dizer, a meta de levantamento da maior rodada no ano passado estava R$ 9 milhões aquém do teto já em vigor nas plataformas.

As emissões seguem assim em 2023: mais realistas que ambiciosas, e a maioria das ofertas disponíveis hoje nas cinco maiores plataformas de crowdfunding do país tem por objetivo levantar em torno de R$ 5 milhões, com cotas individuais a partir de R$ 1 mil.

Maiores plataformas de crowdfunding do Brasil

Plataforma Emissões*
Bloxs 27
Captable 26
DIVI.hub 13
EqSeed 10
SMU 9
VeganBusiness 9

*entre janeiro de 2022 e março de 2023

As novas estruturas de regulamentação não só permitiram que mais empresas recorressem ao crowdfunding, como também passassem a enxergá-lo como ponte para um novo público investidor: as pessoas físicas. O movimento foi mais que necessário, uma vez que as fontes tradicionais de venture capital (as gestoras de capital privado) reduziram a vazão de recursos após a queda global de liquidez nos mercados.

Mais dois fatores se somaram ao novo marco, ajudando a impulsionar as arrecadações via crowdfunding, mesmo na crise: o amadurecimento do segmento - relativamente novo - atraiu investidores institucionais para as rodadas, e o lançamento de novas soluções atraiu investidores pessoa física já inclinados a ou alocados nesse mercado.

Agentes de peso

Os investidores pessoa física ainda são maioria no universo das plataformas de crowdfunding, mas uma nova figura ganhou peso na cena do último ano para cá: os investidores institucionais. Com a aterrissagem das gestoras de capital nesse segmento do venture capital, as rodadas estão mais ancoradas.

As metas de arrecadação vêm sendo facilmente batidas e em prazos recordes nas maiores plataformas, apesar do cenário avesso ao risco, com juros elevados e o resfriamento da economia.

Na plataforma Beegin, a emissão da startup Plamev Pet, aberta no dia 2 de maio, captou mais de 49% da meta de R$ 6,4 milhões menos de 48 horas depois. A previsão de encerramento da rodada é 31 de julho - se a empresa não alcançar seu objetivo antes.

“Até a mudança regulatória já havíamos feito algumas rodadas com agentes institucionais, mas raramente lideradas pelas gestoras. Nessas vezes, elas só abriam ou só fechavam a rodada, injetando a quantia que faltava para alcançar a meta ou inaugurando a emissão”, conta Deitos.

Para o executivo da Captable, o fato de já terem acontecido várias aquisições e ofertas subsequentes de ações de empresas que levantaram capital via crowdfunding, sem que isso tenha prejudicado o investidor, nem afastado o comprador, mostra a evolução do segmento. “O mercado fica mais maduro ao entender que a startup ter centenas de investidores não atrapalha, e em alguns momentos até ajuda nessas transações”, complementa.

A companhia de capital aberto SLC Agrícola e a gestora Domo Invest ancoraram a rodada da Sensix, que captou R$ 5 milhões em menos de 8 horas com 427 investidores na Captable no mês passado. Junto à apresentação da startup de automação e análise de dados de lavouras, um selo avisava o visitante da plataforma que havia “grandes players coinvestindo” no negócio.

Há mais três startups no radar da Captable, conta o executivo, que devem entrar na plataforma com algum fundo de venture capital ancorando suas rodadas. “Acredito que esse movimento será mais comum daqui para frente”, afirma Deitos. Ele acrescenta que já há sinais no mercado de que startups mais robustas voltaram a procurar captações, mas a Distrito só espera uma melhora significativa para o venture capital a partir do segundo semestre de 2024.

