Gastar Bem

Por Beatriz Pacheco e Carla Matsue, Valor Investe — São Paulo


Ir a shows está cada vez mais caro em qualquer lugar do mundo. Mas no Brasil o preço de um ingresso pode incluir, além do esforço de compra, endividamento e sacrifícios pessoais. O custo de ver o ídolo de perto alcançou um patamar indefensável no último fim de semana.

Foi o preço pago por Ana Clara Benevides, a universitária de 23 anos morta na última sexta-feira após um quadro de mal estar, que se agravou durante a apresentação da cantora norte-americana Taylor Swift, no Rio de Janeiro.

O trágico episódio escancara situações pelas quais consumidores podem passar em grandes eventos, colocando em risco o seu próprio bem-estar. Mas além de muitos fãs fazerem de tudo só para estarem próximos do seu ídolo, algumas dessas empresas organizadoras dos mega shows pecam em várias práticas.

Os fãs se endividam, passam horas (às vezes dias) em filas quilométricas e topam quaisquer condições impostas pela organização, como custos proibitivos de alimentação, para realizarem o sonho de ver seu ídolo ao vivo.

Vale tudo para ver o artista favorito, mas também porque dificilmente há outra opção em um mercado dominado por poucos agentes. As empresas organizadoras desses mega shows são poucas, portanto, elas ditam as regras.

Neste ano de retomada dos festivais de música e shows internacionais, esses problemas escalaram. Ou ao menos a proporção desses eventos alcançou nível tal que evidenciou falhas recorrentes em produções grandiosas.

O aumento dos custos para a organização dos eventos jogou toda a expectativa de lucro das empresas na sua capacidade de gerar receitas. Além da bilheteria, fonte primária do faturamento no setor, produtoras também dependem dos recursos dos patrocinadores.

Mas esse plano de viabilização de um projeto pode incluir ainda o faturamento com vendas de comidas e bebidas, de itens colecionáveis (copos, camisetas, álbuns e pôsteres), da receita com estacionamento e até com a chapelaria.

Isso a depender do formato da produção. Em festivais, eventos em que os fãs passam vários dias e até 12 horas por dia em um espaço, o potencial de faturamento com alimentação é mais alto do que o de shows em estádios.

É assim que ingressos para eventos de até três dias de programação com artistas internacionais, que em tese seriam muito mais caros do que um show de duas horas, por exemplo, muitas vezes custam praticamente a mesma coisa. Os organizadores acabam conseguindo receitas polpudas com serviços como alimentação e estacionamento, barateando, portanto, o ingresso.

“Nessa lógica, shows em que as produtoras têm menos possibilidades de vender alimentos ou atrair patrocínios tendem a ter ingressos mais caros”, explicou Marcelo Flores, professor de gestão e planejamento de eventos da ESPM e produtor de eventos na capital paulista.

A gota d’água

Proibidos de entrar com garrafas d'água, os fãs de Taylor Swift não tinham outra saída para se hidratar se não a compra de copos d’água de 200ml por R$ 8, no dia 17 de novembro no Estádio Nilton Santos, onde Ana Clara passou mal. A possibilidade de o quadro da estudante ter evoluído para óbito em decorrência de insolação e desidratação severa não foi descartada.

Procurada pelo Valor Investe, a produtora do show da Taylor Swift no Rio de Janeiro, a empresa Time for Fun (T4F), informou que a comercialização de bebidas e alimentos era de responsabilidade da administração do Estádio Nilton Santos, atualmente sob concessão para o clube Botafogo.

Questionada sobre a matriz de receitas das apresentações cariocas do “The Eras Tour”, a produtora alegou que “as principais fontes [de receita da companhia] são bilheteria e patrocínios, conforme informado em nossos balanços financeiros.”

Já o Botafogo informou, em posicionamento enviado à reportagem, que “os valores aplicados são balizados de acordo com os praticados no segmento de eventos e todas as partes envolvidas recebem um percentual sobre as receitas.”

Questionado sobre as partes envolvidas na divisão das receitas com a venda de comidas e bebidas no estádio, o clube confirmou que a produtora está nesse grupo.

“Os preços de alimentos e bebidas praticados em eventos no Nilton Santos são definidos em uma concordância entre a administração do Estádio, operadores terceirizados e as produtoras dos shows”, informou o clube administrador do espaço na nota.

No dia 18 de novembro de 2023, dia seguinte à morte de Ana Clara, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, promulgou a portaria que permite a entrada de garrafas d’água para consumo próprio em shows no país.

