Colunas de José Brazuna

Por José Brazuna

Sócio da Br Governance e da Investment as a Service (IAAS), consultorias de governança e de serviços para a indústria de fundos

São Paulo


Seguimos mais uma semana na missão desta coluna (pode olhar lá no perfil que me descreve, antes do texto): “Esta coluna tem o objetivo de ajudar o investidor a entender os personagens, seus interesses e como se posicionar no mercado de investimentos.”

Recapitulando breves lições que tentei passar até agora: (i) se você não paga pelo produto, você é o produto e (ii) não entendeu, não faça.

Se você adotou as duas lições, já sabe que ninguém é bonzinho, e que você tem que entender com quem faz negócios no mercado financeiro, quais são os interesses, e que não deve investir sem entender do que se trata.

Agora vem uma terceira lição dos “bastidores” perigosos da distribuição: (iii) suitability não te protege de produtos ruins.

Por quê? Vamos analisar a relação entre suitability e a composição da oferta de produtos de distribuição (corretoras, bancos, Assessores).

Quais são suas proteções? Uma que o regulador criou faz mais de uma década é o conhecido processo de suitability.

Basicamente é buscar “adequação”: você responde perguntas sobre objetivos e conhecimento sobre investimento; a instituição define qual deve ser o limite máximo de risco da sua cesta de investimentos e oferece a oferta de produtos que você tem acesso, com esse perfil. E, se ao longo do tempo, houver desenquadramento, avisar e propor ajustes. Estou simplificando bastante, pois é óbvio que a regulação é bem mais robusta e sofisticada.

Mas, o mercado ainda tem muito a evoluir sobre o processo de seleção destes produtos ofertados. E sem isso melhorar, o suitability sozinho não evita problemas.

Os normativos da CVM e Anbima que tratam sobre a distribuição e intermediação de produtos, impõem diretores estatutários responsáveis por tais atividades, e, eles podem responder na pessoa física se agirem de maneira comprovadamente inapropriada. E existem obrigações, procedimentos e controles na composição dessa oferta ao investidor. Não é a casa da mãe Joana.

Porém, a regulamentação não é tão detalhada quanto eu acho que deveria ser sobre diligência, aprovação e monitoramento da oferta de produtos. Ela trata muito do transacional e de diligência ampla, como conceito, e transfere o risco para a decisão do investidor.

Ao compor a prateleira de fundos de terceiros de uma instituição, obviamente se busca ter os melhores produtos, mas, também se quer maximizar receitas. Aí começa a morar o perigo...

Se um distribuidor oferecer centenas de fundos de renda fixa legalmente parecidos, mas alguns de qualidade duvidosa e outros de melhor reputação, fica confuso e perigoso. Afinal, no processo de suitability, todos praticamente terão a mesma “nota” em termos de risco de mercado e poderão ser adequados para o seu portfólio.

O processo de suitability considera muito mais o perfil do produto em termos de tipo de estratégia, quando se mede o nível de risco, e não aponta o dedo para algo que, em situações extremas de fraude é o que realmente importa: a qualidade, seriedade e idoneidade do gestor (governança, controle, conflitos, compliance...).

Mesmo com processo de suitability, você poderá encontrar na prateleira do seu distribuidor, em uma mesma categoria de risco, produtos bem bons e bem ruins, quando falamos de gestores.

E não estou falando só da capacidade do gestor de ganhar dinheiro, mas, também de negligenciar a boa gestão do negócio. Aí reside um gap importante que deveria ser equacionado pelo regulador ou pela autorregulação.

Mas o distribuidor tem que garantir que o gestor é bom, honesto e acerta sempre? Não, não é por aí. Mas, vou te trazer um exemplo do que poderia inspirar ajustes nas legislações relativas à oferta de produtos.

Pelas regras da CVM e Anbima, um gestor, quando vai comprar, por exemplo, uma debênture para um fundo, tem que fazer um imenso escrutínio prévio e recorrente do emissor, estrutura da operação, suas garantias, avaliação econômica, lastros, histórico, rating, balanço, governança, ler contratos etc. E, recorrentemente, precisa monitorar este ativo da mesma forma, observando se as características se alteraram e quais os impactos no risco, no preço do ativo, se ele merece ou não permanecer na carteira.