Um investimento de nicho

A Captable traça três perfis predominantes dentro do universo de investidores pessoa física nas plataformas de crowdfunding, com base em seus objetivos, relacionamento com a investida e estilo de investimento. Para transmitir o conceito por trás desses perfis, o Valor Investe nomeou os públicos que investem via crowdfunding da seguinte forma:

  • Conselheiro: pessoa que já acumulou patrimônio durante a vida profissional e está próxima da aposentadoria. Enxerga o investimento em startups como uma forma de continuar ligada às novidades do mercado e até tentar contribuir com o negócio, envolvendo-se um pouco - mas sem a pressão que há sobre um executivo ou o investidor anjo. A rentabilidade é uma questão, mas não a principal motivação desse tipo de investidor.
  • Racional: pessoa que está acumulando patrimônio e quer diversificar a carteira de investimentos. Enxerga nas startups uma alternativa para expandir o portfólio de ativos de risco. O foco principal é o rendimento e, de forma secundária, possíveis benefícios para a carreira ou negócio do ponto de vista de contato com novas soluções e tecnologias. Costuma selecionar bastante as startups para alocação.
  • Apostador: pessoa que tem por objetivo obter ganhos elevados com os investimentos em startups e, por isso, diversifica mais a carteira de risco que os outros investidores. Essa estratégia permite que tenha, em teoria, mais chances de acertar as empresas que trazem múltiplos altos para os aportes (mas com isso corre-se também muito mais riscos). Tem um perfil mais especulativo e investe os menores tíquetes (alocação/empresa) dentre os três perfis.

O investimento de venture capital costuma ser de longo prazo, e os investidores acabam se relacionando com suas investidas em média por 8 anos aqui no Brasil, informa o Distrito. Por isso os especialistas ouvidos pela reportagem entendem que o ciclo econômico não afetou tão diretamente os investidores que já estão alocados - ao menos não os dois primeiros perfis listados. O impacto foi mais significativo sobre a captação de recursos e, assim, refletiu as mudanças de gestão das startups.

Mas garantir liquidez do investimento ainda é uma barreira para o avanço das plataformas de crowdfunding entre o público geral, especialmente porque a perspectiva de carrego do título é de médio e longo prazo. Assim, a partir do novo marco, a Captable lançou seu marketplace, uma espécie de mercado secundário das participações nas startups.

A empresa é a única que oferece uma solução dessa natureza no segmento, mas mais devem (e precisam) aparecer, já que a demanda por liquidez vem de ambas as pontas: pessoas físicas e investidores institucionais. Tanto que, de julho do ano passado a março deste ano foram realizadas mais de 1 milhão de transações no marketplace da Captable.

“Não é um ambiente em que as pessoas estão transacionando diariamente, o que deixou mais claro que temos um perfil de investidor com visão de longo prazo. Mas, com o tempo, podemos atrair os perfis mais especulativos, e está tudo bem. É parte do jogo”, avalia Deitos.

Como funciona o investimento por crowdfunding?

As plataformas de equity crowdfundings, que em bom português seriam os investimentos participativos, funcionam como as "vaquinhas" on-line. Só que, neste caso, não se trata de uma doação em prol de uma causa, mas de um aporte baseado em uma tese de negócio e com perspectiva de retorno para o investidor.

As startups geralmente estabelecem a faixa de arrecadação nas plataformas com base em seu valor de mercado, no estágio em que está o negócio e no objetivo para o capital a ser levantado. Junto à apresentação do financiamento geralmente há um pitch, que é uma defesa objetiva da empresa, com o porquê ela está fazendo a rodada de capitalização e informações sobre o negócio. A ideia do conteúdo é ser coercitivo, ou seja, convencer seu interlocutor de que aquele é um bom investimento.

Nas rodadas das plataformas de crowdfunding, qualquer pessoa pode investir valores que partem de R$ 1 mil. Dependendo do valor da empresa no mercado, do setor em que está posicionada e da sua estrutura de capital, a cota inicial pode ser mais alta, de R$ 10 mil, por exemplo, ou as ações podem estar cotadas por um preço mais elevado.

Esta é uma das formas que as startups têm em plataformas de crowdfunding selecionar o perfil de investidores que vão entrar no projeto com elas. E, ao fazer a ordem de reserva de ações na plataforma, o investidor está comprando uma participação naquela empresa, geralmente de ações que dão direito a voto em assembleias.

A perspectiva de aquisição da startup é um dos cenários de retorno para o investidor em plataforma de crowdfunding, em que a participação do acionista pode ser comprada com base no valor de mercado da companhia. Os outros dois cenários incluem: novo aporte via fundo privado de venture capital que transforme a estrutura de capital da empresa, e o vencimento do prazo do título, conforme expresso no contrato de investimento.