“Ressaltamos que a proibição de entrada de garrafas de água em estádios segue exigência feita por órgãos públicos, sendo que a permissão da entrada de garrafa plástica flexível ocorreu na data de 18 de novembro de 2023. Também esclarecemos que não realizamos a comercialização de bebidas e alimentos, sendo essa uma atribuição da administração do estádio”, reiterou a produtora do show.

A T4F passou a cumprir a norma no show seguinte, de domingo, e disse ter adotado um “plano de ação especial implementado no Rio de Janeiro”, que seguirá em São Paulo, “com o reforço do efetivo, pontos de hidratação e todo o nosso empenho para proporcionar a melhor experiência aos fãs”, declarou a empresa em retorno à reportagem.

Calor, comida e bebida caros, horas de espera para ver o ídolo, problemas de infraestrutura, contratempos para chegar até o show, dificuldades de locomoção etc etc etc não foram "privilégios" dos shows de Taylor Swift no Rio de Janeiro. As mulheres que foram no festival The Town, que ocorreu em setembro deste ano, em São Paulo, no Autódromo de Interlagos, se depararam com filas quilométricas para ir ao banheiro. Relatos da época davam conta de uma espera de ao menos uma hora até chegar a sua vez.

Inflação de shows

Para as companhias, é preciso manejar a pressão nas despesas para garantir lucros. A saída para as produtoras é incrementar os lotes de ingressos, assim, o faturamento cresce - e de preferência em proporção maior que os gastos.

O preço dos ingressos para shows internacionais no Allianz Parque, por exemplo, subiu 37%, em média, de quatro anos para cá.

Quando a vinda de Taylor Swift ao Brasil foi anunciada pela T4F, ainda em outubro de 2019, os ingressos para os shows da cantora, que aconteceriam em 2020, em São Paulo, tinham valores entre R$ 150 (meia entrada ) e R$ 850 (entrada inteira da pista premium).

A agenda foi cancelada em função da pandemia e, três anos depois, no fim de 2022, os ingressos para os shows, que por fim aconteceriam em novembro de 2023, na capital paulista, haviam saltado para entre R$ 190 (meia entrada ) e R$ 1.050 (entrada inteira da pista premium).

As altas de 26% e 23,5%, respectivamente, só não foram maiores porque se apoiaram em eventos com públicos maiores. Em 2020, a turnê havia sido planejada para o Unimed Hall, espaço com capacidade de público pelo menos seis vezes menor do que o Allianz Parque, onde o show acontecerá em São Paulo, no próximo fim de semana.

No Estádio Nilton Santos, que não estava no planejamento inicial da turnê de Taylor Swift pela América do Sul, a capacidade de público corresponde a sete vezes a do Unimed Hall.

Os cerca de 350 mil ingressos para os seis shows da cantora norte-americana no Brasil, a preços que chegaram a R$ 2.250 no caso do pacote VIP “It’s been a long time coming” em São Paulo, esgotaram em 40 minutos.

Mas para vender mais e a um preço maior, é preciso trazer artistas de peso, que, embora cobrem mais caro, também despertam uma demanda à altura. Aqueles pelos quais seus fãs pagariam quanto fosse preciso para vê-los.

Nessa categoria figuram fenômenos da cultura pop como Bruno Mars, The Weeknd, o grupo mexicano RBD, o Beatle Paul McCartney, além da própria Taylor Swift e de outros que fizeram shows em solo brasileiro neste ano.

O RBD lotou oito datas nos dois estádios em que se apresentou, no Rio de Janeiro e em São Paulo, neste mês. Ao todo, 440 mil pessoas compareceram aos shows do grupo.

Os ingressos, que variavam de R$ 195 (meia entrada) a R$ 850 (pista premium), acabaram em uma hora, o que provocou a Live Nation, produtora dos shows, a negociar com a banda datas extras no Brasil.

Vale lembrar que os preços descritos acima são apenas dos ingressos, sem contabilizar as taxas das plataformas de vendas. Além dos valores altos das entradas, em meio a multidões cada vez maiores, fãs que anseiam estarem mais próximos de seus ídolos sacrificam seu bem-estar. Não é incomum encontrar pessoas acampadas diante dos portões de estádios, por dias, às vezes por meses, para conseguir o lugar mais próximo possível do palco.