A regra impõe um processo muito detalhado e taxativo de itens que devem ser analisados. Teoricamente, sempre que o ativo permanece no portfólio, é como se o gestor estivesse “comprando de novo”, pois precisa verificar se o que formalmente motivou a alocação, permanece válido. Se mudou, não há muita justificativa para não vender o crédito. Ou pelo menos reavaliar o peso e risco.

Tudo isso precisa ser definido em uma política detalhada e ter a evidência (atas, documentos etc) de que tudo é feito. Existe um roteiro formal disso. E, Anbima e CVM têm inúmeros exemplos de processos e investigações feitas em gestores por não terem cumprido tais atos ligados à aprovação, enquadramento e monitoramento de ativos de crédito em um fundo.

É um processo de diligência, baseado em um script, que regulador, autorregulador e gestor pactuam. Fica formalmente escrito nas políticas internas dos gestores e ele precisa guardar evidência de que fez tudo isso.

Agora, selecionar um fundo para fazer parte da prateleira de um distribuidor é algo mais solto e genérico nas normas. Se espera sim diligência. Mas não se solicita atos formais e monitoramentos específicos e uniformes nessa seleção.

Podíamos nos inspirar nas regras dos gestores de fundos. Não faz sentido a regra ser igual, mas pode ser adaptado no seu devido grau. Hoje está muito solto. Hoje, um investidor, ao aplicar em um fundo assina todos aqueles termos de ciência etc, o que, de alguma forma acaba isentando bastante o distribuidor.

Quando compra uma debênture, CRI, CRA, LCI, LCA, a analogia é semelhante. Fica mais difícil responsabilizar a falha do distribuidor em compor sua prateleira e provar alguma negligência (ele sempre parece surpreso também).

E, obviamente que, para colocar o fundo na prateleira, existem rebates maravilhosos e campanhas de venda. Os melhores gestores, por serem os melhores, tendem a pagar os menores rebates. Pense nisso, é um jogo pesado.

É razoável pensar que a prateleira de um distribuidor é como um supermercado, em que marcas que pagam mais têm lugar de destaque. Mas como nos supermercados, não se pode vender produtos sem avisar sobre sua qualidade (corantes, gordura saturada, sódio etc). E hoje as etiquetas são bem grandes ao falar sobre isso.

A ideia aqui é construir uma narrativa simples, já que é uma coluna breve. Não estou sugerindo que existe má fé generalizada na oferta e nem que não há nenhuma forma do regulador ou autoregulador responsabilizar um intermediário que lhe vendeu um fundo que, depois que quebrou, você descobriu que era uma salsicha (sabe-se lá o que tinha dentro).

Mas pode apostar, a primeira resposta do distribuidor quando você ligar reclamando, é que seu perfil de suitability era adequado e que ele também está surpreso. Não, não me venha falar isso distribuidor, vamos falar da sua diligência na aprovação e monitoramento do gestor e dos fundos.

Acho que a indústria tem muito a avançar e parar apenas de medir suitability e dar dezenas de termos para o cliente assinar. A legislação poderia ser mais específica em ritos de aprovação e monitoramento de produtos para as “prateleiras”, e que sirva de inspiração as regras de seleção e monitoramento de crédito para a carteira de um fundo. Não acho que podemos, no longo prazo, ter ritos de governança genéricos como os que ditam a aprovação de produtos para distribuição de hoje.

Pode encarecer o processo de distribuição? Sim, mas pode ficar menos conflitado e mais seguro.

Está na hora de avançar um passo na seleção de produtos e subir a barra em regras e processos mínimos, uniformes e objetivos de diligência. Dar transparência de remuneração e rebates do canal de distribuição, como o regulador recentemente implementou, ajuda só a evidenciar os conflitos. Falta melhorar a oferta.

O e-mail do José Brazuna é: jbrazuna@iaasbr.com

José Brazuna — Foto: Arte sobre foto Divulgação
José Brazuna — Foto: Arte sobre foto Divulgação
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