Há possibilidade de pagamento de rendimentos sobre a participação de outras formas, como anualmente e com base no lucro da startup, mas dependem das condições apresentadas na proposta.

Como se trata de um ativo de risco, há ainda o pior cenário: a quebra da empresa, o que implica na perda total do valor investido. Por outro lado, o investidor da plataforma não tem responsabilidade solidária e, na prática, não é acionado para cobrir dívidas deixadas pela startup investida - pelo menos isso.

As possibilidades de conversão dos investimentos em startups via plataformas de crowdfunding — Foto: Reprodução/Captable
As possibilidades de conversão dos investimentos em startups via plataformas de crowdfunding — Foto: Reprodução/Captable

O investimento é tributado com base em ganhos de capital, que é o lucro das operações no caso de liquidação ou de pagamento de rendimentos, e deve ser declarado no Imposto de Renda. As alíquotas incidem de forma progressiva conforme os ganhos.

Tributação sobre o investimento

Alíquota Rendimento
15% até R$ 5 mil
17,5% entre R$ 5 mil e R$ 10 mil
20% acima de R$ 10 mil e até R$ 30 mil
22,50% acima de R$ 30 mil
Arrecadações em plataformas para financiar startups crescem 61% na crise. Esse tipo de investimento é para você? — Foto: Freepik
Arrecadações em plataformas para financiar startups crescem 61% na crise. Esse tipo de investimento é para você? — Foto: Freepik
Mais recente Próxima Com mais imposto para pagar, investimento no exterior ainda vale a pena?
Mais do Valor Investe

Presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) voltou a tecer críticas ao presidente do BC, Roberto Campos Neto

Gleisi defende intervenção do BC no câmbio para conter ataque especulativo

As 102 apostas que acertaram cinco dezenas vão receber R$ 54.826,38 cada uma. Os acertadores de quatro dezenas vão receber R$ 961,37.

Ninguém acerta as seis dezenas da Mega-Sena 2744, e prêmio vai a R$ 170 milhões; veja números sorteados

Na semana passada, as entidades já haviam entrado com uma primeira representação no TCE-SP questionando a não divulgação do preço mínimo por ação fixado pelo governo na oferta

Sindicato aciona TCE-SP e MP-SP contra preço da Sabesp (SBSP3) na privatização

Cerca de 7,93 milhões de unidades consumidoras serão beneficiadas com reajuste tarifário autorizado hoje

Conta de luz da Enel SP fica mais barata a partir de quinta

Presidente do Federal Reserve, Jerome Powell indicou que o banco central fez um grande progresso no caminho da desinflação e que a meta de inflação de 2% vai ser atingida até 2026

Bolsas de NY: S&P 500 e Nasdaq renovam recordes com dirigente do BC dos EUA mais moderado

Perto do fim das negociações, circulou no mercado o rumor de que o Banco Central teria consultado as tesourarias de grandes bancos para entender o estresse do mercado de câmbio

Após subir a R$ 5,70, dólar encerra sessão a R$ 5,66. O que aconteceu?

Saldo do Dia: presidente voltou a acusar presidente do BC de viés político e deu a entender que seu sucessor deve estar mais alinhado ao seu governo. Moeda americana teve mais um dia de queda e bolsa brasileira ficou praticamente no zero a zero

Com apoio em falas de Lula, dólar sobe de novo e Ibovespa fica a ver navios

Cálculo do banco alemão Deutsche enxerga necessidade de Selic sair dos atuais 10,5% para 12% ao ano caso câmbio siga pressionado

Dólar mais alto exige que taxa de juros suba para controlar a inflação

Regulador lançou pesquisa para apurar o que investidores acham do atual processo de Análise de Perfil do Investidor (API), o chamado suitability

Prazo para investidor responder pesquisa sobre análise de perfil nas corretoras está acabando

Agenda de pagamentos é atualizada ao longo do mês, conforme divulgação das companhias

Dividendos e JCP em julho: confira quais empresas pagam, quanto e quando