Endividamento

Apesar da economia brasileira estar crescendo, ela não está de vento em popa. A maioria esmagadora dos brasileiros sofre com o custo de vida alto e os salários achatados. Ou muitas vezes até com a falta de emprego, vivendo, portanto, do que encontra no mundo da informalidade. Então como explicar a disputa acirrada por ingressos que podem ultrapassar R$ 2 mil para esses shows?

“Quem está ganhando com isso são os bancos e financeiras. As pessoas que não fizeram uma reserva de caixa para comprar esses ingressos estão se endividando”, disse Flores. “Mas há um limite para isso, e não me parece que o setor está calculando muito bem a capacidade de endividamento desses consumidores.”

“Bancos, por exemplo, patrocinam quase todos os grandes eventos do setor de entretenimento, porque assim estimulam correntistas a ativarem seus cartões”, explicou o professor da ESPM.

Neste ano, o Santander firmou uma parceria global com a Live Nation, por meio da qual garantiu exclusividade de seus correntistas à pré-venda de shows e o parcelamento estendido para compra de ingressos.

De acordo com o comunicado do banco, divulgado em junho, o Santander isentaria de anuidade (até junho de 2024) quem contratasse o cartão de crédito entre os dias 16 e 21 daquele mês.

Essas são fórmulas comuns nesse tipo de patrocínio: o acesso antecipado aos ingressos. Preços, no entanto, são os mesmos na pré-venda ou na venda geral. Mas para shows e festivais disputados como os deste ano, ter mais chances de garantir a entrada nesses eventos é o bastante.

O mesmo fez o Itaú, que patrocinou o Rock in Rio nos últimos anos e, em 2023, juntou-se ao The Town sob a premissa da pré-venda exclusiva para seus correntistas.

Já o Bradesco se associou ao Lollapalooza, enquanto o Banco do Brasil patrocinou, entre outros eventos, o festival Primavera Sound, cuja segunda edição brasileira acontecerá nos dias 2 e 3 de dezembro, em São Paulo.

Outro caso famoso foi o do banco digital C6, que entrou como patrocinador do show da Taylor Swift. Na campanha, o banco prometeu aumentar o limite de crédito de clientes que aplicassem dinheiro em Certificados de Depósito Bancário (CDBs). A cada R$ 1 investido no CDB, R$ 1 seria adicionado ao limite do cartão, como incentivo para a compra do ingresso no crédito.

O benefício pode parecer pequeno considerando a dimensão de gastos e de faturamento nesses eventos. Mas de grão em grão, os bancos conseguem aumentar a sua base de clientes e também a quantidade de serviços financeiros usados pelos já clientes.

Posicionamentos

Live Nation

Procurada, a Live Nation Brasil, empresa que produziu, entre outros, os shows do RBD, Coldplay, Alanis Morissette e The Weekend no Brasil, preferiu não se pronunciar.

T4F

Diante da previsão de aumento da onda de calor na cidade do Rio de Janeiro, informamos que estamos reforçando o plano de ação especial realizado para o primeiro dia de show, especialmente o fornecimento de água gratuita nas filas e em todos os acessos e entradas ao estádio e no seu interior. Desta forma, novos pontos de distribuição gratuita de água estarão à disposição do público durante o evento.

Também será permitida a entrada no estádio com copos de água lacrados e alimentos industrializados lacrados, sem limitação de itens por pessoa. Esclarecemos que a exigência dos itens serem lacrados segue recomendações de segurança.

Garrafas plásticas flexíveis também serão autorizadas no acesso. É vedado qualquer outro material como metal, alumínio e garrafas térmicas.

Ressaltamos que a proibição de entrada de garrafas de água em estádios segue exigência feita por órgãos públicos, sendo que a permissão da entrada de garrafa plástica flexível ocorreu na data de 18 de novembro de 2023. Também esclarecemos que não realizamos a comercialização de bebidas e alimentos, sendo essa uma atribuição da administração do estádio.

O efetivo de serviços foi reforçado. Cerca de 200 colaboradores extras irão se somar aos 1.230 profissionais que estão trabalhando no evento desde o início entre seguranças, brigadistas, orientadores de público e outros. Além disso, a estrutura de atendimento médico foi reforçada, totalizando 08 postos médicos disponíveis, 08 ambulâncias e 08 UTIs móveis.

Botafogo SAF

Os preços de alimentos e bebidas praticados em eventos no Nilton Santos são definidos em uma concordância entre a administração do Estádio, operadores terceirizados e as produtoras dos shows. Os valores aplicados são balizados de acordo com os praticados no segmento de eventos e todas as partes envolvidas recebem um percentual sobre as receitas.

show — Foto: Freepik
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