Caso a percepção de risco fiscal não tivesse aumentado, o governo não tivesse modificado as metas de inflação a partir de abril e não fizesse diversas críticas ao Banco Central, e, ainda mais, os membros do governo unificassem o seu discurso, a gestora WHG calcula que o dólar deveria, na verdade, valer R$ 5,10 agora.
Se adicionalmente o dólar não tivesse se valorizado globalmente esse ano, a moeda americana deveria ser cotada, hoje, a R$ 4,90. Ou seja: 70% da valorização do dólar contra o real se relaciona com a percepção de aumento do risco fiscal e ruídos políticos, enquanto 30% da alta ocorreu pela valorização global da moeda americana, explica o economista da gestora, Fernando Fenolio.
Na conta, foram inseridas diversas métricas de risco, e todas comparam o Brasil com países semelhantes, como o México. Uma delas é o juros do Brasil de 10 anos, a outra a diferença entre a inflação implícita de 5 anos e 3 anos, na qual o mercado pode embutir a probabilidade de que haja mais inflação daqui para a frente por conta da politica macroeconômica. Por fim, foi incluída a bolsa brasileira. Em todas elas há uma piora que não é acompanhada pelos pares, conclui Fenolio.
"A forte desvalorização do real ante o dólar não é especulação pura e simples. Se o Brasil acompanha os pares, pode se pensar que é um fator global. Mas caso haja uma variação grande aqui, concluímos que o problema é, sim, interno. Existem motivos para o investidor ficar mais desconfiado, enquanto em um ataque especulativo, não se consegue ver razões"
Esse tipo de conta se chama "contrafactual", no jargão de mercado. Trata-se de tentar estimar quanto seria o preço de um ativo ou a medida de uma variável econômica caso alguns fatores pudessem ser isolados.
Para o economista, há uma série de eventos que justificam que vários ativos brasileiros se descorrelacionaram de seus pares, e a taxa de câmbio é o catalisador final disso tudo.
Questionado sobre se a conta feita por operadores de câmbio de que 70% da alta do dólar ante o real pode ser explicada por fatores externos e apenas 30% por fatores domésticos, Fenolio aponta que a equação pode sofrer mudanças conforme a dinâmica econômica.
"Se o Brasil estivesse em uma situação politica e econômica tranquila, a desvalorização da moeda seria 100% explicada por fatores externos. Mas nos últimos três meses foram registrados tantos ruídos que a dinâmica doméstica dominou. Investidores que já tinham um pé atrás, a visão mais negativa, embutiram essa análise no câmbio porque foram dadas razões para isso".
Hoje, o Brasil tem o pior desempenho contra uma cesta de países nos quais o mercado financeiro é considerado mais maduro e, portanto, costumam ter a mesma dinâmica de câmbio.
"O real desvalorizou mais do que a moeda japonesa, na qual os investidores ganham juros zero. É algo que dificilmente acontece, pois o Brasil oferece rendimento de 10,5% hoje. Mesmo o México, no qual houve eleição surpreendente de um partido de centro-esquerda e os ativos chacoalharam, a desvalorização ante o dólar corresponde à metade da registrada pela moeda brasileira"
Sob o governo de Jair Bolsonaro, a moeda também balançou após a PEC dos precatórios e a suavização do teto de gastos sugerida pelo então ministro da Fazenda Paulo Guedes. Em 25 de junho de 2021, valia R$ 4,90 e, em 21 de dezembro daquele ano, chegou a R$ 5,75.